Humanidade deve mudar relação com a natureza para progredir, diz economista

Combater as mudanças climáticas tem sido o grande tema de discussões políticas e empresariais. Afinal, elas afetam desde a rotina de uma casa até a produção de uma grande empresa. "Nossos ecossistemas estão entrando em colapso em tempo real. E nossos cientistas afirmam que podemos chegar à sexta extinção da vida na Terra". Assim o sociólogo e economista americano Jeremy Rifkin começa a explicar a necessidade de tratarmos o tema das mudanças climáticas dentro de uma mudança de percepção da relação entre o homem e a natureza.

Rifkin acredita que é preciso trocar a palavra-chave da era moderna, eficiência, pela palavra resiliência. "Precisamos mudar como pensamos a natureza, como organizamos nossa vida econômica, como nos governamos, como educamos nossos filhos. Precisamos repensar todas essas ideias que se concretizaram na Era do Progresso", afirma o economista que já atuou como consultor de China, da União Europeia e dos Estados Unidos.

Temos 500 empresas globais que representam apenas um terço do PIB do planeta inteiro e têm apenas 64 milhões de trabalhadores de uma força de trabalho de 3,5 bilhões de pessoas. Veja as oito pessoas mais ricas do mundo. Sua riqueza combinada é igual à riqueza de metade dos seres humanos. Há algo muito errado sobre onde chegamos. Jeremy Rifkin, sociólogo e economista americano

Em entrevista a Ecoa, Rikfin fala de experiências que podem ser expandidas pelo mundo e de seu novo livro, "A Era da Resiliência" (editora Cultrix):

Ecoa: Por que o senhor decidiu escrever este livro?

Jeremy Rifkin: Eu passei 50 anos estudando esse tema. Na década de 1970, toda a ideia de mudança climática era teórica. Passadas muitas décadas, as mudanças se tornaram reais e as pessoas estão morrendo de medo. Estamos em um evento de extinção? É o fim para o nosso planeta? Então, pensei que era absolutamente essencial escrever este livro e tentar colocar tudo isso em contexto.

Em primeiro lugar, os vírus continuarão circulando, vamos ver mais vírus e mais pandemias e há uma razão para isso. Quando meu pai nasceu em 1908, 85% de todo o planeta ainda era virgem; hoje, é menos de 19%. Então, o resultado é que os vírus agora são migrantes climáticos. Eles estão pegando carona em animais selvagens e se aproximando cada vez mais das massas urbanas. Isso também está relacionado às mudanças climáticas. Estamos falando sobre todo o mundo estar passando por inundações, ondas de calor e secas que não permitem nem o uso da energia hidrelétrica, por exemplo.

Nossos ecossistemas estão entrando em colapso em tempo real. E nossos cientistas afirmam que podemos chegar à sexta extinção da vida na Terra.

O sociólogo e economista americano Jeremy Rifkin, autor de "A Era da Resiliência"
O sociólogo e economista americano Jeremy Rifkin, autor de "A Era da Resiliência" Imagem: Divulgação
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Ao mesmo tempo, vemos líderes que negam as mudanças climáticas sendo eleitos. Como isso é possível?

J.R: É muito difícil acreditar. Se você entrar na pele dos negacionistas, descobrirá que eles morrem de medo também. Muitos jovens vão até políticos locais para tratar da emergência climática. O político diz 'ok, esse é realmente um dos problemas mais críticos que enfrentamos'. Quando os jovens escutam 'um dos', logo pensam 'o que é pior do que a extinção?'.

Você tem, ao mesmo tempo, políticos que lhe darão um projeto, mas nunca vão transformar a infraestrutura. Por exemplo, falam em construir ciclofaixas, ter alguns ônibus elétricos, mas isso não é suficiente. Você precisa mudar toda a infraestrutura e toda crise histórica gera oportunidades. Essa é a maior crise que enfrentamos desde que nossa espécie está aqui. Toda a infraestrutura do planeta foi destruída.

Como podemos falar dessas mudanças quando vemos o aumento de líderes nacionalistas e não globalistas?

J.R: Os governos também estão assustados e, com medo, tentarão se fechar. É por isso que precisamos de uma geração mais jovem para entrar na vida política, na comunidade empresarial, na mídia. Não basta apenas protestar.

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Quando falamos em eficiência, as pessoas pensam 'é assim que o mundo funciona'. Não existe eficiência na natureza. Na natureza, tudo está em atividade. Cada pequena espécie tem relógios biológicos internos. Nos mais de 250 mil anos em que nossa espécie está aqui, nos adaptamos à natureza, estabelecemos nossa vida nômade. Eficiência é: nos distanciamos da natureza, em seguida, tentamos aprender os seus segredos. Por quê? Assim, podemos extraí-los para nosso uso.

Mas cada um de nós é literalmente um ecossistema. Tiramos água da hidrosfera. E isso representa 60% do nosso corpo, que move e organiza as células e os tecidos. E então a água vai para outro lugar. Nós somos a natureza. Não devemos pensar que é algo apenas para nosso uso.

Para isso precisamos pensar em uma mudança no sistema educacional, certo?

J.R: Sim. O sistema é confuso de muitas maneiras diferentes. Por exemplo, quando você vai para a escola, todas as disciplinas são apartadas. Então, pessoas mais jovens começaram a perceber que essa abordagem para entender nosso lugar no mundo é completamente separada.

Como mudar esse sistema?

J.R: Na década de 1990, o Japão tinha um problema. Eles estavam vendo trabalhadores entrarem em colapso contra o que foi chamado de sociedade 24 por sete. De repente, sem ninguém avisar, os funcionários começaram a sair dos escritórios e a entrar em parques. Eles simplesmente não aguentavam mais. Esse conceito foi levado para a educação infantil, com as chamadas Escolas Florestais. A Alemanha tem milhares de escolas florestais agora.

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Eles pegam crianças de dois a cinco anos e saem para a natureza todos os dias. As crianças amam, ficam fascinadas. Depois, no ensino fundamental, é preciso ter estudos multidisciplinares. Muitas universidades fazem isso e o aluno obtém um diploma conjunto. Existe uma universidade assim na Turquia, a universidade Sapienza de Utah, a universidade Reichman, em Israel. Precisamos ampliar isso.

Agora, é preciso tirar as crianças da tela. Não se aprende sobre a natureza em um vídeo do TikTok de três minutos, é preciso desacelerar, estar engajado, estar aberto ao planeta ao nosso redor. Precisamos ter ensino em grupo, onde se aprende em grupo.

A outra coisa é que nossa abordagem da ciência precisa mudar. Precisamos perceber que fazemos parte de um planeta e antecipar o que a natureza está fazendo e nos adaptar. Precisamos começar a pensar que o conhecimento não está apenas na sala de aula, está na comunidade, e é preciso trabalhar em equipes. Os professores continuam sendo os líderes, mas há um trabalho em equipe. É horrível quando aprendemos 'sou eu contra você'. As pessoas aprendem melhor quando aprendem juntas.

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