Rio Tietê volta a cheirar mal com onda de calor em São Paulo
Julia Moióli
Colaboração para Ecoa
23/09/2024 17h34
Com a onda de calor e a falta de chuva, os paulistanos voltaram a enfrentar um velho conhecido: o mau cheiro do rio Tietê, que corta a cidade de São Paulo e é o mais poluído do país.
De acordo com especialistas ouvidos por Ecoa, apesar de o principal responsável pelo odor ser o esgoto doméstico lançado ilegalmente no rio e em riachos que nele desaguam, as condições climáticas extremas registradas na cidade nas últimas semanas contribuem para intensificar o problema.
"Na maioria das vezes, o mau cheiro do Tietê é resultado da decomposição, por fungos e bactérias, de matéria orgânica morta que chega ao rio principalmente pelo esgoto irregular", afirma Ana Lúcia Brandimarte, professora do Departamento de Ecologia do IB (Instituto de Biociências) da USP (Universidade de São Paulo).
"No processo, os microrganismos utilizam o oxigênio dissolvido na água e, se há muita matéria a ser decomposta, seus níveis diminuem muito, produzindo gases, como metano e gás sulfídrico, que apresentam o odor característico."
Brandimarte explica que, com o aumento de temperatura, menos oxigênio se dissolve na água, aumentando a produção dos gases e, consequentemente, intensificando o mau cheiro.
"Além disso, o metabolismo dos microorganismos é acelerado com o aumento de temperatura, tornando a decomposição mais rápida."
A falta de chuvas é outro problema, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas), órgão ligado à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras.
"A matéria orgânica fica mais concentrada no rio, o que deixa o odor mais forte", diz Antonio Fernando Monteiro Camargo, professor do Departamento de Biodiversidade do IB (Instituto de Biociências - Câmpus de Rio Claro) da Unesp (Universidade Estadual Pulista Júlio de Mesquita Filho).
Mudanças climáticas
Resultado direto das mudanças climáticas que assolam o planeta, as ondas de calor extremo, associadas a secas ou chuvas fortes, têm sido comuns na capital paulista. Em novembro do ano passado, por exemplo, uma tempestade com ventos de até 103,7 km/h arrancou centenas de árvores e causou um apagão que deixou 1,4 milhão de pessoas sem luz por até uma semana.
Além disso, recordes de temperatura vêm sendo quebrados com cada vez mais frequência. Um dos mais recentes aconteceu em 15 de março deste ano, quando os termômetros registraram 34,3 ºC, o maior valor para o mês de março desde que o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) iniciou suas medições, em 1943.
"Em São Paulo, já vivemos a realidade dessa mudança climática há um bom tempo", diz Gustavo Veronesi, coordenador da causa Água Limpa da SOS Mata Atlântica. "Crescemos na Terra da Garoa, quando a umidade do mar avançava com mais facilidade para a região metropolitana, tornando o ambiente úmido na maior parte do tempo, mas hoje a mancha urbana altera os fluxos de calor, dificultando esse processo, o que deve se agravar cada vez mais."
"Isso significa que podemos esperar o mau cheiro vindo do Tietê com mais frequência", diz Brandimarte, da USP.
Falta de saneamento básico agrava problema
Nos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo por onde o Tietê passa em seus 1.150 quilômetros de extensão, apenas 60,4% do esgoto gerado é tratado, de acordo com o Painel Saneamento Brasil, portal da ONG ITB (Instituto Trata Brasil) que disponibiliza informações sobre saneamento básico.
Outro dado que chama atenção é que cerca de 9,7% da população (cerca de 2,5 milhões de pessoas) ainda não tem acesso à coleta de esgoto.
"A primeira medida para eliminar de vez o mau cheiro é solucionar esse problema", acredita Veronesi, da SOS Mata Atlântica.
Apesar dos avanços obtidos em décadas de tentativas de despoluir o Tietê, os resultados ainda estão longe do esperado. Um levantamento da SOS Mata Atlântica feito entre setembro de 2022 e agosto de 2023 em 59 pontos de amostragem no rio (18 deles na capital paulista) apontam tendência de estabilidade na qualidade da água em quase metade da Bacia Hidrográfica do Rio Tietê.
Foram seis (10,2%) pontos de qualidade de água boa, 34 (57,6%) de qualidade regular, 13 (22%) de qualidade ruim, seis (10,2%) de qualidade péssima e nenhum com qualidade de água ótima.
"Precisamos lembrar que países como os da União Européia também enfrentam as consequências das mudanças climáticas, mas, por contarem com maior fiscalização e controle do tratamento de esgoto, seus rios não emanam esse odor desagradável", diz Camargo, da Unesp.
O que diz o governo
Consultada pela reportagem, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), agência do governo do Estado responsável pelo controle, fiscalização, monitoramento e licenciamento de atividades geradoras de sujeira, justificou que o mau cheiro ocorre devido à degradação da matéria orgânica e é intensificado nos dias mais quentes.
Com relação à limpeza do rio, a companhia afirma que entre março de 2023 e março de 2024, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) retirou do rio 1,4 milhão de metros quadrados de sedimentos. "No período também foram incorporados 211 mil novos domicílios aos sistemas de tratamento, ações que colaboram diretamente com a diminuição de matéria orgânica nos rios", afirmou a empresa em nota.