Florestas de eucalipto reduzem biodiversidade em nascentes, mostra estudo

Presentes em 77% dos 9,5 milhões de hectares de florestas plantadas no Brasil, as plantações de eucalipto podem levar ao empobrecimento da biodiversidade de organismos aquáticos, como larvas, moluscos e minhocas. É o que mostra uma pesquisa da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) publicada nesta sexta-feira (2) pela revista Acta Limnologica Brasiliensia.

De acordo com o estudo "Influência de plantações de eucalipto na comunidade de macroinvertebrados bentônicos em nascentes neotropicais", a substituição da vegetação nativa por monoculturas de eucalipto reduziu em quase 30% a riqueza de invertebrados vivendo em nascentes pesquisadas na Mata Atlântica.

A investigação fez parte da dissertação de mestrado em Ecologia de Sheila Sousa de Jesus Peixoto, concluída em 2019, e envolveu amostras de sedimentos de dez nascentes da bacia do rio Paraíba do Sul, em Minas Gerais. No estado, as plantações de eucalipto ocupam 29% da área cultivada de florestas plantadas, segundo dados da Abraf (Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas).

Não há informações se a área do estudo estava desmatada ou ainda tinha vegetação nativa antes do plantio dos eucaliptos. "Mas mesmo se ali tivesse vegetação nativa, eles poderiam explorar a propriedade desde que mantido 20% de área de reserva legal", diz a pesquisadora, citando o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

Organismos menos tolerantes a impactos

Interessada em invertebrados, Sheila decidiu comparar as condições ecológicas para sobrevivência desses organismos em nascentes pertencentes a áreas de vegetação nativa e nascentes com eucalipto nas proximidades. Pela lei, as propriedades rurais devem apresentar uma área de preservação permanente (APP) de 50 metros no entorno das nascentes. "Não necessariamente o eucalipto estava em contato direto com a nascente, mas estar relativamente próximo causaria alguma interferência? Foi isso que questionamos no estudo", relata a pesquisadora.

Além de mapear as propriedades com florestas de eucalipto na região, Sheila identificou as nascentes nessas localidades e organizou coletas de água e sedimentos em cada uma delas. O material partiu, em seguida, para análise no Laboratório de Invertebrados Bentônicos da UFJF. Nessa etapa, a pesquisadora observou 8.474 macroinvertebrados aquáticos em áreas de florestas nativas, enquanto nas áreas com plantio de eucalipto, foram encontrados 5.261 organismos, de 58 grupos taxonômicos.

O que mais chamou a atenção de Sheila foi a redução de grupos taxonômicos nas áreas com plantação de eucalipto. Essas nascentes apresentaram 30% menos riqueza de organismos que as nascentes de áreas de vegetação nativa. Paralelamente a isso, o estudo também mostrou que somente nascentes de florestas nativas apresentaram organismos de grupos mais sensíveis a impactos ambientais, como a família das moscas-de-banheiro (psychodidae) e pernilongos-gigantes (tipulidae).

A pesquisadora explica que o eucalipto provoca acidificação do solo e inibição do crescimento de outras plantas. No caso das nascentes, as folhas que caem e chegam até esses pontos também afetam o ecossistema.

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"Grande parte dessas folhas são só de eucalipto e isso interfere nos organismos que vivem ali. Quando você tem uma vegetação nativa, você vê que é diverso, há muitas folhas com diferentes formatos, grossuras, tudo isso propicia um nicho para que vários organismos consigam sobreviver. Agora, nas nascentes com interferência do eucalipto existe uma simplificação do ecossistema. Simplesmente porque o entorno é uma monocultura, não entra variedade alimentar ali e isso acaba alterando o ambiente. É uma reação em cadeia", resume.

Base para políticas públicas e plantio

Para a pesquisadora, o estudo com as nascentes evidencia a necessidade de atenção com florestas plantadas, no sentido de embasar tomadas de decisão de governantes e produtores rurais. Além disso, os resultados da pesquisa podem ser aproveitados em estudos sobre indicadores ambientais, que medem a qualidade da água desses ambientes.

"Vemos que é preciso ter cuidado com o local em que se vai plantar, não deixar isso perto de nascentes, mesmo com a área de preservação. Se aumentarmos a distância desse plantio e tivermos vegetação nativa ao redor, você pode proteger a nascente porque a simplificação por causa da monocultura será menor", analisa a pesquisadora.

Nem vilão nem herói

O biólogo Renato Tavares Martins, especialista visitante no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), avalia que a pesquisa envolvendo o plantio de eucalipto e as nascentes da Mata Atlântica ajuda a preencher uma lacuna sobre os impactos dessas florestas plantadas no Brasil.

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Ao mesmo tempo, ele concorda que o debate pode colaborar com políticas públicas voltadas ao setor e orientar o plantio, hoje voltado a diferentes propósitos. Nos últimos anos, além da indústria de papel e derivados, o eucalipto também passou a ser requisitado em projetos para geração de créditos de carbono.

Não dá para vender o eucalipto como a única solução sustentável. É uma espécie polêmica, com questões envolvendo uma série de fatores, como diminuição da quantidade de água em lençóis freáticos e empobrecimento do solo. Renato Tavares Martins, biólogo

Sheila reconhece que há uma discussão polêmica em torno do impacto das plantações de eucalipto em relação aos recursos hídricos de uma determinada região. "As copas das plantações de eucalipto são menos densas que as de áreas com vegetação nativa. Isso vai impactar na forma como a chuva chega no solo e também na transpiração foliar, importante para a umidade e a formação de chuvas. Como tem menos folhas, o impacto da água no solo é maior e faz com que ocorra o escoamento superficial da água. Logo, não dá tempo para ela infiltrar no solo e isso vai impactar na recarga do aquífero", explica.

A pesquisadora acrescenta que outros estudos já mostraram que existe uma tendência à acidificação do solo nas florestas de eucalipto e que isso pode predispor um escoamento superficial. Esse cenário dificultaria a recarga dos aquíferos em questão e ainda poderia ocasionar erosão. "Não podemos dizer que o eucalipto consome água além do normal. Mas isso não quer dizer que ele não vai impactar os recursos hídricos", frisa.

O engenheiro florestal Ailson Loper, professor do Departamento de Economia Rural e Extensão na UFPR (Universidade Federal do Paraná), avalia que esse impacto nos recursos hídricos é menor do que em relação a culturas de soja e à pecuária. "Há formas sustentáveis de atuar com a silvicultura. Como isso é executado é o que gera a tensão social. O problema é quando não há planejamento", defende. "Hoje o plantio acontece em mosaicos, com corredores para a biodiversidade. Além disso, as empresas precisam ter certificações e isso ajudou a criar regras para garantir a biodiversidade no setor", afirma, explicando que o eucalipto é cultivado entre corredores de vegetação nativa, o que possibilita a preservação de matas ciliares e de características da vegetação original.

Em meio à discussão sobre os riscos e benefícios do eucalipto, o planejamento é a palavra-chave, afirma o engenheiro florestal Mauro Armelin, diretor executivo da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. "Não existe um consenso científico sobre se a espécie tem ou não o consumo exagerado de água. O que é muito claro e que existe um consenso é que, sendo uma espécie arbórea de grande porte e de rápido crescimento, fica claro que essas características fazem com que a espécie precise de muita água, e outros insumos, para crescer. E se pensarmos que um plantio terá milhares de indivíduos numa área restrita, esse plantio pode 'secar' facilmente algumas nascentes que podem estar ali presentes", diz.

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  • A versão original do texto usou incorretamente o termo reflorestamento para se referir aos 9,5 milhões de hectares de florestas plantadas no Brasil. O erro foi corrigido.

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