OPINIÃO
Araucárias nativas do sul do Brasil estão ameaçadas, mostra estudo
Oliver Wilson*
do The Conversation
31/07/2024 04h00
Os ecossistemas das terras altas do sul do Brasil são especiais. A vegetação natural aqui - um mosaico de florestas de araucárias e campos naturais - é uma parte altamente distinta da Mata Atlântica, uma das regiões de biodiversidade mais ricas e exclusivas do planeta.
As florestas de araucárias poderiam fazer com que um dinossauro “se sentisse em casa”, já que as árvores da mesma família do atual pinheiro (Araucaria angustifolia) eram partes comuns e importantes das florestas tropicais da América do Sul no final do período Cretáceo, há 72-66 milhões de anos.
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A araucária brasileira é uma das árvores mais evolutivamente distintas e globalmente ameaçadas de extinção do planeta, além de ser uma das espécies mais importantes em seu ecossistema. E, embora os campos do Brasil recebam menos atenção do que suas florestas, os Campos de Cima da Serra (também conhecidos como Campos de Vacaria, no Rio Grande do Sul) são antigos e cerca de um quarto de suas espécies de plantas não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta.
No entanto, esses ecossistemas especiais sofreram grandes danos desde a chegada dos europeus, especialmente durante o século 20. Há menos de 150 anos, florestas densas ainda cobriam grande parte do sul do Brasil e parecia haver um suprimento praticamente infinito de madeira de araucária disponível.
Entretanto, com a intensificação da colonização da região, isso começou a mudar rapidamente. Várias décadas de exploração madeireira frenética quase esgotaram as populações de araucárias do sul do Brasil, que agora estão criticamente ameaçadas de extinção. Seu papel na produção de madeira começou a ser substituído por plantações de pinheiros e eucaliptos exóticos. Essas plantações, juntamente com extensos campos de cultivo como a soja, também começaram a erodir rapidamente as áreas de Campos.
Então, quanto resta da valiosa vegetação natural do mosaico Floresta de Araucária-Campos? Surpreendentemente, tem sido difícil encontrar boas estimativas - há muito poucas disponíveis para Campos de Vacaria e os números publicados para a Floresta de Araucária variam enormemente, de 3,6% a 39,3%.
Esse é um grande problema. Entender onde os remanescentes podem ser encontrados e qual a sua extensão é vital para ajudar a conservá-los, especialmente porque a mudança climática perturba as condições constantemente úmidas e relativamente frias das terras altas.
Em nosso novo estudo, visamos a essa lacuna de conhecimento. Reunimos vários conjuntos de dados diferentes para responder a quatro perguntas: quanta floresta natural e campos ainda restam nas terras altas, em que estado estão esses remanescentes, como sua área mudou nas últimas três décadas e como eles são protegidos?
Em resumo, descobrimos que o mosaico tem pouca vegetação natural remanescente, a maior parte do que resta está muito degradada, houve grandes perdas desde 1985 e não há muita floresta de araucárias ou Campos protegidos.
Em relação à Floresta de Araucária, observamos que o conjunto de dados que se usa tem uma grande influência na estimativa da quantidade de vegetação natural remanescente. Alguns mapas de cobertura da terra têm uma definição ampla de floresta natural e incluem manchas que surgiram nos últimos anos, enquanto outros conjuntos de dados contam apenas as áreas mais antigas, maiores e mais bem preservadas.
É por isso que as estimativas anteriores dos remanescentes da floresta com araucária variaram tanto. Em conjunto, os dados mostram que cerca de 19% a 36% da região da floresta com araucária ainda possui alguma forma de cobertura florestal natural, mas menos de 5% dela possui floresta de alta qualidade e pouquíssimas áreas - se é que existe alguma - sobreviveram aos últimos 150 anos relativamente ilesas.
Os danos impressionantes que as florestas de araucária sofreram são destacados pelos fantasmas das araucárias desaparecidas. Em 1872, o agrimensor inglês Thomas Bigg-Wither viajou pelo estado do Paraná e “viu enormes florestas de pinheiros que cobriam as encostas de colinas e montanhas… cobrindo uma área de centenas de quilômetros quadrados”. Essas florestas, antes ricas, foram totalmente devastadas nos 150 anos seguintes.
Analisamos os dados de 422 parcelas do Inventário Florestal Nacional nas áreas de floresta com araucárias do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e encontramos apenas duas (0,5%) onde as araucárias compunham pelo menos metade do dossel da floresta; três quartos (76,5%) das parcelas não tinham nenhuma araucária. E, embora a maior parte desses danos tenha ocorrido nas décadas intermediárias do século 20, as perdas ainda estão em andamento - 24,1% das florestas naturais que existiam nos planaltos em 1985 foram perdidas até 2018, principalmente para plantações florestais, terras agrícolas e pastagens.
As estimativas de vegetação remanescente na região de Campos de Vacaria - 27-41% - são mais consistentes do que as da floresta com araucária, mas os mapas de vegetação sugerem que uma proporção relativamente alta dessa vegetação é de mata e não pastagem de fato. A pastagem natural também está diminuindo em um ritmo ainda mais rápido do que a floresta, com mais de dois quintos (43,2%) da pastagem de 1985 das terras altas tendo sido erradicada até 2018.
É provável que esses números também sejam subestimados, pois estudos anteriores mostraram que as pastagens degradadas - aquelas com regimes inadequados de pastagem ou fogo, ou com espécies exóticas invasoras - estão espalhadas por toda parte. Entretanto, esses sinais de danos são muito mais difíceis de identificar usando dados de imagens de satélite do que sinais de alerta semelhantes em florestas.
De modo geral, é provável que os Campos de Cima da Serra do sul do Brasil estejam entre os ecossistemas mais ameaçados do país - de forma semelhante às florestas de araucária - e mereçam muito mais atenção em termos de conservação do que têm recebido até o momento.
Uma solução para os problemas de conservação enfrentados pelas paisagens naturais nas terras altas do sul do Brasil são as áreas protegidas, que impõem limites legais aos tipos de mudanças de uso da terra em larga escala que transformaram drasticamente as terras altas no último século.
Isso certamente pode ser eficaz: embora pouca terra (4,6% das regiões centrais do planalto) ou vegetação natural remanescente (7,3-13,5%) seja protegida, descobrimos que as áreas florestais protegidas parecem ser de melhor qualidade do que as não protegidas.
No entanto, a situação é mais complexa para Campos de Vacaria. Em todas as regiões, há menos pastagens protegidas do que florestas e, historicamente, o manejo de áreas estritamente protegidas com foco em florestas frequentemente excluiria o fogo e o pastoreio necessários para manter a estrutura natural das pastagens.
Embora as áreas de conservação rigorosa geralmente excluam os seres humanos, é possível que as comunidades e os ecossistemas floresçam juntos. Isso é mais claramente ilustrado nas terras indígenas do sul do Brasil. Algumas delas abrigam áreas importantes de florestas com Araucária de alta qualidade - tanto que, em muitos casos, é possível até mesmo ver as fronteiras dos territórios em mapas de vegetação.
Estudos têm demonstrado consistentemente que, quando têm direitos seguros sobre suas terras, os povos indígenas são administradores altamente eficazes do mundo natural.
A devastação das florestas de araucárias do Brasil no século 20 foi possibilitada por colonizadores que expulsaram povos como os Kaingang, Xokleng e Guarani de suas terras tradicionais. Como resultado, os preciosos ecossistemas das terras altas do sul do Brasil estão muito danificados e enfrentam um futuro incerto. O retorno a formas mais respeitosas, recíprocas e mutuamente benéficas de se relacionar com o mundo natural será fundamental para restaurar e conservar a floresta com araucárias e Campos para as próximas gerações.
*Oliver Wilson, da Universidade de York
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL