A relação entre as abelhas e os produtos da barraca do Seu Paulo está intimamente ligada à importância que elas têm para a nossa sociedade, razão pela qual temos o dever de valorizar e defender esses insetos nesse momento em que já não é segredo para ninguém que eles estão em risco por conta das mudanças climáticas causadas pelo mão do homem.
A importância capital das abelhas está no papel que elas desempenham na polinização das lavouras. Ao redor do mundo, mais de 75% delas dependem, em algum grau, da polinização feita por animais. Mas são as abelhas que levam a medalha de ouro nessas olimpíadas agrícolas. Ou seja, é através do serviço ecossistêmico prestado por elas que ocorre a formação não só dos frutos, mas também das sementes que compõem a base da nossa alimentação.
Além disso, mesmo quando a polinização pode ocorrer por outras vias, como pelo vento, o serviço prestado pelos animais aumenta a qualidade e a quantidade dos frutos e sementes, como no caso icônico do morango. Só que, infelizmente, as abelhas estão morrendo no mundo todo e a situação pode se agravar em um futuro próximo.
O declínio das abelhas
Considerando o crescimento da população humana, que aumenta a nossa demanda por alimentos, é de se esperar que as práticas agrícolas sejam intensificadas. Mas o cenário é preocupante porque, dentre as práticas agrícolas intensivas, está o aumento do uso agrotóxicos, que ameaçam a sobrevivência das abelhas e, por consequência, a polinização das lavouras e a própria produção de alimentos.
Infelizmente, o declínio de abelhas já vem sendo reportado ao redor de todo o mundo. Só no Brasil, os números de abelhas mortas por conta da aplicação indevida de agrotóxicos são assustadores. Em 2019, 50 milhões de abelhas foram mortas em menos de um mês em Santa Catarina e cerca de 400 milhões no Rio Grande do Sul. Em 2023, mais de 100 milhões de abelhas foram encontradas mortas no Mato Grosso. Este ano, 9 milhões de abelhas morreram em Goiás.
Se somarmos esses números com a morte de abelhas silvestres que morrem nas matas e não são contabilizadas pelos apicultores, os números provavelmente são muito maiores e a situação é ainda mais alarmante.
A continuar nesse ritmo, poderíamos terminar num mundo sem abelhas. E como ele seria? Imagine seu cotidiano sem o amado café para começar o dia, sem aquele prato colorido de legumes no almoço ou sem aquele chocolatinho para adoçar a vida? Pois é, com o desaparecimento das abelhas, poderemos perder esses e outros alimentos.
Além disso, pelo fato de as abelhas também serem responsáveis pela polinização de outras espécies de plantas que são a base da dieta de animais, o desaparecimento desses insetos desencadearia um efeito em cascata, levando à morte de plantas, herbívoros e carnívoros. Ou seja, geraria um desequilíbrio do ecossistema, levando ao seu colapso.
O tamanho do estrago
Estamos, portanto, diante de um grande dilema. Não podemos colocar as nossas lavouras em risco, considerando que a fome ainda é um problema gravíssimo ao redor do mundo. Mas, ao aumentarmos a produção agrícola, podemos acabar destruindo os seres responsáveis exatamente pela formação dos frutos e sementes que nos alimentam.
A proposta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, de 2015, incluiu mais especificamente o ODS 2, que tem como metas erradicar a fome, e também promover a agricultura sustentável e alcançar a segurança alimentar. Infelizmente, ainda temos uma longa jornada pela frente para atingirmos esse e outros ODS até 2030, o prazo firmado.
Diante desse dilema entre produzir e conservar, decidimos fazer a nossa parte para ajudar a alcançar o ODS 2. Já sabíamos que os agrotóxicos fazem mal às abelhas, mas quanto? Nossa missão então foi medir o quão forte é esse impacto.
Para isso, fizemos uma revisão sistemática da literatura científica seguida por uma meta-análise. Ou seja, buscamos e compilamos um grande volume de estudos científicos, revisados pelos pares, produzidos em diversos países. Deles extraímos dados do efeito dos agrotóxicos sobre as abelhas. Com esse tesouro informacional em mãos, estimamos o tamanho do impacto em questão.
Nossos resultados mostraram que os agrotóxicos reduzem a chance de sobrevivência das abelhas em quase cinco vezes. Para piorar a situação, mesmo quando as abelhas sobrevivem, os agrotóxicos podem causar efeitos subletais. Ou seja, efeitos que não levam à morte delas, mas que provocam sequelas graves, como prejuízos em sua capacidade de voo e aprendizado, prejudicando assim a polinização das lavouras.
Salvando nossas polinizadoras
É, portanto, crucial investirmos em medidas mitigatórias que visem um uso mais racional dos agrotóxicos para proteger as abelhas e garantir a nossa segurança alimentar.
Também é fundamental a preservação da vegetação nativa na paisagem agrícola. Isso porque os efeitos dos agrotóxicos sobre as abelhas podem ser amortecidos nas lavouras que mantenham porções de vegetação nativa em seu entorno. Essa vegetação pode fornecer alimentos e refúgios para as abelhas, atuando como uma fonte desses insetos para as lavouras.
A adoção de práticas amigáveis aos polinizadores como alternativa ao uso dos agrotóxicos também pode contribuir para a solução. Um exemplo é a adoção de protocolos de manejo integrado de pragas (MIP), que consistem em controlar as pragas agrícolas utilizando, por exemplo, os inimigos naturais dessas pragas, de modo a mantê-las abaixo do nível de dano econômico.
Esse controle sustentável das pragas minimiza a necessidade da aplicação de agrotóxicos. Afinal de contas, a produtividade das lavouras não depende do uso de agrotóxicos em si, mas depende, sim, da polinização, principalmente por abelhas.
Para evitarmos essa distopia de um mundo sem abelhas e, consequentemente, com graves problemas à nossa segurança alimentar, esperamos que o nosso estudo possa auxiliar na tomada de decisões para caminharmos rumo a um futuro mais sustentável. Um futuro com uma feira viva e pulsante, na qual o Seu Paulo possa continuar a sustentar sua família e alimentar as nossas.
* Marco A. R. Mello, professor associado da Universidade de São Paulo (USP) e Cristina A. Kita, doutoranda do Laboratório de Síntese Ecológica da Universidade de São Paulo (USP)
Este artigo é republicado de The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o original aqui.
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