Não é só onda de calor: entenda como crise climática afeta preço do azeite
Julia Moióli
Colaboração para Ecoa
21/03/2024 04h03
Onda de calor, aumento do nível dos oceanos, inundações. Está enganado quem pensa que a crise climática afeta apenas fenômenos naturais. Ela impacta também no nosso bolso, alterando o preço de produtos que usamos no dia a dia, como o azeite que você usa na salada.
Segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o óleo de oliva ficou 37% mais caro em 2023. E as mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo são a principal vilã para essa escalada no valor do produto.
"Pela primeira vez desde que passamos a registrar estatísticas, tivemos duas safras reduzidas seguidas [2021/2022 e 2022/2023], justamente em um momento de novas plantações e novos investimentos", diz Jaime Lillo, diretor executivo do IOC (International Olive Council).
O que claramente observamos neste momento são os efeitos das mudanças climáticas na produção de azeite.
Jaime Lillo
A Espanha, maior produtor mundial de azeite (cerca de metade de todo o volume consumido no mundo vem de lá) e país onde o IOC é sediado, registrou, entre 2022 e 2023, queda de 50% na produção.
Ciclo não-virtuoso
As duas últimas temporadas de primavera e verão foram excepcionalmente intensas na região do Mediterrâneo.
Com temperaturas batendo os 46°C e secas históricas seguidas de enchentes, era praticamente impossível que as oliveiras passassem ilesas - e não passaram.
"As ondas de calor, especialmente na primavera, afetaram as flores nas árvores e, com menos flores, tivemos menos frutos e, mais tarde, menos azeite", resume Lillo.
Além de Espanha, Itália, Grécia e Portugal também sofreram com produção abaixo do normal. Como acontece com qualquer outra commodity global, se a safra é ruim, a demanda pelo produto aumenta, e o preço sobe.
O Brasil, que consome, em média, 100 milhões de litros por ano sem produzir nem 1% disso, é extremamente dependente do azeite importado, o que explica a alta nos preços.
Ana Beloto, azeitóloga
Nem as produções argentina e chilena ajudaram a segurar os preços por aqui, já que, segundo Pedro Calazans, diretor comercial da importadora de alimentos Selecionados Uniagro, passaram a ser muito mais consumidas nos países europeus para suprir a falta de produtos nos mercados internos.
Crise climática na América Latina
Por mais que até agora tenham ajudado a suprir a demanda europeia, as safras latino-americano devem trilhar o mesmo caminho difícil.
"A colheita ano 24 no Rio Grande do Sul, que representa 80% da produção nacional, terá uma queda significativa, como consequência de uma seca muito forte nos primeiros meses de 2023, que se estendeu até o outono, seguida de um inverno sem frio, insuficiente para proporcionar o descanso necessário das árvores, conhecido como dormência", alerta Renato Fernandes, presidente do Ibraoliva (Instituto Brasileiro de Olivicultura).
Para completar o cenário de desequilíbrio climático, tivemos um excesso de chuva durante a floração, na primavera, principalmente no mês de setembro e outubro, que causou prejuízo na frutificação.
Renato Fernandes
Novos consumidores
Lillo, do IOC, aponta outro fator que tem contribuído para desestabilizar os preços: seduzidos pelas promessas de saúde e longevidade da dieta mediterrânea e de seu famoso estilo de vida, consumidores de países que tradicionalmente não consumiam azeite em grandes quantidades têm recorrido cada vez mais ao produto.
De acordo com a organização, o consumo de óleo de oliva cresceu mais rapidamente do que a produção nas safras de 2019/20, 2020/21 e 2021/22, imediatamente antes do agravamento das condições climáticas.
Observamos aumento no consumo na China e na Índia, os dois maiores países em população. Qualquer flutuação em sua demanda impacta bastante o cenário global.
Pedro Calazans, da Uniagro
Fraudes, pragas e guerra
Outros motivos que contribuem para a alta dos preços são o aparecimento de novas pragas e a guerra na Ucrânia, que além de ser um dos principais fornecedores mundiais de óleo de girassol (com o produto inflacionado, outros óleos seguem o mesmo caminho) também lidera em fertilizantes agrícolas.
Para aumentar as dificuldades, a falta de produto no mercado desencadeou uma onda de crimes na Europa, que inclui desde roubo de cargas até a extração de galhos e árvores inteiras com a ajuda de serras elétricas para misturar o azeite com outros tipos de óleos e criar produtos falsificados.
Com isso, o produtor passa a ter que investir mais ainda em segurança, com a instalação de alarmes e a aquisição de drones.
Ana Beloto, azeitóloga
Produção precisa ser mais sustentável
Mas há perspectivas: a situação limite chama atenção para a necessidade de os produtores de azeite repensarem seus métodos e aderirem a soluções mais sustentáveis.
É o caso do uso de energia oriunda de fontes renováveis e da opção por técnicas mais modernas e ecológicas de irrigação.
"A olivicultura, principalmente no Mediterrâneo, precisa ser reexaminada", diz Renato Fernandes.
"Muitas vezes, não há respeito de limite de margem de rio ou cobertura vegetal nos palmares, e isso tudo vai somando prejuízos ao meio ambiente." A consequência disso, você já conhece...