'Bom de vento', Nordeste concentra 93% de toda energia eólica do Brasil

A energia solar e a eólica começaram a entrar na matriz brasileira há cerca de 20 anos e, hoje, representam 22,5% da capacidade instalada. No Nordeste, no entanto, a porcentagem da geração originada nessas fontes é muito maior: são 62,1% do total, sendo que o grosso disso vem da eólica.

Essa única fonte foi responsável por gerar 150% de toda a demanda do Nordeste durante um minuto do dia 23 de julho. Foi um recorde, mas não o primeiro, de volume de geração das torres que transformam vento em eletricidade nos nove estados da região.

O Nordeste é, de longe, a região com a maior capacidade eólica instalada no país: de toda a potência outorgada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) no Brasil, 93% vêm de empreendimentos lá instalados.

O principal fator que faz com que o grosso da geração de energia cinética eólica esteja na região Nordeste do país é o vento forte, constante e unidirecional que ocorre no território, afirma Elbia Gannoum, presidente executiva da Abeeólica, a associação das empresas do setor.

"Ventos bons são os que têm uma velocidade acima de 6 metros por segundo (cerca de 22 km/h), capazes de rodar um aerogerador. O fato de ser constante e unidirecional faz com que ele seja capaz de produzir mais, e isso deixa a energia mais barata", diz.

A velocidade de 6 m/s é tida como a mínima ideal para que as turbinas girem, "mas no caso do Nordeste, chega a 12 m/s, e isso faz com que o fator de capacidade da produção seja de 60%, equivalente ao da geração hidrelétrica", completa Elbia.

A capacidade de geração instalada não é, necessariamente, aquela que de fato vai ser verificada. No caso de uma hidrelétrica isso é mais claro: apesar de as turbinas terem capacidade de gerarem um teto de energia, esse valor não será alcançado por causa do regime das águas e das perdas.

Chama-se de capacidade instalada o volume máximo de geração que uma usina pode entregar, mas, na prática, a geração fica abaixo desse número.

O mesmo acontece com a energia cinética dos ventos, o valor da capacidade instalada é maior do que a geração de fato. Mas o quanto a energia de fato gerada fica abaixo da capacidade instalada é importante, e, no Nordeste, esse fator de produção é mais alto do que em outras regiões.

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Lá há uma conjunção de fatores geográficos para que os ventos tenham essa característica, afirma o professor de física da Universidade Estadual do Ceará Sergio Sousa Sombra.

O primeiro é a ocorrência dos ventos alísios, que são verificados no ano todo e sopram de leste para oeste (ou seja, em direção ao continente) em regiões próximas do equador.

A brisa do mar também tem um papel importante, segundo o professor. O sol aquece tanto a terra como o oceano, mas como a água demora mais para esquentar, a atmosfera acima do continente fica mais quente e, portanto, com uma pressão mais baixa do que a pressão acima do mar. Essa diferença de pressão "empurra" os ventos para o interior.

O fato de os ventos serem unidirecionais no Nordeste ajuda na produção porque isso otimiza a geração e barateia os custos.

As turbinas têm um sensor para identificar em qual direção o vento sopra e, assim, girar para se posicionar da melhor maneira, mas essa rotação pode diminuir sua produtividade.

Além disso, durante boa parte do ano não há chuvas, que, potencialmente, diminuem a intensidade do vento, afirma Sombra.

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O professor estuda a previsibilidade dos ventos e afirma que, no primeiro semestre, quando há mais chuvas no Nordeste, os ventos são mais imprevisíveis. "No segundo semestre, eles são mais comportados", afirma.

Essa é a constância que ajuda na geração de energia cinética do vento.

O fato de não haver chuvas no segundo semestre garantiu o recorde instantâneo de 150% de toda a demanda da região no dia 23. Na indústria, há até um jargão para definir a época seca: é a safra dos ventos.

"Esse recorde foi instantâneo e, a partir de agosto, devem ocorrer os recordes diários de produção", diz Elbia.

Demanda começou com incentivo; hoje é do mercado livre

Do lado da oferta, a geografia explica o aumento da instalação de usinas eólicas no Nordeste. Já pela demanda, houve três fases distintas de crescimento, afirma a presidente da Abeeólica.

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Em 2002 foi instituído um programa para incentivar a geração de energias renováveis, o Proinfra. Inicialmente, a Eletrobrás ficou responsável pelo projeto (em 2021, com a privatização, o programa foi assumido pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional, uma estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia).

Pelo programa, até hoje, foram contratadas por chamada pública 52 usinas eólicas com potencial instalado de cerca de 1.300 MW.

É um volume relativamente pequeno (hoje, representa cerca de 4% do total da potência instalada de eólica), mas esse foi o passo inicial.

No fim da primeira década dos anos 2000, esse tipo de geração começou a crescer por outra forma: leilões de energia. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) contrata energia nova para entrar no sistema das distribuidoras.

O crescimento da eólica nos últimos anos, no entanto, tem outra origem: o mercado livre. Os clientes de alta tensão que têm demandas de pelo menos 0,5 MW podem fazer contratos diretamente com comercializadores de energia.

Esses consumidores são empresas e, para elas, escolher fontes "que não apresentam emissão de carbono durante a sua operação é uma forma de comprovar compromisso ambiental", afirma Gerusa Côrtes, vice-presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

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Os clientes que já estão no mercado livre são os que têm os maiores consumos de energia no país, segundo ela. O crescimento desse segmento, agora, virá com empresas de menor porte.

Ela cita um fator que permitiu a expansão da geração de energia renovável no Nordeste: a interligação da rede de transmissão no país. Isso permite que o consumidor possa ter acesso a uma fonte mesmo que esteja em uma região distante.

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