Mais de 8.000 animais salvos nas enchentes do RS esperam adoção

Pouco mais de três meses do início das chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul, a história da tragédia climática ainda não terminou. Como parte do processo de reconstrução, mais de 8.000 animais resgatados ainda esperam para ser adotados. Eles estão espalhados em 287 abrigos e vem sendo cuidados por uma grande mobilização de voluntários, protetores independentes e ONGs, com acompanhamento do governo do estado.

O drama dos animais em meio aos alagamentos foi visto por todo o país durante semanas, em fotos e vídeos emocionantes. Organizações envolvidas estimam que foram resgatados entre 12 e 15 mil animais, especialmente cães. Um grande número deles vivia nas ruas e muitos outros faziam parte de famílias em situação de vulnerabilidade que tiveram grandes perdas.

Levantamento oficial da SEMA-RS (Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul) indicava, no final de julho, que os abrigos ainda contabilizavam mais de 7.200 cães e 1.000 gatos. Por isso, o estado se vê agora com o desafio de cuidar de forma digna dessa população e encontrar milhares de adotantes rapidamente.

Apesar da urgência, as organizações envolvidas estão cuidando para que as adoções sigam protocolos bem definidos, para garantir que cada um deles tenha realmente uma nova vida segura e com saúde.

O GRAD (Grupo de Resposta a Animais em Desastres) foi uma das primeiras organizações a se mobilizar, no início das enchentes. O grupo formado por voluntários experientes passou semanas fazendo buscas nas áreas alagadas e, agora, vários membros seguem no estado para atender os resgatados e planejar os próximos passos, e devem continuar na região até setembro.

Vânia Nunes, vice-presidente do GRAD, conta que cada sobrevivente precisa passar por uma série de cuidados. A maioria desses animais já vivia sem acompanhamento veterinário, por isso o protocolo sanitário precisa ser completo: exames, microchipagem, vacinas, vermífugos e castração, um processo que leva tempo, mas é fundamental para a saúde de cada um e para controle populacional. Essas ações fazem parte do Plano Estadual de Resposta à Fauna, lançado em maio em uma parceria do governo do estado com o GRAD, Ministério Público e hospitais veterinários universitários, que realizam os procedimentos. "Estamos trabalhando para ter outras alternativas para as castrações, para que o número possa crescer semanalmente e que mais rapidamente esses animais estejam aptos para adoção", diz.

Adoções por terra e ar

Enquanto parte dos esforços está nos cuidados veterinários, outra parte é direcionada ao trabalho intenso de promoção de adoções. A campanha envolve uma rede de organizações e indivíduos e inclui a realização de feiras presenciais e virtuais e divulgação dos pets online.

Em nota, o governo gaúcho afirma que está investindo na realização de grandes feiras em Porto Alegre, com mais de 200 adoções concluídas, e reúne informações atualizadas no site SOS Rio Grande do Sul. Em paralelo, o Instituto Ampara Animal criou o portal Adote RS e realiza lives nas redes sociais.

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Neste trabalho, a SEMA-RS e as ONGs ganharam um reforço importante - uma parceria com a Força Aérea Brasileira. Em junho, a FAB começou a transportar animais para outros estados, para desafogar os abrigos gaúchos e aumentar as chances de uma adoção rápida. Em cerca de um mês, mais de 400 pegaram um avião com destino à felicidade em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Outros viajaram longos quilômetros de ônibus, e teve até ONG indo buscar de carro grupos pequenos de gatos. Os mais sortudos já chegam tendo tutores esperando por eles, como o Coragem.

Um típico vira-lata, Coragem estava em um grande abrigo provisório em Canoas, sempre com muito medo, com claros sinais de trauma emocional. Durante uma das transmissões ao vivo realizadas pela Ampara Animal, um casal de São Paulo se comoveu com seu jeito assustado. A adoção foi aprovada e dois dias depois ele pegou um ônibus e desembarcou direto nos braços da nova família. "Nosso desejo foi dar a ele uma oportunidade de ser feliz e superar o trauma. Ainda estamos nessa batalha, pois ele tem muito medo de tudo e de todos, mas sabemos que vai passar. O mais importante é poder dar a ele um lar, amor e um recomeço", conta Bruno Souza, o novo tutor.

No final de junho, o governador Eduardo Leite anunciou um plano de incentivo financeiro no valor de R$ 450 para quem adotasse um animal, mas foi duramente criticado e abandonou o projeto. A medida poderia incentivar adoções por necessidade e resultar em uma onda de abandono nos meses seguintes. Em resposta, o Movimento de Defesa Animal, formado por GRAD, Ampara Animal, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo - IMVC, Instituto Voz Animal e Arca Animal, entregou ao governador um documento com sugestões para um programa de doação responsável, como realização de triagem, entrevista e acompanhamento.

"Adoção demanda vontade, responsabilidade, ato voluntário e a consciência de custo e necessidades (atendimento às necessidades físicas, mentais e comportamentais próprias da espécie) pelo tempo médio de 15 anos. Logo, jamais pode ser estimulada por dinheiro", reitera Raquel Facuri, diretora de operações do Instituto Ampara Animal.

De volta para casa

Muitas novas famílias estão se formando, mas também emocionam as histórias daqueles que tiveram a chance de voltar para casa. Não existem números oficiais de quantos pets foram encontrados por sua família de origem, mas várias iniciativas foram desenvolvidas com esse fim. Uma delas é o portal PetsRS (https://petsrs.com.br), que reúne informações sobre os cães e gatos que estão em abrigos, com fotos e descrições detalhadas.

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Vânia Nunes conta que pode ser difícil localizar um animal, mas muitas pessoas continuam apesar de a procura ser longa. "E quando se encontram, o tutor fica muito feliz, mas o animal fica muito mais". Tutores que localizam seus entes de quatro patas mas ainda não têm uma casa para retornar seguem acompanhando seus pets nos abrigos até que possam assumir a guarda novamente.

Mas, apesar de todos os esforços, ainda há muito trabalho a ser feito. E para reduzir as chances de que um cenário tão crítico se repita, Vânia defende que os governos municipais, estaduais e federal mudem, desde já, sua atuação em relação aos animais e tenham uma política preventiva, com programas de castração efetivos, registro e identificação, e educação da população. "E, atrelado a isso, é preciso um plano de contingenciamento para situações de desastre. Caso aconteça uma necessidade, para onde as pessoas devem ir e o que elas têm que fazer com seus animais? Porque a crise climática está dada e infelizmente situações como essa podem acontecer novamente em qualquer lugar do país."

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