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Você acha que o plástico que descarta está sendo reciclado? Repense

Ecoa lança ferramenta de inteligência artificial para tirar dúvidas sobre reciclagem Imagem: René Cardillo via inteligência artificial

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba

18/09/2024 05h30

Toda vez em que você abre uma embalagem de batata chips ou de uma barra de chocolate, o planeta precisa encarar um dilema. De um lado, embalagens flexíveis de peso leve, essas que você abre com facilidade, conseguem ampliar a vida útil de alimentos, reduzir seu desperdício e garantir comida mais fresca na geladeira. O problema começa quando você termina de comer. Para quem faz tudo certo e descarta essa embalagem na lixeira de recicláveis, uma decepção: a chance de esse resíduo se tornar matéria-prima não é tão significativa quanto se espera. Mas isso não quer dizer que você não deva fazer sua parte.

Você quer fazer sua parte e não contribuir a poluir o mundo, mas bate aquela dúvida do que pode ser reciclado? Ecoa lança hoje uma ferramenta com inteligência artificial que responde dúvidas sobre reciclagem de resíduos. Com a tecnologia inovadora, você pode fazer perguntas sobre itens específicos e receber informações precisas.

Cada brasileiro gera, em média, 64 quilos de resíduo plástico por ano, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2022. As taxas de reciclagem variam de acordo com a localização, o tipo de plástico e sua aplicação. Pesquisadores estimam que apenas cerca de 9% de todo o lixo plástico gerado globalmente seja reciclado. A maior parte dos resíduos plásticos - impressionantes 79% - acaba em aterros sanitários ou na natureza e aproximadamente 12% é incinerada.

Se a taxa de reaproveitamento não sobe, a do consumo continua crescendo. Segundo dados da WWF-Brasil, somos o quarto maior produtor de resíduos plásticos no mundo, com 11,3 milhões de toneladas por ano, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Índia.

Tecnologia: por que não reciclamos o que é reciclável?

A resposta é multifatorial e envolve toda a cadeia, da indústria à recicladora, passando pelo consumidor e pela mediação dos governos. Essa baixa reciclabilidade do plástico é um desafio que o setor enfrenta, reforça o consultor de resíduos sólidos Júlio Ruffin Pinhel. Ele alerta que resíduos recicláveis e resíduos que serão, de fato, reciclados são coisas muito distintas.

Considerando apenas o plástico, são sete categorias. O plástico do tipo BOPP (polipropileno biorientado), um desses materiais superflexíveis que acondicionam alimentos, é formado por componentes recicláveis. Apesar disso, a tecnologia disponível para reaproveitar esse resíduo não está disponível sistematicamente no país todo. Pinhel aponta que a melhor solução, nesse caso, seria a indústria evitar o BOPP. Eis aqui novamente o dilema.

Já o PET, usado sobretudo em garrafas plásticas de bebidas, pode ser considerado um caso de sucesso, apesar de modesto. Metade do PET produzido mundialmente é coletado para reciclagem, e 7% das garrafas viram outras garrafas, de acordo com o Cefic (Conselho Europeu da Indústria Química).

Pedro Prata, oficial de Políticas Públicas na América Latina para a Fundação Ellen MacArthur, diz que a única empresa que consegue desenvolver uma ação de reuso desse material é a Coca-Cola.

A marca fez um desenho universal com a PET transparente, possibilitando que a garrafa pudesse ser usada por mais de 20 vezes. "Em vez de fazer 20 garrafas, fazem uma e a reusam 20 vezes. A empresa reduziu a necessidade de plástico virgem, gasta energia para produzir uma só e tem sistema que retorna. Quando as garrafas chegam, ela avalia se pode ser reusada ou reciclada. Nesse caso, a reciclagem faz sentido, é a última etapa."

Outro desafio é o isopor, que também é um resíduo reciclável, composto por 5% de plástico e 95% de ar. "Existe tecnologia para reciclar, mas o caminho econômico para isso no Brasil é ruim", diz o consultor. E aqui entra em jogo outro obstáculo, o incentivo da indústria versus o preço pago pelo resíduo.

Indústria e recicladora: a cadeia econômica do plástico

No caso do isopor, é fácil entender o desafio. Os recicláveis são precificados por seu peso. Imagine uma tonelada de isopor. É difícil coletar uma quantidade que seja viável economicamente para que a recicladora aceite a compra. Ou seja, o valor que se paga por esse resíduo inviabiliza sua coleta e comercialização.

"No fim das contas, tudo depende da cadeia econômica. Se os grupos de catadores não conseguirem vender o material e reinseri-lo na cadeia de reciclagem, isso vai para o aterro sanitário", destaca Pinhel, ao lembrar que nem todas as regiões do Brasil recebem os mesmos tipos de recicláveis.

Uma vez que o resíduo chega às esteiras de separação da recicladora, é distribuído de acordo com seu tipo. Para cada plástico há um caminho para reciclagem, ou seja, um comprador diferente.

"É preciso uma organização que consiga diversificar essa comercialização para que agregue valor ao material. O mercado tem muitas camadas, embaixo está o catador, lá em cima, as recicladoras. No meio disso, tem os atravessadores, que vão comprar dos catadores e chegar à quantidade e qualidade de material que a indústria recicladora está exigindo", explica Pinhel.

Do total do material recolhido por catadores, em torno de 25% não é reciclável Imagem: René Cardillo via inteligência artificial

Catadores: o elo fraco de um mercado forte

A ponta frágil dessa cadeia econômica é justamente o catador. "Como os catadores dependem da venda do material para serem remunerados, 40% do seu trabalho não é pago. Há uma quantidade imensa de rejeitos. Do total do material recolhido, em torno de 25% não é reciclável, e de 10% a 15% é potencialmente reciclável, mas não há tecnologia para isso", diz Alexandro Cardoso, antropólogo e catador membro do MNCR (Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis).

"As pessoas ainda têm uma despreocupação muito grande em relação ao impacto dos resíduos, mesmo com todas as informações que temos. Isso tem a ver com um processo de invisibilidade. Ninguém quer ver ou se preocupar com resíduos nem com quem trabalha com eles", afirma o antropólogo e catador.

Ele diz que os municípios teriam condições de aumentar os índices de reciclagem se investissem mais em cooperativas em vez de empresas de coleta seletiva: gerariam mais empregos e teriam menos custos.

Consumidor: cadê o engajamento?

A separação dos resíduos é feita em três frações - orgânicos, recicláveis e rejeitos -, mas nem sempre isso acontece no dia a dia. Ou quase nunca, dependendo do local. Com isso, é muito comum que orgânicos, como restos de alimentos, e rejeitos, como o lixo gerado no banheiro de uma casa, cheguem até as mãos dos catadores junto dos materiais recicláveis.

Chegam também materiais que, apesar de terem plástico, metal, papel ou vidro na composição, não podem ser reciclados. Por isso, Pinhel sugere uma postura mais engajada do consumidor na separação dos materiais e, também, na compreensão do destino final do que se consome. A complexidade da reciclagem não deve inviabilizar a ação da população. "O melhor resíduo que temos é o que não produzimos. Ao gerar o problema, precisamos lidar com ele."

Órgãos públicos: é hora de agir

Os gargalos da reciclagem vão muito além da conscientização sobre coleta seletiva ou a gestão dos resíduos pelos municípios. Pedro Prata, da Fundação Ellen MacArthur, afirma que a reciclagem é ineficiente porque está dentro de um contexto de economia linear. O ideal seria adotar uma lógica de economia circular, na qual produtos pudessem ser desenvolvidos para circular o máximo de tempo.

Na economia circular, haveria medidas de reuso, reparo, recondicionamento e, então, reciclagem. Nessa dinâmica, o próprio desenho dos produtos e serviços seria criado nessa lógica. É diferente, por exemplo, da produção de um copo de plástico descartável, criado para ter uma vida útil curta e logo se tornar resíduo. "No final, tentamos resolver o problema com a reciclagem, mas é óbvio que não vamos. Há um descompasso muito grande", diz Prata. Se a lógica da economia circular fosse adotada, a produção de plástico poderia ser reduzida em 80%.

Para isso, é necessário atualizar normas regulatórias envolvendo o reuso de resíduos como o plástico, que ainda datam da década de 1990 no Brasil. O atual cenário dificulta que indústrias possam reutilizar suas embalagens antes de reciclá-las. "O que tem de espaço para políticas de reuso no Brasil não é permitido por normas sanitárias", diz Prata.

O professor Alcides Lopes Leão, da área de Resíduos Sólidos da Unesp (Universidade Estadual Paulista), destaca a necessidade de intervenções governamentais junto a empresas. "A indústria vai reagir mais se houver penalização, precisamos ter mais responsabilização e pressão nesse sentido."

Pacto global: acordo internacional, ação local

Envolvido em uma cadeia transnacional, o plástico tem uma circulação que não se restringe aos países que produzem a resina Imagem: René Cardillo via inteligência artificial

Em novembro deste ano, ambientalistas, cientistas e governantes vão debater a redução dos impactos do plástico em busca de um tratado global contra a poluição. A meta dos líderes dos 174 países é chegar a um acordo sobre medidas que devem ser seguidas por todos - da proibição de alguns tipos de plásticos a um pacote financeiro para subsidiar essa transição.

Envolvido em uma cadeia transnacional, o plástico tem uma circulação que não se restringe aos países que produzem a resina. "É um debate complexo, porque todo muito depende do plástico", comenta. Um material plástico originado nos Estados Unidos pode chegar ao Brasil por meio de importação pela China, ser então exportado para a África do Sul como produto e, por fim, parar na Austrália após ser levado por uma corrente marítima.

Há um consenso avançado entre as delegações: a necessidade da adoção de design circular, listas robustas de plásticos mais problemáticos, sistemas de reuso e de gestão de resíduos e políticas de responsabilização dos produtores. Por fim, ainda é necessário haver mais entendimento sobre limites de produção e formas de financiar essa transição junto aos países envolvidos.

Analista da Oceana Brasil, Iran Magno avalia que a atenção global é importante, mas é preciso que seja traduzida em legislações e medidas locais, com o poder público assumindo o protagonismo. "O problema já é grave e sério o suficiente e requer ações urgentes no Brasil. Não podemos esperar que o texto vinculante do tratado seja aprovado para só então cobrar que empresas e governos se comprometam", afirma.

A resolução desse dilema não é acabar com o plástico. "Ninguém precisa ser contra o plástico. Ele é incrível, porque tem como melhor propriedade o fato de ser durável. Mas como humanidade, pegamos um material muito interessante , usamos apenas uma vez e jogamos fora", diz Prata.

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