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Como descoberta por acaso ao limpar colmeia pode ajudar a reciclar plástico

Enzimas encontradas na saliva de diferentes espécies de larvas são capazes de destruir materias como o plástico. A descoberta pode auxiliar na reciclagem do plástico utilizado pelos humanos Imagem: Divulgação/Cesar Hernandez

Giovanna Arruda

Colaboração para Ecoa

01/08/2024 19h00

Pesquisadores buscam entender como enzimas presentes na saliva de determinadas espécies de larvas são capazes de destruir moléculas do plástico. O potencial dos insetos poderia ser utilizado para criar novas formas de reciclagem do material?

Descoberta inicial aconteceu por acaso

Larva comeu sacola plástica e despertou interesse de especialista. A bióloga italiana Federica Bertocchini se dedica ao tema desde 2017, quando fez uma descoberta ao acaso. Federica cria abelhas de forma amadora e, ao limpar uma colmeia em sua casa, se deparou com a larva Galleria mellonella, conhecida como traça-da-cera ou traça-da-colmeia. Como a larva se alimenta da cera necessária para que as abelhas produzam o mel, Federica retirou as larvas da colmeia e as colocou em um saco plástico. Pouco tempo depois, notou que os insetos haviam feito furos na sacola e comido o plástico.

"Momento eureka". Em entrevista à rede BBC, Federica conta que o encontro com as larvas em sua colmeia foi o início de seu projeto de pesquisa. "Foi realmente um momento eureka, foi brilhante."

Os furos no saco plástico foram feitos pela larva, que comeu e digeriu o material Imagem: Divulgação/Simona Gaddi

Pesquisa passou a analisar a saliva das larvas. Federica, especializada em biologia molecular, notou que as larvas produziam um líquido pela boca após o contato com o plástico. Ao analisar a saliva do inseto, o grupo de cientistas descobriu a presença das enzimas Ceres e Demetra, capazes de oxidar o polietileno do plástico, decompondo o material. Os pesquisadores descobriram ainda que as larvas digeriam o plástico da mesma forma como digeriam alimentos.

Outras duas enzimas foram descobertas ao longo das pesquisas. As enzimas Cora e Cibeles também são capazes de introduzir oxigênio no plástico e destrui-lo. As quatro enzimas podem ser aplicadas em uma solução aquosa em temperatura ambiente. Em contato com materiais plásticos de baixa densidade, as enzimas provocam a formação de cetonas e outros compostos de degradação.

Oxidação feita pelas larvas parece ser a chave da descoberta. Por serem feitos por longas cadeias de polímeros com ligações muito fortes, o plástico é mais resistente à decomposição, podendo levar centenas de anos para passar pelo processo. De acordo com os especialistas, ao introduzir moléculas de oxigênio no plástico, as larvas aceleram o processo de decomposição do material.

Startup de biopesquisa foi fundada para estudar o tema. A Plasticentropy reúne cientistas dedicados a continuar os estudos já realizados sobre o assunto. Federica é a diretora de pesquisa e principal nome da startup, que tem um time dedicado a descobrir como exatamente as larvas conseguem digerir o plástico; entender a quantidade necessária de enzimas para destruir determinado volume do material; e estudar a viabilidade de aplicação das enzimas para uso generalizado na decomposição e reciclagem de resíduos plásticos. "Eu quero muito que esta descoberta e tecnologia sejam desenvolvidas e transformadas em uma solução que possamos usar globalmente", declarou Federica à BBC.

Estudos e divulgação do tema têm avançado nos últimos anos. Em 2021, Federica falou sobre o tema em palestra do TEDx Talks. Em 2022, estudo publicado na revista científica Nature Communications divulgou as descobertas até então. Em 2023, novos estudos liderados por Federica foram divulgados nos portais científicos Science Advances, Plos One e Plos Biology. Em abril de 2024, a bióloga divulgou nova pesquisa que traz o tema como objeto de estudo e alerta que "novas soluções para a degradação do plástico são urgentemente necessárias".

Brasil também tem cientistas estudando o tema. Pesquisadores de todo o mundo, inclusive especialistas da USP e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), estudam bactérias que comem plástico e como esses organismos poderiam auxiliar na reciclagem do material.

Plástico nos oceanos

Plástico acumulado em Bali, na Indonésia. O problema com o material nas praias ocorre todos os anos provocado pelas chuvas de monção e acaba afastando turistas Imagem: Sonny Tumbelaka/AFP

Resíduo plástico é o tipo de poluente mais encontrado nos oceanos. De acordo com a Agência Brasil, o plástico corresponde a quase metade dos materiais despejados no meio ambiente. Em 2022, dados indicavam que 22 milhões de toneladas de plástico tinham os oceanos ao redor do mundo como principal destino.

Futuro da reciclagem pode contar com insetos?

Atuação das larvas seria pequena se comparada ao volume de plástico produzido pelos humanos e pelas indústrias. Apesar de representarem uma linha promissora de estudos e inovações, a utilização de insetos isoladamente provavelmente não seria suficiente para reciclar grandes quantidades de plástico em uma velocidade necessária para diminuir a quantidade total de lixo produzido.

Utilização indevida das larvas poderia impactar todo um ecossistema. Infestar ambientes com insetos na tentativa de fazer com que comam plástico pode ser perigoso, segundo Federica. Uma população desequilibrada de Galleria mellonella, por exemplo, pode desregular a comunidade de abelhas, dada a capacidade da larva de destruir colmeias.

Pesquisadores seguem buscando alternativas. Grupos de especialistas em todo o mundo seguem se dedicando na descoberta de novos insetos, novas enzimas e formas viáveis de lidar com o tratamento do plástico e do lixo em larga escala. Líderes como Federica buscam, também, financiamentos para bancar pesquisas, equipes e laboratórios.

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