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App usa interação de moradores para monitorar chuvas e prevenir desastres

Imagem: Divulgação

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

18/03/2024 04h03

A comunidade como protagonista. Essa tem sido a perspectiva adotada pelo projeto Dados à Prova D'água, uma parceria entre pesquisadores do Brasil e do Reino Unido e Alemanha, para monitorar enchentes em territórios brasileiros vulneráveis.

A iniciativa, baseada no uso de um aplicativo e no princípio da ciência cidadã, tem engajado tão positivamente os moradores de áreas afetadas que recebeu recentemente o Celebrating Impact Prize na categoria "Outstanding Societal Impact". Trata-se da premiação considerada a mais importante no Reino Unido quando o assunto é reconhecer ações que saíram do campo acadêmico e atingiram um alto impacto social.

De acordo com a pesquisadora Maria Alexandra Cunha, da FGV, o projeto começou em 2019 e tinha como abrangência comunidades em Rio Branco, no Acre, e em M'Boi Mirim, na zona Sul de São Paulo.

A escolha dessas localidades considerava a rede de relacionamentos dos pesquisadores, o regime diferente de chuvas que cada uma delas apresenta e o fato em comum de que ambas as regiões têm comunidades vulneráveis que sofrem muito com o problema.
Maria Alexandra Cunha, pesquisadora

Mapeamento interativo

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O objetivo inicial, segundo ela, era desenvolver métodos de engajamento com dados que ajudassem a melhorar a vida nessas comunidades.

Era necessário que os próprios moradores das áreas afetadas pudessem não só criar esses dados sobre as chuvas, mas também participar da circulação e do uso dessas informações na tomada de decisões e prevenção de desastres.

Para isso, pesquisadores e comunidade fizeram juntos um mapeamento das áreas de risco no OpenStreetMap, com informações sobre as consequências das chuvas nas áreas escolhidas.

Os dados foram incorporados a um aplicativo no qual moradores podem inserir a quantidade de chuvas medida por pluviômetros artesanais feitos com garrafas PET, além de enviar textos e fotos. As informações alimentam um painel aberto ao público e às defesas civis.

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Paralelo ao aplicativo, a equipe do Dados à Prova D'Água também estendeu a iniciativa para escolas localizadas nessas regiões vulneráveis. A ideia foi oferecer treinamento aos estudantes sobre como usar a ferramenta e construir os próprios pluviômetros, além de disciplinas eletivas sobre ciência cidadã, mudanças climáticas, prevenção de desastres e resgate da memória sobre enchentes.

Conhecimento e prevenção

Maria Alexandra destaca que a pandemia alterou o planejamento do projeto no momento de ir a campo. Sem poder atuar diretamente com os moradores, os pesquisadores apostaram então na estratégia da polinização junto às comunidades.

"Tivemos apoio dos polinizadores, que eram pessoas com acesso à internet, professores ou membros da Defesa Civil, que ensinamos a usar o aplicativo, a fazer os pluviômetros artesanais e que depois foram trabalhar com as comunidades", pontua.

A iniciativa foi ampliada para Cruzeiro do Sul, no Acre; Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco; Cuiabá, no Mato Grosso; São José dos Campos, em São Paulo; e Florianópolis, Criciúma e Xanxerê, em Santa Catarina. "Depois disso, o projeto tomou vida e quando nos demos conta tínhamos comunidades do Brasil todo alimentando os dados", enfatiza a pesquisadora.

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Ela analisa que essa interação tem ajudado a melhorar o entendimento das pessoas sobre o fenômeno das enchentes, a percepção sobre os riscos e a resiliência e capacidade para enfrentar e superar essas situações. Um exemplo concreto ocorreu em maio de 2022 em Jaboatão dos Guararapes, ano seguinte ao teste piloto do aplicativo por meio dos polinizadores parceiros.

Tivemos uma chuva horrível, morreram mais de 100 pessoas. Mas na comunidade onde fizemos o piloto, os moradores continuaram medindo a chuva, lançaram alertas e quando a chuva chegou a 150 mm, eles evacuaram a região. Ninguém morreu ali.
Maria Alexandra Cunha, pesquisadora

Relação de confiança

Ainda segundo a pesquisadora da FGV, o trabalho tem levado os moradores a criarem uma relação de confiança a respeito das informações em circulação. E isso tem facilitado a tomada de decisão nos momentos que antecedem a um desastre, como o ocorrido em Jaboatão dos Guararapes.

"Uma grande dificuldade da Defesa Civil é justamente retirar as pessoas de dentro de casa. Quando elas usam os dados da própria comunidade, é o seu próprio filho quem aprendeu sobre aquilo na escola ou o seu vizinho quem explica que precisam sair, existe uma relação de confiança diferente, que não se tem com o governo", assinala.

Coordenadora do programa Cemaden Educação, a antropóloga Rachel Trajber ressalta que a iniciativa baseada na ciência cidadã contribui ainda para reforçar os dados do próprio governo sobre o monitoramento das chuvas.

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Embora o Cemaden tenha milhares de equipamentos, as pessoas estão monitorando áreas cinzentas no mapa, localizadas estrategicamente. São dados a mais com que podemos contar.
Rachel Trajber, antropóloga

Hoje, o Dados à Prova D'Água já envolveu mais de 400 cientistas cidadãos em mais de 20 cidades, 26 escolas parceiras e 18 agências da Defesa Civil, beneficiando mais de 290 mil moradores.

O trabalho é fruto de uma parceria entre a Fundação Getúlio Vargas (FGV), Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), University of Glasgow, na Escócia, University of Warwick, na Inglaterra, e University Heidelberg, na Alemanha.

Entre os financiadores estão a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o United Kingdom Research and Innovation e o Ministério Federal da Educação e Pesquisa da Alemanha.

A iniciativa está presente nas cinco regiões brasileiras, com ampliação prevista para comunidades de municípios como Petrópolis, no Rio de Janeiro; Brasília, no Distrito Federal; Pirenópolis, em Goiás; Erechim, no Rio Grande do Sul; e Manaus, no Amazonas. Nesses dois últimos estados, antecipa Rachel, a ideia é trabalhar também com escolas que atendem comunidades indígenas.

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