Um em cada quatro hectares do Brasil pegou fogo nas últimas quatro décadas

Uma área equivalente a 199,1 milhões de hectares - ou quase um quarto (23%) do território nacional - foi queimada no Brasil entre 1985 e 2023, segundo dados da mais recente Coleção do MapBiomas Fogo, cujo lançamento acontece nesta terça-feira (18). Os dados foram obtidos através de processamento de imagens geradas por satélite entre 1985 e 2023 e analisadas com ajuda da inteligência artificial.

A cada ano, de acordo com o levantamento, 2,2% do país é afetado pelo fogo. Em meio a tantas chamas e cinzas, o cerrado e a Amazônia concentram juntos 86% das áreas queimadas pelo menos uma vez nesse período. A maioria dos eventos (79%) ocorreu entre julho e outubro, durante estações mais secas.

De acordo com a coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, o que surpreendeu os pesquisadores não foi a extensão da área queimada, mas o que, de fato, está sendo afetado ao longo dessas décadas. "São muitas áreas de vegetação nativa em propriedades privadas", diz. Juntos, esses imóveis correspondem a 60% da área onde as queimadas ocorreram.

A vegetação nativa envolve 68,4% de toda a área queimada no país. Já a área que sofreu ação humana previamente, como áreas de pasto e agricultura, não ultrapassa 32% desse território queimado. Ane observa que a destruição da vegetação nativa tem ligação estreita com aberturas de áreas para a pecuária e plantio. "O fogo é a ferramenta mais usada na agropecuária, especialmente a pecuária, para a limpeza e renovação de pasto", comenta ela.

Os estados do Mato Grosso, Pará e Maranhão reúnem quase metade, 47%, de toda a área queimada no Brasil. Já os municípios de Corumbá (MS), no Pantanal; São Félix do Xingu (PA), na Amazônia; e Formosa do Rio Preto (BA), no Cerrado, foram os que mais tiveram queimadas entre 1985 a 2023.

Área queimada no Brasil entre 1985 e 2023
Área queimada no Brasil entre 1985 e 2023 Imagem: Divulgação MapBiomas

Desequilíbrio de biomas

O estudo mostra que, além da emissão de gases do efeito estufa, o uso indevido do fogo pode provocar consequências diferentes aos biomas afetados. Isso porque o impacto do fogo, explica Ane, é ainda maior de acordo com as características de cada bioma, podendo levar desde à perda de biodiversidade ao desequilíbrio do ecossistema local. A Amazônia e a Mata Atlântica, por exemplo, são mais sensíveis ao fogo. Cerrado, Pampa e Pantanal, por outro lado, são biomas mais adaptados e que podem ter incêndios ocorrendo de forma natural com mais frequência.

"A Amazônia enfrenta um risco elevado com a ocorrência de incêndios devido à sua vegetação não ser adaptada ao fogo, agravando o nível de degradação ambiental e ameaçando a biodiversidade local, enquanto a seca histórica e as chuvas insuficientes para reabastecer o lençol freático intensificam a vulnerabilidade da região", assinala a coordenadora do MapBiomas Fogo. Na Amazônia, 19% do território - 82,7 milhões de hectares, foram afetados pelos incêndios.

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Ane reforça que mesmo os biomas mais adaptados às queimadas estão sofrendo com ocorrências originadas pela ação humana e, principalmente, no auge da seca. Nessas condições, o fogo tem mais facilidade para ser espalhado e alcançar áreas ainda maiores. No caso do Cerrado, onde os alertas de desmatamento têm aumentado, a intensidade e frequência do fogo também podem se tornar insuportáveis para a vegetação do bioma. Hoje, a área queimada no Cerrado equivale a 44% desse território, ou seja, 88,5 milhões de hectares.

Proporcionalmente ao tamanho da área que abrange, o Pantanal é o bioma que mais sofreu com queimadas no período do estudo do MapBiomas. O fogo já atingiu 59,6% da área - 9 milhões de hectares. Já a Caatinga teve 12,7% de área afetada pelo fogo, o equivalente a 11 milhões de hectares. Na Mata Atlântica, as queimadas atingiram 7,5 milhões de hectares, que correspondem a 6,8% da extensão do bioma. O Pampa, por sua vez, é o bioma onde houve menos impacto proporcional pelo fogo - 2,7% do território ou 518 mil hectares.

Dimensão das cicatrizes

O levantamento do MapBiomas traz ainda o tamanho das cicatrizes causadas pelo fogo nos biomas em um único incêndio. As maiores áreas afetadas (entre 10 mil e 50 mil hectares) estão no Pantanal (25% das áreas queimadas), enquanto áreas com dimensão entre 1 mil e 5 mil hectares predominam no Cerrado (20%).

Na Amazônia, áreas entre 100 e 500 hectares representam 20% da área queimada no bioma. A Mata Atlântica e Caatinga têm áreas inferiores a 10 hectares ou entre 10 e 50 hectares.

No Pampa, 54% das áreas queimadas têm menos de 10 hectares.

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Adaptação de políticas públicas

Ane argumenta que o fogo é responsivo à ação humana e que a ocorrência de queimadas no Brasil pode ser relacionada a diferentes fatores. Um deles é o período eleitoral, quando percebe-se um afrouxamento na fiscalização dos incêndios em vegetações. Outro é o clima - mais úmido ou seco - registrado a cada ano.

Influenciado, portanto, por questões como governança, política e mudanças climáticas, o cenário das queimadas brasileiras pede ações de mitigação adaptadas às diferentes realidades territoriais, enfatiza a coordenadora do MapBiomas Fogo. "Em um país do tamanho do nosso, com uma grande diversidade ambiental, temos que criar políticas adaptadas sobre como trabalhar a questão do uso do fogo, desde a conscientização dos produtores rurais", pontua.

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