Empresas apostam na reciclagem de veículos em mercado que movimenta R$ 2 bi

Com o aumento da economia circular, a reciclagem veicular tem ganhado espaço como ferramenta para a redução de resíduos. De acordo com a Renova Ecopeças, da Porto, 85% das peças que compõem um carro são reaproveitáveis, 10% recicláveis e apenas 5% descartáveis.

No entanto, menos de 2% dos veículos do Brasil são reciclados, enquanto em outros países esse índice chega a 90%, diz Lene Araújo, CEO de Porto Serviço.

"A devolução de peças recicladas ao mercado contribui com a redução de emissões à medida em que reduz a necessidade de que novos componentes sejam produzidos", afirma o executivo. Isso acontece porque a fabricação de veículos envolve o consumo de plástico, a extração de recursos como aço e borracha e o uso de energia.

De acordo com Paulo Solti, vice-presidente de peças e serviços para a América do Sul na Stellantis, uma peça remanufaturada consome 80% menos materiais do que uma peça nova e 50% menos energia para ser produzida.

Como funciona a reciclagem de automóveis

Esqueça a ideia de "desmanche" de veículos. A reciclagem de automóveis deve ser organizada e envolve uma série de etapas:

  • O primeiro passo é a descontaminação do veículo, com a remoção de fluidos. Esses produtos presentes em baterias e motor, por exemplo, são, inclusive, inflamáveis.
  • Em seguida, em um processo que dura entre duas e quatro horas, o veículo é desmontado, e componentes que podem ser reutilizados são separados.
  • O metal da carroceria pode ser condensado e reutilizado em novos automóveis. O mesmo pode ocorrer com o plástico.
  • Idealmente, peças e materiais aproveitáveis são reutilizados para substituição em carros usados ou reintroduzidos no ciclo de produção do automóvel do zero. O que não puder voltar para o ciclo é descartado de forma apropriada.

Por enquanto, a reciclagem envolve basicamente carros movidos a motores de combustão. Mas a entrada dos híbridos e elétricos no mercado nacional deve mudar o cenário.

"Estamos vivendo um período de eletrificação, e baterias muito mais complexas (e perigosas) estão entrando no mercado. Um dos maiores medos é não conseguirmos organizar todo esse processo de reciclagem a tempo de lidar adequadamente com elas também", diz Wladi Souza, sócio-fundador da empresa gaúcha GWA (Green Way for Automotive).

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Primeiro passo da reciclagem de veículos é a descontaminação do veículo
Primeiro passo da reciclagem de veículos é a descontaminação do veículo Imagem: Divulgação

Obstáculos

Apesar de parecer simples à primeira vista, há uma série de entraves para que esse processo ocorra no Brasil - a começar pela falta de protocolos e tecnologia apropriada, apontam especialistas ouvidos por Ecoa.

Um dos principais obstáculos é a rastreabilidade das peças para garantir que tenham origem lícita. Para garantir que os materiais não tenham origem de desmanches ilegais, cada peça desmontada recebe uma etiqueta que vem direto do Detran.

"Ainda não há, no Brasil, orientações da montadora sobre como realizar a descontaminação do veículo", diz Souza, da GWA, criada em 2022 com a proposta de abrir terreno para a prática e criadora de um robô capaz de retirar o óleo e a gasolina dos veículos.

Outros entraves são a legislação brasileira, que torna o governo depositário de milhões de veículos em pátios por anos, dificultando uma destinação mais nobre a eles, e a falta de incentivos comerciais para ajudar a sensibilizar o consumidor.

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Exemplos nacionais

A própria legislação acena com perspectivas: tramita no Senado o Projeto de Lei n° 4121, do senador Confúcio Moura (MDB/RO), para incluir na Política Nacional de Resíduos Sólidos requisitos para a reciclagem de veículos automotores.

A Renova Eco Peças, pioneira no assunto, desenvolveu um processo de reciclagem sólido a partir da compra de parte dos veículos sinistrados da Porto.

A empresa já reciclou mais de 26 mil veículos, comercializou mais de 410 mil peças e reaproveitou mais de 78 mil toneladas de aço.

A Stellantis, que reúne as marcas Fiat, Citroën, Jeep e Peugeot, é uma das montadoras que miram na reciclagem automotiva como estratégia para economizar matéria-prima e energia e, assim, reduzir suas emissões - 50% até 2038.

"Adotamos uma estratégia que chamamos de 4R: remanufatura, reuso, reciclagem e reparação", diz Solti, da Stellantis. "Ao contrário do antigo conceito 'do berço ao túmulo', em que a peça era produzida e descartada ao final do ciclo, agora a ideia é atuar 'do berço ao berço', com sua aplicação no carro com uma segunda, terceira, quarta, quinta vida por meio da reciclagem."

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Atualmente, entre produtos como caixa de direção, caixa de câmbio, motor de arranque e outros, o grupo conta com 150 referências de peças disponíveis como remanufaturadas para que os clientes possam comprar por, em média, 40% do preço. Até o final do ano serão 200 e, a partir de 2025, a marca prevê ampliar sua gama para peças de outras marcas.

A Toyota é outra montadora que aposta na reutilização de materiais em sua agenda ESG.
Um de seus projetos de destaque é o reaproveitamento de resíduos de sealer, gerados no processo de pintura na fábrica, para criar tapetes, em parceria com fornecedores.

Mercado promissor

Além de efeitos positivos no meio ambiente, a reciclagem de automóveis é um mercado que movimenta cerca de R$ 2 bilhões anuais, de acordo com especialistas, gerando receita e criando empregos.

É em uma dessas outras frentes que trabalha a gigante do setor químico Basf. A empresa vem criando tecnologias para facilitar o processo de reciclagem de partes de automóveis. Além de aditivos que permitem melhor aproveitamento e qualidade do plástico (presente em painéis e para-choques) no processo, a menina dos olhos atual é um dispositivo de identificação com tecnologia infravermelha que supera uma das primeiras dificuldades do processo de reciclagem - verificar cada tipo de plástico.

"Do tamanho de um celular, basta colocá-lo diretamente em contato com o plástico e apertar um botão", conta Juan Marcos Olivera, especialista em reciclagem de plásticos da empresa. "Automaticamente, o dispositivo indica de qual plástico se trata."

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Outro exemplo é o da Mazola Ambiental, empresa sediada em Valinhos, interior de São Paulo, que faz o gerenciamento dos resíduos pós-uso e consumo de oficinas, centros automotivos e concessionárias.

"Recebemos alertas de nossos parceiros sobre os cascos e os recebemos, analisamos e desmontamos", explica Marcelo Luis Alvarenga, diretor da empresa. "Selecionamos cada item e encaminhamos a parceiros que garantem o tratamento necessário: o que ainda está em condições volta aos fabricantes para remanufatura e, quando não há mais vida útil, a peça vai para a reciclagem e é transformada em matéria-prima novamente para retornar ao processo."

"Percebemos aumento na procura por esse tipo de serviço e notamos que, cada vez mais, um parceiro cobra outro por soluções mais sustentáveis: as montadoras cobram suas concessionárias e assim por diante."

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