Brasileiro ganha prêmio por investigação que ligou carne a desmatamento
Patrícia Junqueira
de Ecoa, em São Paulo
29/04/2024 04h30Atualizada em 29/04/2024 15h05
O jornalista brasileiro Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil, tornou-se o quinto brasileiro a receber o Prêmio Goldman de Meio Ambiente.
Ele é um dos seis vencedores da honraria em 2024 por ter planejado e coordenado uma investigação jornalística internacional que vinculou a carne vendida em supermercados europeus ao desmatamento ilegal na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.
"É um reconhecimento da técnica jornalística, do papel do jornalismo na sociedade e de seu potencial transformador", disse Gomes, destacando que não são muitos os jornalistas premiados com o Goldman, o mais importante prêmio de meio ambiente no mundo.
Após a publicação da investigação, seis grandes redes de supermercados europeus (Sainsbury's no Reino Unido, Albert Heijn e Lidl na Holanda, Carrefour e Delhaize na Bélgica e Auchan na França) suspenderam a venda de carne bovina do Brasil devido aos laços com o desmatamento.
A Repórter Brasil, uma ONG fundada por jornalistas, cientistas sociais e educadores, busca fomentar a reflexão e a ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. "A base de nosso trabalho é a investigação jornalística e a produção de conteúdos de alta qualidade", pontua Gomes. "Nosso papel é gerar repercussão e transformação".
Para Leonardo Sakamoto, presidente da organização e colunista do UOL, "é significativo que o mais importante prêmio ambiental do mundo tenha sido dado a Marcel Gomes neste ano. Pois é o reconhecimento não apenas de sua extraordinária carreira e do impacto causado pela Repórter Brasil nos últimos 23 anos, mas também da qualidade do jornalismo investigativo que vem sendo realizado no país para denunciar problemas socioambientais e discutir novos caminhos".
História de uma investigação
Em 2008, Gomes montou uma equipe que incluía comunidades indígenas, ONGs locais e sindicatos agrícolas para desenvolver um sistema de rastreamento da cadeia de suprimentos na agricultura brasileira. Com a pecuária se destacando no desmatamento, a equipe se concentrou na cadeia de carne bovina.
Em 2020, a ONG Mighty Earth procurou o jornalista para uma campanha sobre carne brasileira em supermercados europeus, e uma investigação conjunta foi iniciada. Durante seis meses, Gomes coordenou a investigação nos dois continentes, identificando produtos da JBS em supermercados europeus e rastreando-os até as fazendas de origem, revelando o desmatamento ilegal.
"A grande sacada da investigação foi olhar para os supermercados de vários países que vendiam a carne brasileira", explica. Integrantes da equipe foram até os supermercados coletar dados dos pacotes de carne brasileira. "A partir do selo da embalagem, você consegue identificar exatamente o frigorífico de origem daquele pacote de carne".
Para fazer o cruzamento dos dados, o time construiu softwares específicos. "Isso permitiu que a gente identificasse quais são as fazendas com problemas sociais e ambientais que forneciam para os frigoríficos que exportavam para aqueles mercados que a gente visitou. Então a gente fechou a cadeia de cima para baixo."
Em 2022, a empresa varejista alemã Metro Germany, com mais de US$ 20 bilhões em vendas anuais, vetou todos os produtos de carne de origem brasileira em resposta à investigação.
Gomes e sua equipe continuam pressionando por transparência nas cadeias de suprimentos. Uma investigação de 2022 sobre lavagem de gado levou a JBS a admitir publicamente que havia comprado quase 9 mil cabeças de gado criadas em áreas desmatadas ilegalmente de 2018 a 2022.
A JBS afirma que está buscando eliminar o desmatamento ilegal de sua cadeia de fornecimento de gado na Amazônia até 2025, e até 2030 em todos os outros biomas brasileiros.
Sobre o prêmio
O prêmio, que é conhecido como o "Nobel verde", homenageia anualmente seis defensores ambientais de diferentes regiões do mundo. Os outros vencedores são Nonhle Mbuthuma e Sinegugu Zukulu, da África do Sul, Alok Shukla, da Índia, Teresa Vicente, da Espanha, Murrawah Maroochy Johnson, da Austrália, e Andrea Vidaurre, dos EUA. Em 2023, a líder indígena brasileira Alessandra Munduruku foi reconhecida pela sua luta contra a mineração em territórios indígenas.
A cerimônia de premiação acontece nesta segunda-feira (29) em São Francisco, nos EUA.