Produção de algodão orgânico sustenta assentados e quilombolas na Paraíba

Faz mais de 60 anos que seu Betinho (74) planta algodão no interior da Paraíba. Luiz Rodrigues da Silva no papel, mas Betinho desde que "se entende por gente", ele se lembra de ir com o pai e os tios para o "campo" para cultivar o sustento de toda a comunidade.

Hoje, é líder da produção no assentamento Margarida Maria Alves que, com outros assentamentos, quilombos e pequenas associações, é responsável pelo cultivo de algodão orgânico no estado - uma das mais proeminentes do Brasil.

O algodão agroecológico da Paraíba responde por quase metade da produção nacional do produto. De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o estado teve uma área de cerca de 700 hectares plantados no ano de 2023, seguido pelo Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Piauí.

Na safra de 2023, a área plantada no Brasil foi de 2 mil ha. Para este ano, a expectativa é de aumento de 50%, ocupando 3 mil ha, segundo Felipe Guimarães, analista da área de transferência de tecnologia da Embrapa Algodão.

Mas trabalhar com agricultura em pequena escala tem muitos desafios. Para os assentados do Margarida Alves, os desafios foram, muitas vezes, calotes ou atrasos de pagamento, relata Betinho. "A gente entregava a produção em dezembro, mas só ia receber em fevereiro, março, às vezes nem recebia. Isso desanimou o pessoal", lamenta.

Por conta dessas flutuações e também das especificidades da plantação do algodão, algumas famílias do assentamento preferiram trocar de cultura ou criar gado, conta o agricultor. Ele diz que ficou "doente" ao ver a quantidade de hectares plantados minguar de 50 para 10 hectares ao longo dos anos na sua comunidade.

Uma forma de evitar esse problema e oferecer estabilidade para os pequenos agricultores é a adoção de contratos de garantia de compra a preços fixados, fechados antes do plantio. Dessa forma, os produtores sabem quanto vão vender e ganhar naquela safra - e não correm risco de fechar o ano no vermelho.

Uma parceria entre a produtora Santa Luzia Redes e Decoração e a vendedora de produtos de limpeza Positiv.a para fabricação de panos deu novo fôlego à produção local por trabalhar com contratos desse tipo. Além da garantia de compra, eles estabeleceram o pagamento dentro do ano. Quando o algodão é colhido e pesado, as famílias são pagas na hora. "É uma garantia pra gente", diz Betinho.

Hoje, cerca de 300 famílias distribuídas em 2 assentamentos e 4 comunidades quilombolas estão envolvidas na produção da parceria entre as duas empresas. Além do algodão branco, os panos também utilizam o colorido, considerado patrimônio cultural imaterial da Paraíba e que dispensa o tingimento químico.

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O valor acordado é de R$ 5 por quilo - três vezes mais do que o pago por um quilo de algodão convencional. Mas os produtores também vendem a lã para pequenos compradores a R$ 18 o quilo. Em 2022, depois de descontar todas as despesas, o lucro de seu Betinho foi de R$ 10 mil na safra, algo que não via há alguns anos, ele diz.

O contrato com valor determinado mudou outra realidade: a do assentamento Agrovila Águas do Acauã, formado por famílias que perderam suas terras durante a construção de uma barragem.

Em 2023, eles se organizaram pela primeira vez para plantar algodão orgânico. Começaram com 6 hectares de terra, que produziram 5 toneladas, conta Osvaldo Bernardo (52), líder do assentamento. O cultivo gerou lucro de R$ 22 mil para 10 famílias apenas com essa cultura. "O resultado encantou os moradores", ele diz. Nesta safra, eles somam mais de 20 hectares de terra divididos entre 30 famílias.

Outro ganho da produção orgânica para os moradores é o chamado consórcio, em que se intercalam fileiras de algodão com culturas alimentares para combater as pragas de forma natural. Essas culturas afastam o bicudo-algodoeiro, praga que dizimou a produção no semiárido, e ainda garante alimento e renda para os moradores, que também vendem feijão, milho, fava, gergelim batata doce e jerimum.

Do interior da Paraíba às mesas dos brasileiros

Além da plantação, algumas famílias também trabalham na fabricação dos tecidos, e sua produção abastece de mercados locais a internacionais. Ela vira roupa que vai ser vendida em boutiques de João Pessoa, redes e artigos de decoração exportados pela Santa Luzia e os panos de prato comercializados no Brasil inteiro por menos de R$ 15 pela Positiv.a.

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De acordo com Marcella Zambardino, cofundadora e diretora de Inovação de estratégia da marca, o material orgânico foi o melhor que eles encontraram para ter um produto que não só polui menos o ambiente, mas também apresenta melhor durabilidade e sustentabilidade durante toda a cadeia. De olho nessas qualidades, a Positiv.a convenceu a Santa Luzia, que até então atuava com decoração, a produzir também os panos de limpeza, e, com isso, aumentar a demanda pelo algodão das comunidades.

Algodão agroecológico na Paraíba
Algodão agroecológico na Paraíba Imagem: Tiago Azzi e Larissa Colombo

A partir de então, em parceria com o Sebrae, as empresas usaram tecnologia para desenvolver a absorção do tecido para que ele pudesse ser usado para limpeza. A qualidade do material agroecológico, livre de produtos tóxicos, também conferiu mais durabilidade e qualidade ao produto, conta a diretora. Desde o início da parceria, em 2019, mais de 80 mil unidades de pano foram vendidas.

Esse projeto não seria possível sem uma ampla rede de cooperação, diz Armando Dantas Filho, CEO da Santa Luzia. "Nós assinamos o contrato dizendo quanto vamos pagar e doamos as sementes para os agricultores. O município entra com os tratores, o governo do estado entra com os técnicos agrônomos, e a Embrapa analisa as sementes para prevenir fungos. Então nós, sozinhos, não conseguiríamos fazer esse projeto."

Algodão orgânico no Brasil

Quase 100% da produção agroecológica no Brasil é feita por pequenos agricultores, explica o analista da Embrapa. "São produtores com áreas de 1 a 5 hectares e que usam praticamente apenas a mão de obra familiar", conta Guimarães.

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O Nordeste domina a produção orgânica no país. Até as décadas de 1980 e 1990, a região concentrava a maior parte da produção do algodão convencional. Com a chegada do bicudo-algodoeiro, a produção migrou para o Centro-Oeste. Hoje em dia, ela voltou para a região principalmente por meio da agricultura familiar, explica o analista.

Os agricultores se organizam em associações e comunidades, e seus líderes fazem a ponte com as empresas compradoras, organizações como a Embrapa, e também com o estado. Graças a essa comunicação constante, eles garantem a prestação de assistência técnica e treinamento em relação ao manejo de solo, água, controle de doenças e produtividade, entre outros temas. Entre as atividades educativas, estão visitas de intercâmbio e pesquisas desenvolvidas nas áreas para que haja "construção de conhecimento".

Todo o investimento e a conjunção de forças se traduz no aumento da demanda visto nos últimos 5 anos, relata Guimarães, com expectativa de expansão ainda maior daqui para a frente.

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