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Calamidades como a do RS serão cada vez mais frequentes no Brasil

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa

07/05/2024 12h45

Estudiosos do clima preveem que calamidades como a que atinge o Rio Grande do Sul desde a última semana serão cada vez mais frequentes no país. Esse consenso não é de hoje. No ano passado, o sexto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já previa um cenário de chuvas, secas, ondas de calor e incêndios mais intensos e frequentes no mundo todo.

O climatologista Carlos Nobre explicou em entrevista ao UOL News que enchentes como as que atingiram o Rio Grande do Sul são resultado direto do aquecimento global. "Quando está mais quente, os oceanos evaporam muito mais, e a água é o veículo dos eventos meteorológicos todos, inclusive os extremos", pontua. "Um fenômeno que podia acontecer a cada 100, 200 anos lá atrás, agora está acontecendo frequentemente e pode acontecer várias vezes por década", disse.

Os modelos climáticos do IPCC preveem diferentes eventos extremos que podem atingir uma mesma localidade separados por um curto intervalo de tempo, explica o professor Uece (Universidade Estadual do Ceará) e cientista do clima Alexandre Araújo Costa.

É o caso do aumento de dias consecutivos de seca e do aumento do volume de chuva em poucos dias. "Você tem numa região metade da chuva de um ano em uma semana". Situação semelhante à do Rio Grande do Sul, que registrou em apenas dez dias o equivalente a três meses de precipitação. Os números superam os do ano de 1941, quando as cidades gaúchas também foram atingidas por uma cheia histórica.

De acordo com Costa, se mudanças no atual cenário de emissão de gases do efeito estufa não ocorrerem, a previsão é que eventos climáticos extremos sigam em curso no país, atingindo biomas brasileiros de diferentes maneiras. A começar pela Amazônia, que, mais seca, pode passar por um processo de savanização, enquanto a região da Caatinga é ameaçada por um processo de desertificação. No Cerrado, o aumento das temperaturas também pode elevar exponencialmente os riscos de incêndios.

Prejuízos para população

"Todos esses fenômenos levam a prejuízos na área do clima, na redução da qualidade do ar, na perda de biodiversidade", diz Flávia Martinelli, especialista em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.

Entre os prejuízos diretos para a população, ela elenca potenciais crises de transporte provocadas pela seca em regiões onde os moradores dependem de rios para se deslocar, além de uma crise no fornecimento de energia elétrica em decorrência da redução dos níveis dos rios na região Norte.

"No Sudeste temos o aumento de enchentes e calor, que também afeta a população como um todo. É possível que também vejamos mais deslizamentos. Na região Sul, veremos o aumento de chuvas e tornados, conforme as projeções têm mostrado", alerta Flávia.

O desabastecimento pode afetar ainda a população em áreas com muitas chuvas, assinala Costa. É o que acontece no estado gaúcho, onde os refugiados ambientais - como são chamadas as pessoas desalojadas como consequência da crise climática - enfrentam falta d'água.

"Tudo está inundado, não tem estação de tratamento de água funcionando. Também podem ocorrer problemas de saúde, não só com as pessoas se machucando e se ferindo em eventos como esse, mas tendo casos de hipotermia, desidratação e leptospirose", completa Costa.

Efeitos na agricultura

Coordenador do Portfólio de Pesquisa em Mudanças Climáticas da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o pesquisador Giampaolo Queiroz Pellegrino estende essas potenciais crises para a área da produção de alimentos.

Ele usa o exemplo da recente quebra na safra de grãos no Cerrado em decorrência do clima. Esse tipo de situação pode influenciar não só as práticas agrícolas, com a necessidade de novos investimentos para lidar com determinadas culturas, mas também a queda na renda dos produtores e a elevação nos preços que chegam ao consumidor.

No caso de eventos climáticos extremos, Pellegrino cita ainda o impacto na logística, escoamento da produção e processos industriais, o que pode levar a um cenário de insegurança alimentar.

"Quando falamos em insegurança alimentar, as pessoas pensam primeiro na produção dos alimentos, mas temos ainda outros processos importantes que podem ser afetados, como o armazenamento e o transporte dos alimentos", enfatiza.

Raiz do problema

O professor Alexandre Araújo Costa, da Uece, argumenta que é preciso reconhecer que o Brasil não tem estrutura pronta para lidar com eventos climáticos desse nível e que precisa atacar o problema desde a raiz, ou seja, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa.

"Cada grama de petróleo, cada pedra de carvão queimada, cada árvore derrubada contribui para esse cenário", sustenta. Ele avalia que, ainda que o governo reforce o sistema de alerta de desastres e prevenção, é importante estar atento aos limites de adaptação e resiliência climáticos, de acordo com o Acordo de Paris. Do contrário, os efeitos do aquecimento global não serão mitigados. "Adaptar para o limite de 1,5 ºC já vai ser muito puxado, mas é possível", defende Costa.

Por que o Rio Grande do Sul é mais atingido por esse tipo de evento climático?

O estado fica em uma região onde acontece o encontro entre sistemas polares e tropicais, isto é, entre o ar quente e o ar frio, que faz do estado um berço para fenômenos climáticos.

Mas os especialistas alertam também que as particularidades da região são potencializadas por outros dois fatores: o El Niño, fenômeno vigente desde meados de 2023, que contribui para o aumento das temperaturas do planeta; e também as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, e que vem tornando esses eventos mais frequentes com o passar do tempo.

Segundo um levantamento do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o número de dias com extremos de precipitação (acima de 50 milímetros) aumentou em Porto Alegre a cada década desde os anos 1960. Foram 29 dias, entre 1961 e 1970; 44 dias em 2001 e 66 dias entre 2011 e 2020.

O que esperar nos próximos dias

A previsão é de que as enchentes continuem por, pelo menos, 10 dias na capital Porto Alegre, com o nível do Guaíba acima dos 4 metros até o final de semana, pelo menos. Com o sistema antienchente da cidade no limite, o escoamento da água deverá ser mais lento.

O Inmet publicou na manhã desta terça-feira (7) um alerta vermelho de grande perigo de tempestades entre hoje e a quarta-feira (8) para o sudoeste e sudeste do Rio Grande do Sul. Segundo o Inmet, a previsão é de chuvas superiores a 60 milímetros por hora ou acima de 100 milímetros por dia, com ventos acima de 100 km/h e queda de granizo.

Desde a segunda-feira, a região sul do Rio Grande do Sul tem sido afetada por fortes chuvas e registros de alagamentos. De acordo com o Inmet, há grande risco de danos em edificações, corte de energia elétrica, estragos em plantações, queda de árvores, alagamentos e transtornos no transporte rodoviário. O alerta é válido para os municípios de Aceguá, Arroio Grande, Bagé, Candiota, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Chuí, Herval, Hulha Negra, Jaguarão, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte.

(Com informações da Estadão Conteúdo)

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