Picolé e ar-condicionado: energia solar fortalece turismo comunitário no AM
Patrícia Junqueira*
De Ecoa
16/09/2024 05h30
Até a instalação de um sistema de energia solar fotovoltaica, a comunidade Santa Helena do Inglês, no município de Iranduba (AM) às margens do rio Negro e a 60 quilômetros de Manaus, sofria com falta recorrente de energia elétrica. Agora, o abastecimento ininterrupto fortalece o turismo de base comunitária, principal fonte de renda dos ribeirinhos que vivem ali.
Esse modelo de turismo coloca a comunidade local no centro da experiência, permitindo que o turista vivencie a realidade da região. Além disso, valoriza a conservação da cultura e do meio ambiente, gerando desenvolvimento econômico sustentável.
"O turismo tem contribuído não somente para gerar renda das famílias, mas também para fortalecer a cultura e tradições que a Amazônia possui", diz Valcléia Lima Solidade, Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades da FAS (Fundação Amazônia Sustentável).
Rodeada pela floresta amazônica, Santa Helena do Inglês tem cerca de 30 casas, escola, centro social, duas pousadas e um restaurante. O vilarejo fica dentro da RDS Rio Negro (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro), criada em 2008 com uma área total de 103.086 hectares.
Instalado pelo projeto Sempre Luz, uma parceria entre a FAS e a empresa Unicoba, o sistema tem 132 painéis solares, 54 baterias de lítio e nove inversores híbridos de última geração. A fundação apoia o desenvolvimento sustentável da Amazônia por meio de programas e projetos nas áreas de educação e cidadania, saúde, empoderamento, pesquisa e inovação, conservação ambiental, infraestrutura comunitária, empreendedorismo e geração de renda.
Com o novo sistema elétrico, a escola pode ter aulas à noite, as duas pousadas contam com aparelhos de ar-condicionado e as artesãs podem trabalhar quando não há mais luz natural. Até venda de picolé a comunidade tem.
"A ideia de vender picolés foi da minha esposa", conta Nelson Silva. "Como não tínhamos energia suficiente na época, aguardamos a chegada do projeto das placas solares na nossa comunidade. O turismo tem sido muito gratificante para nós, e por isso decidimos investir parte do dinheiro que ganhamos com ele na venda de picolés, o que também tem ajudado a aumentar nossa renda", explica.
Perto dali, na comunidade do Tumbira, a história de Roberto Brito é um exemplo concreto da transição de um modelo de exploração predatória para a conservação como forma de subsistência. Nascido em uma família que sempre dependeu da extração ilegal de madeira, Brito passou mais de 20 anos na atividade.
Com a transformação da área em RDS, fiscalizações, prisões e apreensões aumentaram na região e, em 2010, ele decidiu abandonar a atividade. Com o apoio da FAS, começou a trabalhar com turismo e, dois anos depois, abriu a Pousada do Garrido.
Mudar a perspectiva perante a floresta foi um desafio para Brito. Ele compara sua situação de ex-madeireiro que trocou a atividade predatória por uma sustentável com a de um animal selvagem ferido que recebe ajuda. "Num primeiro momento, medo e desconfiança sobressaem, até que a chave muda. Antes, eu via as árvores como mercadoria. Hoje, eu olho para a floresta e vejo vidas", diz.
"A desconfiança das comunidades é um dos maiores desafios enfrentados pelas instituições do terceiro setor. Lidar com isso requer um trabalho intenso", diz Valcléia, destacando que o turismo sustentável desenvolvido nas comunidades, rios e florestas da Amazônia não apenas beneficia aqueles que trabalham diretamente no setor, mas também movimenta uma cadeia de atividades auxiliares, como o transporte.
Outra comunidade da região em que o turismo se tornou atividade essencial é Saracá. Por ali já são uma pousada, um chalé e um redário que, além de espaço coletivo, conta com cômodos privados. As opções de hospedagem beneficiam também o restaurante comunitário, onde há um rodízio para que todos os moradores trabalhem.
À frente da operação do restaurante há 12 anos, Pedrina Brito de Mendonça celebra a força do turismo na comunidade. "Está começando a florescer", diz a líder comunitária, que também é proprietária do chalé recém-inaugurado, com varanda, banheiro privativo e ar-condicionado.
Outra fonte de renda importante dos comunitários é o artesanato, com o projeto "Formiguinhas do Saracá". As artesãs usam produtos da floresta, como sementes de açaí polidas e tingidas, para criar colares, pulseiras e peças decorativas. "É uma chance de voarmos com nossas próprias asas", diz a artesã Tatiana Nogueira sobre o projeto.
* A jornalista viajou a convite da FAS (Fundação Amazônia Sustentável)