OPINIÃO
BR-319: planos do governo Lula podem colapsar Amazônia e iniciar pandemias
Lucas Ferrante
Colaboração para Ecoa
27/02/2024 04h01
O alerta foi emitido através da renomada revista científica Nature, reconhecida como uma das principais autoridades no campo científico global, ao lado da revista Science. A publicação enfatizou a urgência científica de interromper a construção de novas estradas que têm contribuído para o desmatamento na Amazônia, como a rodovia BR-319, assim como os projetos de exploração de combustíveis fósseis na região. No entanto, o Brasil contraria essa direção mesmo após o discurso do presidente Lula na COP28. Embora suas palavras tenham refletido os anseios da comunidade internacional, ações subsequentes do Governo Federal diluíram sua mensagem. A abertura da rodovia BR-319, para facilitar o acesso a áreas de exploração de petróleo e gás, e a concessão desses blocos no Amazonas, agora infamemente chamados de "leilão do fim do mundo", carregam consigo o potencial de desencadear um colapso climático global, representando um dano irreversível e insuperável ao nosso planeta.
Neste parecer, enfatizamos que a pavimentação da Rodovia BR-319 não apenas representa uma grave ameaça climática, mas também empurra a Amazônia para um ponto de não retorno. Além disso, essa pavimentação pode desencadear saltos zoonóticos, resultando não apenas em uma, mas em uma sucessão de pandemias globais. Saltos zoonóticos ocorrem quando patógenos como bactérias, fungos, parasitas, príons e vírus, originalmente presentes em determinados organismos, conseguem se propagar para outros, incluindo seres humanos, através de contato direto, alimentos, água ou ambiente. Quando esses agentes infecciosos conseguem infectar e se adaptar para se espalhar entre os seres humanos, ocorre o salto zoonótico, resultando no surgimento de novas doenças infecciosas que podem afetar as populações humanas. Um estudo conduzido por nosso grupo de pesquisa há dois anos já alertava que o Amazonas, assim como outros estados da região Amazônica, carece de preparação para emitir um alerta epidemiológico caso uma pandemia surja na região.
Relacionadas
É amplamente reconhecido pelos principais veículos científicos do mundo que a pavimentação da Rodovia BR-319 é impraticável. A revista Science, em 2020, destacou-a como um catalisador primário do desmatamento na Amazônia. Em suma, o aumento da exploração de petróleo e o desmatamento resultante da rodovia agravarão as mudanças climáticas, empurrando o bioma amazônico para um ponto crítico de irreversibilidade, com implicações globais. Adicionalmente, a liberação de patógenos letais, atualmente contidos na floresta, se disseminará facilmente, encontrando condições propícias em um contexto de mudança climática, potencialmente desencadeando uma série de epidemias e pandemias muito mais severas e intensas do que a COVID-19.
O parecer publicado na revista científica Nature no dia 30 de janeiro aponta:
"Proteger o meio ambiente é uma decisão baseada na ciência e não deve ser negociada. No entanto, dois dias após o discurso do Presidente Luiz Lula da Silva na cúpula climática COP28 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, em 1 de dezembro de 2023, seu governo anunciou a pavimentação da rodovia BR-319. Essa rodovia conecta Manaus, no coração da Floresta Amazônica, a Porto Velho, no "arco do desmatamento" em suas fronteiras ao sul. Em 13 de dezembro, a agência nacional de petróleo do Brasil vendeu os direitos de perfuração de petróleo em 602 áreas, sendo 21 delas na bacia amazônica, acessadas através da BR-319 e de estradas secundárias. Uma semana depois, o Congresso Brasileiro aprovou um projeto de lei considerando o projeto rodoviário como essencial e alocando recursos para ele a partir do Fundo Amazônico, destinado a proteger a floresta tropical. Os doadores do Fundo Amazônico devem exercer seu direito de veto para evitar isso, ou serão considerados corresponsáveis por um projeto que prejudicará as metas climáticas, acelerará a perda de biodiversidade e abrirá vastas áreas de floresta que abrigam uma diversidade incalculável de patógenos, como vírus, bactérias e príons. O governo brasileiro está minando suas próprias alegações de que está protegendo a Amazônia. Para enfatizar o compromisso do Brasil em mitigar as mudanças climáticas e promover o bem-estar global, é fundamental reverter essas decisões prejudiciais".
Além disso, a rodovia BR-319 não só pode facilitar a transmissão de vírus, bactérias, príons e fungos da floresta para os humanos, criando potencialmente novas epidemias e pandemias, mas também pode contribuir para a disseminação de patógenos já existentes entre a vida selvagem na Amazônia. Em um estudo publicado por Guilherme Becker no periódico Ecography, foi apontado que a abertura de estradas na Amazônia serve como meio de propagação do Batrachochytrium dendrobatidis, um patógeno letal para anfíbios, classificado como o mais devastador entre vertebrados. Outra pesquisa, conduzida no Centro de Microbioma One Health da Penn State University e publicada recentemente na revista Ecology Letters, demonstrou que o aumento das secas afeta diretamente a microbiota da pele dos sapos, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos nocivos do Batrachochytrium dendrobatidis. Considerando as mudanças climáticas na Amazônia, incluindo a grave seca de 2023 e as projeções futuras, a pavimentação da BR-319 poderia desencadear uma perda sem precedentes de biodiversidade, especialmente afetando os anfíbios, que desempenham um papel crucial no controle de pragas agrícolas e de vetores de transmissão de doenças para os seres humanos.
O jornal Regional Environmental Change, em 2021, ressaltou a falta de capacidade do Amazonas e do Brasil em lidar com uma pandemia global decorrente da degradação ambiental, enfatizando a necessidade de os políticos e o judiciário considerarem as recomendações científicas.
Existe um consenso nas pesquisas científicas de que a pavimentação da rodovia BR-319 será inviável e terá impactos abrangentes na Amazônia, com repercussões globais, e a responsabilidade recairá sobre o presidente Lula e seu governo se derem continuidade a estes planos. Apesar da queda do desmatamento na Amazônia decorrente do aumento das fiscalizações realizadas pelo governo Lula, essas ações por si só não são suficientes para proteger o bioma, como apontou uma publicação no periódico Nature Human Behaviour. O parecer destaca que o governo também deve rever grandes empreendimentos com potencial de levar a Amazônia ao colapso, ressaltando que gestões anteriores do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) ignoraram as recomendações de cientistas, como foi o caso da hidrelétrica de Belo Monte.
Embora a BR-319 não tenha entrado como uma prioridade nas obras do PAC, conforme noticiado hoje 9 de fevereiro, o empreendimento segue entre os projetos estratégicos do Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) para o período de 2024 a 2027 pelo governo Lula. É imperativo que a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pressione o IBAMA para suspender imediatamente todas as licenças de manutenção e pavimentação da BR-319, enquanto o judiciário e o governo brasileiro devem intervir para evitar essa catástrofe, assim como a exploração de petróleo na bacia Amazônica. Este será um marco no compromisso ambiental do Brasil com as metas climáticas globais, a preservação do meio ambiente e a saúde pública mundial. Os nomes dos responsáveis por permitir os desdobramentos dos impactos da pavimentação da BR-319 e a exploração de petróleo na bacia Amazônica devem ser lembrados na história como aqueles que estavam cientes das consequências, mas optaram por permitir o início da próxima pandemia global. A decisão de pavimentar essa estrada rumo ao desastre ou garantir o bem-estar global está nas mãos do Presidente Lula, da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva e do judiciário brasileiro. Como afirmou a revista Nature em 30 de janeiro de 2024, a proteção do meio ambiente é uma decisão embasada na ciência e não deve ser objeto de negociação.
*Lucas Ferrante é formado em ciências biológicas pela Unifal (Universidade Federal de Alfenas), mestre e doutor em biologia (ecologia) pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL