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'Preocupante': o que são as rochas de plástico que estão surgindo em praias

Rochas de plástico (verde) na ilha da Trindade Imagem: Fernanda Avelar Santos / UFPR

De Ecoa, em São Paulo

16/08/2024 05h30Atualizada em 16/08/2024 12h57

Em 2019, a geóloga e pesquisadora Fernanda Avelar estava fazendo o trabalho de campo de seu doutorado, quando se deparou com algo raro e diferente em uma das praias da ilha da Trindade (ES). Era um material com aparência de pedra, mas de cor verde marcante.

Depois da expedição, ela levou o material para o laboratório. Na análise, descobriu um plastiglomerado, que ficou conhecido como rocha de plástico.

"Observamos que o que cimenta esta rocha é o plástico. Mas, ao mesmo tempo, ela é um aglomerado de rochas, de areia de praia, de materiais biológicos, tudo o que forma o sedimento da areia da praia também está na composição dessa nova ocorrência", diz Avelar.

Esta foi a primeira ocorrência no Brasil da "rocha de plástico", que foi encontrada pela primeira vez em 2014, no Havaí. Desde então foram descobertas várias ocorrências pelo mundo, principalmente em ilhas oceânicas e áreas costeiras.

É nada mais do que o lixo marinho e o plástico se integrando ao material geológico e ficando preservado no registro geológico. Para nós, geólogos ou geocientistas, é algo muito novo.
Fernanda Avelar, geóloga

Rocha plástica encontrada no estudo, formada pelo derretimento e posterior solidificação de plástico liberado no meio ambiente. Imagem: Fernanda Avelar Santos

No laboratório, foram identificados alguns tipos de detritos plásticos:

  • os plastiglomerados, análogos aos conglomerados, rochas sedimentares;
  • as plastistone, que têm mais plástico em sua composição do que material biológico;
  • os piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra.
Piroplásticos encontrados na ilha, processos naturais como a erosão atuam sobre as rochas plásticas e criam este tipo de fragmento. Imagem: Fernanda Avelar Santos

A rocha de plástico foi relatada pela primeira vez no Havaí, em 2014. No Brasil, o elemento foi encontrado recobrindo rochas vulcânicas existentes na região, que registram o último episódio de vulcanismo ativo no país.

Na época, Avelar era pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e, em parceria com outras instituições brasileiras, publicou um artigo no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect (Elsevier) sobre o achado.

A partir daí, ela terminou sua pesquisa de doutorado sobre riscos geológicos e passou a se dedicar integralmente ao tema. Agora, estuda no Instituto de Física da Unesp e vai continuar a pesquisar os plastiglomerados com o apoio de pesquisadores do Canadá. Eles querem investigar como essas rochas de plástico se formam.

"Podem ter influências naturais, como exposição à luz solar. Isso porque ela como ela foi encontrada também no lugar onde a água do mar atua bastante, as marés também influenciam para degradação deste material de forma mais rápida", explica a cientista.

Para a pesquisadora, a importância desta pesquisa é dimensionar como os seres humanos influenciam o ciclo geológico da Terra, tornando-nos capazes de alterar irreversivelmente esses processos. O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais.

A sequência do estudo pode demonstrar a influência do ser humano no ciclo geológico. Se for provado que o plástico vai se preservar e como que ele se comporta perante os processos geológicos naturais, isso vai demonstrar um legado da humanidade não muito bacana no registro geológico e nosso descontrole com a gestão do lixo. Isso mostra o quanto de poluição está disponível no oceano. E isso é preocupante, porque esse plástico não tem para onde ir e já está se depositando, se incorporando aos registros geológicos.
Fernanda Avelar

Ilha da Trindade, um termômetro do oceano

O fato de a descoberta da primeira rocha de plástico no Brasil ter sido na Ilha da Trindade também foi surpreendente.

Vista da base científica mantida pela Marinha na Ilha da Trindade Imagem: Marinha do Brasil

A ilha vulcânica, localizada a 1.140 quilômetros de Vitória e administrada pela Marinha do Brasil, é uma importante reserva marinha do Atlântico Sul e uma Unidade de Monumento Natural Brasileiro. As rochas constituídas por plástico foram identificadas próximo à maior região de ninhos da tartaruga-verde (Chelonia mydas) e de recifes de corais marinhos do Brasil.

"Na Ilha da Trindade, temos apenas a estação científica e a base militar. É um lugar inóspito, com o mínimo de intervenção humana. Não são praias turísticas, poucas pessoas acessam esse lugar, então é realmente algo que está chegando do oceano. E a Ilha da Trindade é como se fosse um termômetro do Oceano Atlântico. Isso chamou muito a atenção da comunidade Internacional", pontua Avelar.

A base conta com uma população rotativa de 30 a 40 pessoas entre militares e pesquisadores. Imagem: Foto: Marinha do Brasil

O pesquisador Hudson Pinheiro, professor do centro de biologia marinha da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, estuda impactos humanos em ilhas oceânicas, onde pesquisa espécies marinhas e registra a densidade de lixo e de plástico nos ambientes marinhos, principalmente em recifes.

Ele afirma que a descoberta das rochas plásticas na Ilha de Trindade mostram o impacto humano em ambientes oceânicos isolados.

"Começamos a usar plásticos de maneira mais disseminada a partir dos anos 1950 e, de lá pra cá, este uso tem aumentado exponencialmente.Essa quantidade de lixo é descartada de forma irregular, que possivelmente se sedimentou ali nas rochas, desde moradores antigos, do início da colonização da ilha pelos primeiros militares", diz.

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