Cientistas lutam contra ataque de camundongos a albatrozes no Pacífico
Wieteke Holthuijzen*
The Conversation
24/02/2024 04h05
No extremo noroeste das ilhas do Havaí, no Oceano Pacífico, fica Kuaihelani, também conhecido como Atol de Midway, um pequeno conjunto de ilhas que abriga a maior colônia de albatrozes do mundo.
Mais de um milhão de albatrozes retornam a Kuaihelani todos os anos para se reproduzir. Essas ilhas, aparentemente intocadas, parecem seguras, mas há um predador à espreita entre as aves marinhas.
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Os camundongos domésticos (Mus musculus) —o mesmo tipo que pode estar em sua casa— começaram a atacar e matar albatrozes, comendo-os vivos enquanto eles estão em seus ninhos. Sou um ecologista que está estudando o mistério por trás desses camundongos assassinos.
Um predador escondido à vista de todos
Antes local de intensas batalhas durante a Segunda Guerra Mundial, Kuaihelani é agora um refúgio nacional de vida selvagem dos EUA.
Sem predadores naturais como gatos, ratos ou mangustos, Kuaihelani oferece um refúgio seguro para milhões de pássaros migratórios e de nidificação, incluindo moli (Phoebastria immutabilis), também conhecidos como albatrozes de Laysan.
Essas aves marinhas, cada uma do tamanho aproximado de um ganso, fazem seus ninhos praticamente no mesmo local todos os anos, produzindo apenas um ovo por ano.
Na temporada de nidificação de inverno de 2015, voluntários e biólogos que faziam a contagem de pássaros começaram a ver feridas sangrentas horríveis em molis em nidificação.
No início, eles encontraram apenas alguns molis com esses ferimentos misteriosos, que incluíam mastigação severa ao longo do pescoço e até escalpelamento. Nas semanas seguintes, eles encontraram dezenas de molis feridos, depois centenas.
Os biólogos ficaram perplexos. Será que um rato preto havia escapado de um barco ancorado? Será que um falcão-peregrino havia chegado com a última tempestade de inverno? Desesperados para identificar o culpado, os biólogos instalaram câmeras em torno dos molis em nidificação.
As câmeras capturaram imagens noturnas bizarras de camundongos rastejando e mastigando as costas e as cabeças de molis. Foi a primeira vez que um camundongo doméstico foi observado atacando um albatroz adulto vivo em um ninho.
Os molis, como muitas aves marinhas, evoluíram sem predadores em ilhas remotas. Como resultado, essas aves marinhas costumam ser estranhamente ousadas e curiosas, puxando os cadarços dos sapatos dos pesquisadores ou mordiscando nossas pranchetas.
Esse fenômeno é chamado de island naïveté (ingenuidade insular, em tradução livre) e, por mais encantador que seja, pode ser um desastre quando predadores não nativos, como ratos e gatos, são introduzidos nas ilhas.
Sem uma cautela inata, até mesmo as maiores aves marinhas podem se tornar presas indefesas de predadores tão pequenos quanto um camundongo.
Desenvolvendo um gosto por carne
Durante a Segunda Guerra Mundial, as ilhas de Kuaihelani foram limpas e cobertas com infraestrutura de guerra. Tanto os ratos pretos quanto os camundongos domésticos foram inadvertidamente introduzidos nessa época. Em pouco tempo, os ratos começaram a dizimar as populações de aves marinhas.
Quando a importância militar de Kuaihelani se desvaneceu na década de 1990, o gerenciamento do atol foi transferido para o U.S. Fish and Wildlife Service.
Os ratos foram erradicados em 1996 com sucesso, mas os camundongos permaneceram. Considerados pequenos e inofensivos, eles não geraram muita preocupação até 2015.
Embora os cientistas talvez nunca saibam exatamente por que os camundongos começaram a atacar e matar molis, temos algumas ideias.
Devido às mudanças climáticas, Kuaihelani tem registrado precipitações cada vez mais irregulares, às vezes resultando em longos períodos de seca ou chuvas intensas. Durante os períodos de seca, a vegetação morre rapidamente.
É provável que os itens habituais de alimentação dos camundongos, como sementes e insetos, diminuam durante esses períodos. Para sobreviver, os camundongos precisam encontrar uma fonte de alimento diferente.
Em uma ilha com milhões de aves, as carcaças de aves marinhas são abundantes e atraem uma rica comunidade de insetos, inclusive baratas, isópodes e larvas.
Os camundongos parecem ter bastante apetite por essas criaturas e provavelmente se alimentam de carcaças de aves marinhas ao mesmo tempo. A transição da limpeza de aves marinhas mortas para o ataque a aves vivas que não resistem é apenas um pequeno passo.
Como os ataques de camundongos a ninhos de molis aumentaram a partir de 2015, ficou claro que algo precisava ser feito —e rápido. A solução era se livrar dos camundongos, o que, infelizmente, é muito mais fácil falar do que fazer.
Camundongos obstinados
A erradicação de camundongos é um esforço de conservação desafiador e arriscado que exige anos de pesquisa e planejamento cuidadoso.
Idealmente, o raticida, um tipo de veneno usado para matar roedores, deve ser oferecido quando os camundongos estiverem mais famintos e propensos a comê-lo. Isso requer saber exatamente o que eles estão comendo, e quando essas fontes de alimento estão escassas.
Ao extrair e sequenciar o DNA do cocô de um camundongo e analisar isótopos estáveis —uma técnica que identifica impressões digitais químicas exclusivas de organismos— meus colegas e eu pudemos descobrir quais organismos os camundongos estavam comendo e em que quantidades.
Verificamos que os camundongos da Ilha Sand de Kuaihelani comem principalmente insetos (cerca de 62% de sua dieta), seguidos por plantas (27%) e, por fim, albatrozes (provavelmente moli, cerca de 12%).
O Fish and Wildlife Service identificou o mês de julho como a melhor época para a tentativa de erradicação, já que a densidade de aves marinhas é normalmente mais baixa nessa época.
Devido às interrupções causadas pela covid-19, a tentativa de erradicação foi adiada até julho de 2023, quando a organização sem fins lucrativos Island Conservation e o Fish and Wildlife Service aplicaram meticulosamente raticida em várias rodadas.
No início, parecia estar funcionando. Mas nas semanas que se seguiram, alguns camundongos foram vistos —e depois mais. Em setembro de 2023, a erradicação foi declarada malsucedida.
Alguns profissionais de conservação acreditam que a erradicação deve ser tentada novamente, mas outros se preocupam com o aparecimento de camundongos resistentes ao raticida.
Quando gerações de roedores são expostas repetidamente a um raticida, eles podem começar a carregar mutações genéticas que resultam em resistência ao veneno, tornando ineficazes os futuros esforços de erradicação.
Sem dúvida, os camundongos em Kuaihelani já foram expostos ao raticida por um longo tempo. Quando Kuaihelani —ou Atol de Midway— era uma base naval, o raticida provavelmente era aplicado dentro e ao redor de prédios e residências.
A erradicação de ratos em 1996 foi outra exposição. Atualmente, estou pesquisando se os camundongos de Kuaihelani já têm essas mutações genéticas.
As preocupações com os camundongos resistentes a raticidas não se limitam a Kuaihelani. Em todo o mundo, especialmente na Europa, há cada vez mais casos de roedores resistentes. Os roedores continuam a ter efeitos ecológicos graves e generalizados em ilhas do mundo todo.
Por enquanto, estou concentrado em ajudar os albatrozes de Kuaihelani a sobreviver. Mas nossa pesquisa também pode ajudar a lutar contra o crescente desafio dos camundongos resistentes ao redor do mundo.
*Wieteke Holthuijzen é Ph.D. candidato em Ecologia e Biologia Evolutiva da Universitdade do Tennessee
Este artigo foi republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.