Brasil deve seguir modelo da Dinamarca e taxar "arroto do boi"?

Depois de meses de discussão com diferentes setores, a Dinamarca anunciou que irá taxar a emissão de gases do efeito estufa liberados pela produção agropecuária a partir de 2030, o primeiro país do mundo a tomar essa medida. O movimento visa combater as mudanças climáticas, impondo uma tributação direta sobre os produtores de gado e agricultores para atingir a meta de neutralidade de carbono até 2045.

A partir de 2030, será cobrado um imposto de 300 coroas dinamarquesas (R$ 240) por tonelada de CO2 gerada pelas fazendas. O objetivo é que os produtores diminuam as emissões por meio do uso de tecnologia, neutralização de carbono ou redução da produção.

A economista ambiental e de recursos Mette Termansen é professora da Universidade de Copenhagen e integrou a equipe de criação da lei no Ministério de Alimentação, Agricultura e Pesca. Segundo a economista, o grupo considerou o equilíbrio em três frentes:

A relação custo-eficácia;

A distribuição do imposto e de subsídios pelos subsetores agrícolas (pecuária e cultivo);

E o risco de fuga de carbono (ou seja, que as reduções nas emissões dinamarquesas sejam refletidas por aumentos nas emissões em outros locais).

Para isso, o grupo pensou não só em cobrar uma taxa, mas em criar um esquema que devolva o valor do imposto em forma de subsídio para reformas. Dessa forma, o dinheiro continua no campo, mas o sistema penaliza quem polui e recompensa quem quer se descarbonizar.

Quanto mais uma reforma fiscal incentivar os agricultores a implementar novas tecnologias ou a mudar práticas, em vez de simplesmente abandonarem a agricultura, mais a reforma fiscal incentivará uma transição verde. Mette Termansen, economista e professora da Universidade de Copenhagen

Desde 1962, a União Europeia tem uma PAC (Política Agrícola Comum) que visa melhorar a produtividade da agricultura no continente. Com esta lei, os técnicos dinamarqueses querem propor um desenho do PAC que direcione os subsídios agrícolas para ações de mitigação do impacto climático em vez de um "apoio apenas passivo", explica a economista.

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Mas a proposta não é uma unanimidade. Fazendeiros e produtores dinamarqueses defendem que o melhor caminho é o incentivo à inovação. Especialista em economia e gestão, Søren Munch é diretor de uma fazenda de reprodução suína que recebeu subsídios para 2 projetos em Tecnologia Ambiental e Climática pela União Europeia no ano passado. Em sua avaliação, a taxação pode falhar em garantir a transformação tecnológica do campo pois não é capaz de oferecer subsídio adequado para que pequenos produtores possam investir.

"Instituir mais um débito pode aumentar a desigualdade e pesar mais sobre quem não tem capital. Outro possível resultado negativo é o aumento do consumo de produtos importados, que não terão o repasse do imposto para o preço", avalia Munch.

Há espaço para o "imposto do gado" no Brasil?

O chefe da Assessoria Internacional da Embrapa e pesquisador do núcleo de meio ambiente da instituição, Marcelo Morandi, e o professor de MBAs em ESG da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Jaques Paes, concordam que uma taxação nos moldes da Dinamarca dificilmente seria aprovada no Brasil.

"Uma proposta assim enfrentaria uma retaliação muito grande por causa do tamanho do setor no Brasil, tanto em volume de produção quanto em proporção do PIB", diz Paes. O professor também avalia que taxações podem abrir brechas para sonegação fiscal ou ser repassadas para o consumidor final, o que também poderia levar a resistência.

Há outras propostas em discussão pelo mundo?

Existem três grandes mecanismos financeiros quando se discute a redução de emissões de gases de efeito estufa: taxação, comércio de carbono e incentivos, explica Morandi. O mercado de carbono é uma ferramenta mais difundida que a taxação, mas a atividade agropecuária está fora dos mercados regulados de carbono em todo o mundo.

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Desde 2006, a União Europeia regulamenta os setores de geração de energia, manufatura e voos por meio do sistema de comércio de emissões de carbono e equivalentes. No ano passado, o sistema foi revisto para incluir construção, transporte rodoviário e pequenas indústrias, mas mais uma vez o agro ficou de fora.

As discussões para mudar isso estão crescendo, mas enfrentam resistência. A Holanda tenta criar diferentes medidas e regulações para as emissões do setor, mas enfrenta protestos desde 2019. E na Nova Zelândia, o atual governo desistiu, em junho, da cobrança das emissões de metano provenientes do gado que havia sido proposta pelo governo anterior em agosto de 2023.

No Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação do mercado de carbono no fim do ano passado, mas o setor agropecuário também não entrou na legislação.

Sua inclusão é considerada um desafio devido à dificuldade de medir com precisão as emissões de cada fazenda ou plantação, ao potencial impacto na segurança alimentar e à resistência de produtores. Incluir o agro na discussão e no arcabouço legal é possível, mas o setor precisa ter uma uma regulamentação diferente de outros setores, explica Morandi.

Para Renata Potenza, especialista em Ciência do Clima do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), existem metodologias capazes de estimar a emissão no Brasil. "É mais complexo mensurar o agro por ser um sistema biológico e ativo. As metodologias precisam ser aprimoradas, mas não dá para dizer que estamos saindo do zero. Nosso inventário nacional calcula as emissões. São estimativas, mas temos dados nacionais. Não temos número oficial de remoção, mas temos modelos que fazem essa medição, como o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima", explica.

O último relatório divulgado pelo grupo mostrou que o setor emitiu 617,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, sendo 20% geradas pela agricultura e 80% pela pecuária (64,6% apenas proveniente do "arroto" do boi). A quantidade representa 27% das emissões do país.

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Regulamentar pode trazer benefícios

Mecanismos financeiros podem penalizar, mas também ajudam a gerar compensação e investimento - e por isso é até benéfico para o agro que ele seja inserido em algum tipo de regulamentação, diz Potenza. "Cada país precisa estudar o que é melhor para o seu agro, se taxação, cap and trade (sistema de limites e comércio de emissões) ou outros mecanismos que vão incentivar o produtor a fazer a transição para uma agropecuária de baixo carbono, porque é uma transformação com necessidade de investimento", diz.

Os pesquisadores ressaltam o potencial de remoção de carbono no agro - que poderia inclusive fornecer crédito para outros setores e se beneficiar do mercado - por meio de sistemas integrados de produção (Integração Lavoura Pecuária Floresta), do plantio direto ou do biocarvão, que aumentam a retenção de carbono no solo e já são usados no campo brasileiro. Segundo relatório do SEEG, o balanço de carbono no solo resultou em uma remoção de 154,1 milhões de toneladas de CO2 no Brasil em 2022.

Incentivos como o pagamento por externalidades positivas a exemplo do modelo adotado para biocombustíveis - no qual o produtor é remunerado pela eficiência na redução de emissões - e a certificação de produtos com menor pegada de carbono são alternativas eficientes para fomentar a produção com menor impacto ambiental, defende Morandi.

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