Mudanças climáticas aceleram na Antártida
Sergi González-Herrero
The Conversation
20/03/2024 04h00
Nos últimos anos, a Antártida passou por uma série de ondas de calor sem precedentes, desafiando as alegações daqueles que usaram o continente para negar a existência do aquecimento global. Em 6 de fevereiro de 2020, a temperatura mais alta registrada no continente foi de 18,3 ºC, superando o recorde anterior (17,5 °C), que ocorreu apenas alguns anos antes.
Pouco depois, em 2022, houve outra grande onda de calor que produziu o maior degelo já registrado na Península Antártida. Em março do mesmo ano houve a maior onda de calor já registrada na Antártida Oriental com temperaturas na faixa de 30-40°C.
Por fim, no último ano, tivemos a menor extensão de gelo marinho da Antártida que se tem registro.
A sucessão de fenômenos nos últimos anos tem sido incrível, e é difícil não associá-la às mudanças climáticas. De fato, já surgiram os primeiros estudos que atribuem claramente algumas dessas ondas de calor ao aquecimento global. Uma de nossas pesquisas sugere que, sem a influência das mudanças climáticas, o recorde de temperatura de 2020 não teria ocorrido.
Avanço das mudanças climáticas na Antártida
Há alguns anos, um estudo quantificou a taxa de mudança climática global, ou seja, a taxa na qual os ecossistemas estão se movendo devido a mudanças na temperatura da Terra e, portanto, a taxa na qual suas espécies devem se adaptar para garantir sua sobrevivência. Esse estudo quantificou que os biomas se movem a uma taxa de 0,8 a 12,6 km por década, com uma velocidade média de 4,2 km por década.
Em um estudo recente, adaptamos essa medida de velocidade à periferia da Antártida. Para isso, selecionamos a velocidade de deslocamento para o sul da isoterma de grau zero próxima à superfície como valor de referência.
A isoterma zero é uma linha imaginária que une pontos a 0 °C em um mapa. O fato de ela se mover para o sul significa que a área de temperaturas abaixo de zero ao redor da Antártida está ficando cada vez menor. O 0 °C marca a mudança de fase da água de líquida para sólida (gelo), portanto, o movimento dessa linha leva a mudanças drásticas na criosfera e nos ecossistemas.
Nossos cálculos indicam que a isoterma zero se moveu desde 1957 a uma taxa de 15,8 km por década ao redor da Antártida e até 23,9 km por década na Península Antártida. Como resultado, a posição da isoterma zero está agora mais de 100 km ao sul do que estava em meados do século 20.
Essas medições sugerem que a taxa de mudança climática na periferia da Antártida é quatro vezes maior do que a taxa média dos ecossistemas em todo o mundo.
A influência das emissões
Para estimar as consequências da migração para o sul da isoterma zero, calculamos suas tendências em cerca de 20 modelos climáticos. Embora haja alguma variabilidade na mudança da isoterma zero entre os modelos, todos concordam que ela se moverá significativamente em direção ao sul nas próximas décadas.
Os modelos preveem que, nas próximas décadas, a velocidade da isoterma zero rumo ao sul se acelerará independentemente do cenário de emissões. No entanto, o quanto nos deslocaremos para o sul na segunda metade do século 21 dependerá da quantidade de carbono que emitimos.
Se continuarmos com a taxa atual de emissões, a posição da isoterma zero continuará a avançar em uma taxa de aceleração semelhante na segunda metade do século 21. Entretanto, em um cenário de altas emissões, a velocidade da isoterma zero se aceleraria ainda mais e continuaria a se mover para o sul até o final do século.
Impactos na criosfera e nos ecossistemas
Esse avanço da isoterma zero em direção ao sul não permanecerá na atmosfera, mas causará um impacto significativo na criosfera (todos os sistemas de gelo da Antártida) e na biosfera (os seres vivos que nela habitam).
Para começar, as mudanças na isoterma zero indicam mais chuva líquida em vez de neve nas regiões mais externas do continente, embora isso possa, por sua vez, aumentar a queda de neve em outras áreas.
A quantidade reduzida de neve sobre o gelo marinho, que serve como um isolamento para ele, pode levar a uma taxa mais rápida de derretimento e declínio da extensão do gelo marinho durante a fase de recuo no verão.
Embora os efeitos sobre o permafrost (solo permanentemente congelado), as plataformas de gelo e o gelo continental ainda sejam incertos, isso sem dúvida afetará as geleiras periféricas da Península Antártida, uma das maiores fontes potenciais de aumento do nível do mar nas próximas décadas.
As mudanças na criosfera também levarão a mudanças nos ecossistemas. Novas áreas para a vida se abrirão devido ao derretimento do gelo, mas a maior exposição a temperaturas acima de zero permitirá que espécies de outros continentes, sem adaptações especiais ao congelamento, se estabeleçam nessas áreas, competindo com as espécies locais.
Em resumo, a rápida migração para o sul da isoterma zero na Antártida antecipa mudanças inevitáveis, afetando a criosfera e os ecossistemas locais.