Instituto leva debate sobre crise climática para a periferia

A ativista ambiental Amanda da Cruz Costa, 27 anos, considera sua missão tornar o debate climático mais acessível, especialmente para jovens das periferias."Muitas vezes, esse debate é colocado de forma elitizada. A galera da periferia não quer fazer parte de uma coisa branca e rica", diz Amanda.

Moradora do Jardim Almanara, na Brasilândia, zona norte de São Paulo, com 283.658 habitantes, ela decidiu fundar, em 2019, o Instituto Perifa Sustentável para tornar as periferias paulistas seu principal público-alvo.

A escolha não é por acaso. De acordo com o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), o aumento dos problemas em saúde mental, como ansiedade e angústia, sobretudo entre jovens, crianças e mulheres em situação de vulnerabilidade, está associado à exposição a altas temperaturas, eventos climáticos extremos e perdas econômicas e sociais relacionadas ao clima.

Para mudar esse cenário, o instituto vem desenvolvendo, em parceria com a diretoria Regional de Educação, o "Clima de Quebrada", iniciativa que envolve ações comunitárias de formação dentro das escolas na região da Brasilândia. Até agora, 195 alunos e 33 professores receberam capacitações sobre racismo ambiental e mudanças climáticas. O objetivo é alcançar 200 alunos do 7°e 8° ano e 50 professores.

O Perifa também conta com o programa gratuito "Vozes Climáticas", com foco na formação de jovens negros e indígenas sobre racismo ambiental e mudanças climáticas. A ideia é formar lideranças que queiram trabalhar com mobilização pública em prol de uma agenda sustentável para São Paulo, explica Amanda.

Falta de representatividade

O primeiro contato de Amanda com temas relacionados ao meio ambiente aconteceu em 2016, durante a iniciação científica, no curso de Relações Internacionais. No ano seguinte, ela ganhou uma bolsa para representar a juventude brasileira na COP23 (Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas), em Bonn, na Alemanha. De lá para cá, representou a juventude brasileira em outras quatro COPs, realizadas na Polônia (2018), no Reino Unido (2021), no Egito (2022) e nos Emirados Árabes Unidos (2023).

A COP23 foi um ponto de virada para a jovem, que sentiu, pela primeira vez, a ausência de representação. Ela conta que se deparou com um cenário dominado por homens brancos debatendo a crise climática enquanto os territórios mais vulneráveis, como o dela, estavam em jogo. Essa experiência a fez questionar o porquê de não estar com um microfone, assim como eles, decidindo as medidas necessárias para frear as mudanças do clima.

"A cinco minutos da minha casa, alaga assim que começa a chover. Por viver na periferia, passo duas horas em um ônibus superlotado e sem ventilação para chegar ao centro da cidade. Meu conhecimento sobre o assunto não vem apenas da faculdade, mas também da minha vivência", diz.

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Um levantamento recente da Casa Civil e do Ministério das Cidades aponta que, em todo Brasil, aproximadamente 8,9 milhões de pessoas vivem em zonas de riscos, mapeadas em 1.942 municípios. Na cidade de São Paulo, a região da Brasilândia é apontada como uma das que têm maior incidência de risco a deslizamentos, segundo dados da prefeitura.

Após a conferência de 2017, Amanda entrou em contato com o Engajamundo, rede de jovens comprometidos com articulação da defesa do planeta, decidida a se tornar uma referência na área de crise climática, sustentabilidade e negritude.

Em 2019, deu mais um passo na jornada de ativista climática ao participar, nos Estados Unidos, do Sustainability Leadership Program, capacitação voltada à promoção do desenvolvimento sustentável. Como resultado dessa experiência, decidiu fundar o Instituto Perifa Sustentável.

Na época, precisou conciliar a rotina agitada: "Acordava às cinco da manhã e dormia à meia-noite. Depois da faculdade, pegava o ônibus para o estágio e, à noite, participava das reuniões do Engajamundo", relembra. Em paralelo, Amanda aprimorava o instituto. Em poucos anos, o projeto reuniu mais de 50 jovens que passaram a partilhar da mesma missão.

Espaço de Escuta

Longe de ditar o que deve ser feito na periferia para combater as mudanças do clima, Amanda diz que busca dialogar com esses espaços: "Não sou eu que vou chegar na periferia e falar sobre o que é crise climática, porque esse lugar é muito sobre troca e conversa."

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Gabriela Alves, moradora da Brasilândia e cofundadora do Perifa, explica que as conversas promovidas buscam escutar os moradores e lideranças locais acerca da pauta ambiental. "Já visitamos cerca de 10% da Brasilândia e mapeamos 60 projetos sobre cultura, educação e meio ambiental. A partir desse mapeamento, vamos filtrar os ligados com a pauta ambiental e estudar uma maneira de ajudá-los a financiá-los", conta.

"Nunca quis ser a única preta"

Criada em uma família interracial, sem formação antirracista, Amanda é o retrato da brasileira que cresceu ouvindo que "preto é pobre e não tem que sair da periferia". E foi ali onde, de fato, permaneceu durante 23 anos de sua vida.

Transitando no mundo não periférico, sentiu o reflexo de sua cor. Na faculdade, além dela, apenas a faxineira era negra. No trabalho, entre os cerca de 100 colaboradores, apenas os auxiliares de limpeza e uma analista. Amanda conta como era doloroso se sentir só. É por isso que aprendeu a conjugar o verbo "aquilombar", a trazer mais pessoas negras para perto de si, buscando mudar o tom dos espaços que ocupa.

Por viver na própria pele as consequências de um planeta mais quente, entrelaçado com as camadas do racismo ambiental, onde os impactos mais devastadores das mudanças climáticas têm endereço social e cor de pele, Amanda busca se conectar com suas raízes, unindo-se à comunidade da quebrada.

"Não basta eu sair do sistema. Não basta eu ascender socialmente, porque isso não traz uma transformação digna pro meu povo".

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