Fim de parque que faz proteção da Amazônia ameaça biodiversidade

Um drama trágico está acontecendo no Centro-Oeste do Brasil, mas pode ser revertido se os principais políticos puderem ser convencidos a ignorar a pressão dos interesses do agronegócio e decidirem preservar pelo menos as áreas de proteção ambiental já existentes no país. Trata-se da ação judicial que extingue o status de unidade de conservação do Parque Estadual Cristalino II, uma importantíssima barreira de proteção para a Amazônia em plena área de transição entre o bioma e a região do agronegócio no norte de Mato Grosso.

O estado de Mato Grosso, com uma área mais que o dobro da área do estado americano da Califórnia, é um dos maiores produtores de soja e carne bovina do mundo. A parte norte do estado era, originalmente, coberta por floresta amazônica, mas os remanescentes florestais estão sendo rapidamente desmatados.

Hoje o estado tem relativamente pouca floresta localizada em áreas protegidas, em grande parte porque a terra é cobiçada pelo agronegócio. A área onde está localizada o Cristalino II é um ponto de resistência dentro do notório "arco do desmatamento", a faixa ao longo das bordas leste e sul da floresta amazônica onde a maior parte do desmatamento foi concentrada. Ali, a biodiversidade única da floresta no sul da Amazônia está sob constante ameaça, e sem a proteção do parque ela se tornará ainda mais grave.

Criado em 2001 no extremo norte do Mato Grosso, na divisa com o Pará, o Parque Estadual Cristalino II é uma unidade de conservação de "proteção integral". Ele está localizado no extremo norte do Mato Grosso, na divisa com o Pará. Embora a terra tenha sido cedida pelo Governo Federal com essa finalidade, de acordo com a Lei 12.310 de 2010, o parque está sob jurisdição estadual, o que o torna mais vulnerável a pressões de interesses comerciais locais. E é o que está acontecendo

O parque protege 118.000 hectares com uma gama diversificada de tipos de vegetação, incluindo floresta tropical submontana densa e aberta, floresta tropical aluvial densa, floresta sazonal semidecídua, e campos rupestres amazônicos. Um levantamento sobre o parque, feito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em Sinop, identificou 60 espécies de anfíbios, 82 espécies de répteis, 39 espécies de peixes e 38 espécies de mamíferos de médio e grande porte, 12 das quais são consideradas ameaçadas de extinção. Entre elas, está o raro macaco-de-cara-branca (Ateles marginatus), que é classificado como um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo.

O Brasil tem uma longa história de "PADDD", que significa a redução, recategorização e extinção de áreas protegidas. Exemplos atuais incluem ameaças de enfraquecer a proteção dos Parques Nacionais do Iguaçu e da Serra do Divisor para permitir que sejam cortados por rodovias planejadas.

O Cristalino II enfrentou uma série de ameaças ao longo dos anos, de manobras políticas e desafios judiciais. Desde 2011, a empresa do agronegócio Sociedade Comercial do Triângulo Ltda. tenta obter uma decisão judicial determinando a sua extinção. Esse esforço foi bloqueado por uma decisão que impedia novos recursos. No entanto, em 2022, a empresa obteve uma decisão muito rara que revogou esse bloqueio e permitiu que o caso fosse reaberto.

Em abril de 2024, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidiu a favor da empresa e aboliu o parque, apesar das evidências de que as reivindicações de terras da empresa eram ilegais. O proprietário da Triângulo é acusado de esquemas massivos de grilagem de terras na Amazônia, além de ser um dos maiores desmatadores da região. Na Amazônia, o termo "grilagem" se refere à reivindicação ilegal de terras do governo.

O governo de Mato Grosso poderia apelar dessa decisão, mas até agora se recusou a fazê-lo, apesar de a Advocacia Geral da União (AGU) ter considerado que as reivindicações de terras da empresa são ilegais e baseadas em certificados falsos. A batalha agora é convencer o governo a agir para salvar o parque.The Conversation

*Philip Fearnside é biólogo e pesquisador titular (Departamento de Ecologia), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Este artigo é republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.

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