Vôlei na praça: tio e sobrinho devolvem vida ao Arouche aos domingos
Milena Buarque
Colaboração para Ecoa
25/02/2024 04h00
O vôlei é um dos esportes mais populares entre os brasileiros e tem sido o responsável por resgatar a sensação de segurança aos domingos no Largo do Arouche, praça localizada na região central da cidade de São Paulo.
Desde 2022, todos os domingos, a partir das 15h, a bola e a rede tomam conta do Arouche pelas mãos de Mario Sergio Modesto, que vive no centro da cidade. E tudo começou do anseio por uma atividade ao ar livre após o confinamento pela pandemia de covid-19.
"Na minha vida, tudo era vôlei durante a adolescência. Eu sempre joguei e sou apaixonado pelo esporte. Um dia, pensei: 'vou comprar uma bola e descer para jogar na praça", conta Mario Sergio.
Levou com ele, além da bola, o sobrinho Bryan Gabriel da Silva. "Começamos a jogar, nós dois e, de repente, uma, duas, três crianças vieram e perguntaram: 'a gente pode brincar com vocês?'", lembra.
Mascote das equipes que hoje marcam presença para disputar umas partidas na quadra arranjada por Mario no Arouche, Bryan, aos 10 anos, conta que aprendeu as regras do jogo já em ação.
"Eu gosto de natação, futebol, mas o preferido é o vôlei mesmo. Um dia eu estava meio entediado, sem nada para fazer, meu tio foi começando a me ensinar. Foi assim que eu fui aprendendo a jogar", conta o menino.
De acordo com o tio, o sobrinho impressiona pela desenvoltura no esporte, tendo sido introduzido ao vôlei há apenas dois anos.
Uma praça aberta a tudo
O vôlei na praça despertou em Mario, que hoje atua no ramo da beleza, uma carreira há muito adormecida. A sua jornada de profissionalização no voleibol, interrompida por uma lesão há 12 anos.
"Eu comecei cedo e joguei por muito tempo em clubes federados. No Palmeiras, no São Paulo, no centro olímpico, no Taboão da Serra. Quando eu rompi o ligamento do meu joelho, em 2012, fiquei traumatizado com a recuperação, que levou 8 meses, parei e nunca mais voltei."
Morador do centro da cidade há 14 anos, ele tem testemunhado mudanças na vizinhança agravadas pelo cenário de violência e insegurança na região. Quando decidiu comprar uma bola de vôlei e sair de casa com Bryan aos domingos, o Arouche não estava em seus melhores dias nem inspirava confiança. Ainda assim, eles foram.
Somente entre janeiro e julho de 2023 foram registradas 13.478 ocorrências em oito delegacias da região central de São Paulo, de acordo com dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), o maior número desde 2001, início da série histórica.
Base da polícia saiu
Mario conta que antes da pandemia havia uma base da polícia na praça e ela ficava mais segura, mas durante o isolamento essa base saiu. Mesmo os vizinhos se juntando para pedir a volta da polícia à Prefeitura, ela não voltou.
"Então, nós ficamos com uma praça meio que aberta a tudo. Um ar de insegurança muito grande, sabe? Teve essa onda da 'gangue da bike', que todo mundo acompanhou na televisão, na internet. Foi muito forte aqui no centro", diz.
Quando eu e o Bryan começamos a jogar, outras pessoas começaram a chegar, eu senti um impacto positivo. Ter gente ocupando o espaço, me sinto mais seguro.
Mario Sergio Modesto
Em abril do ano passado, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado), vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, aprovou, por unanimidade, a abertura de estudo de tombamento do Largo do Arouche, destacando a importância histórica da área", segundo nota compartilhada pela assessoria de imprensa do Governo do Estado de São Paulo.
Rede e linhas desenhadas
Com o número de interessados no vôlei do Arouche aumentando cada vez mais, ele decidiu dar um passo adiante e investir no esporte e no lazer da turma: comprou uma rede e a colocou, no improviso, em um dos postes do local; riscou uma quadra com linhas coloridas no chão da praça e criou um grupo no WhatsApp para organizar os grupos.
É uma energia boa ter pessoas felizes ocupando o espaço. Gente que passou a vir, descer dos prédios, por ver que tem gente bebendo, conversando, dando risada. Ainda não temos o policiamento de volta, o que impactou mesmo foi fazer uso da praça. Eu acredito muito nisso.
Mario Sergio Modesto
No perfil de Mario no Instagram, tio e sobrinho aparecem em fotos sempre acompanhados da bola. Na mesma rede social, o "vôlei do Arouche" despertou a atenção de um perfil dedicado a notícias do bairro. Em um vídeo publicado pela página, a "praça viva" é celebrada em plena tarde de Natal. Nos comentários, uma pergunta: "é só chegar e participar?".
Sim. É só chegar e participar. Todos os domingos, a partir das 15h.
Mario lamenta ter ficado tanto tempo longe do esporte, mas comemora o retorno desta forma. "Estou me sentindo mais alegre agora com esse meu retorno. Ter um grupo, ver o pessoal ansioso para chegar o domingo, perguntando que horas vai ser o vôlei."
Projetos futuros
Ainda que reforce o fato de não ser necessariamente um professor — "é só a experiência do que passei" —, Mario pensa em iniciar, a curto prazo, um educativo com fundamentos e movimentos do voleibol no período da noite, uma ou duas vezes por semana. A constante evolução do sobrinho no esporte também está na agenda de técnico.
"Muitas vezes cacelo compromissos aos finais de semana. Tenho a galera que está me esperando, o Bryan também. É uma responsabilidade que assumi, de estar ali com eles", diz.
O vôlei forma muitas qualidades, como empatia, cumplicidade e esse senso de responsabilidade. É isso que eu quero também passar para ele.
Mario Sergio Modesto
Enquanto as seleções brasileiras de voleibol feminino e masculino se preparam para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, Mario planeja mais um saque: "Quem sabe mais pra frente a gente não faz um torneiozinho entre a galera, não é, Bryan?".