Robôs submarinos revelam potencial catástrofe sob a Geleira do Juízo Final

A Geleira Thwaites, mais conhecida como "Geleira do Juízo Final", no oeste da Antártida, está se deteriorando mais e em ritmo mais acelerado do que o calculado previamente e o derretimento pode provocar uma catástrofe global em breve. A conclusão é de um novo estudo de um grupo de cientistas dos EUA e do Reino Unido publicado na sexta (20) no site do projeto ITGC (International Thwaites Glacier Collaboration) e discutido no evento British Antarctic Survey (BAS) em Cambridge na última semana.

As equipes recorreram a robôs subaquáticos, novas tecnologias de vigilância por satélite e GPS, novas abordagens de modelos climáticos de quebra e fluxo de gelo, além de modelos computacionais de previsão meteorológica para tentar entender como a "Geleira do Fim do Mundo" caminha para o seu futuro.

Cientistas da BAS também sobrevoam a geleira Thwaites para estudá-la
Cientistas da BAS também sobrevoam a geleira Thwaites para estudá-la Imagem: Carl Robinson/ITGC

Uma das maiores geleiras do mundo, a Thwaites tem uma área equivalente a toda a Grã-Bretanha, largura de 120 km e porções com espessura de mais de 2.000 metros. O preocupante é que ela é também daquelas que estão se transformando mais rápido. O volume de gelo flutuando no mar que se desprendeu da Thwaites e das suas vizinhas mais do que dobrou entre as décadas de 1990 e 2010.

Sua região, a Enseada Marítima Amundsen, é responsável por 8% do atual ritmo de crescimento do nível do mar global, de 4,6 mm por ano. No entanto, este cenário pode piorar muito: caso a "Geleira do Juízo Final" entre em colapso total, o nível dos mares em todo o mundo deve subir em 65 centímetros, apontam os cientistas.

Já se o derretimento acometer todo o (atualmente submerso) manto de gelo do oeste antártico, onde ela está inserida, os níveis do mar poderiam subir em até 3,3 metros, estimam os pesquisadores do projeto financiado pela US National Science Foundation e UK Natural Environment Research Council, que estuda a Thwaites há seis anos.

A pesquisadora Kelly Hogan, que estuda os processos físicos da geleira Thwaites
A pesquisadora Kelly Hogan, que estuda os processos físicos da geleira Thwaites Imagem: Divulgação/ITGC

"A geleira vem recuando há mais de 80 anos, [em ritmo] que está se acelerando consideravelmente nos últimos 30 anos e nossos achados apontam que deve se retrair mais e também mais rápido", comentou o geofísico marinho e coordenador científico do ITGC, Rob Larter.

Há um consenso de que o recuo da geleira se aceleraria em algum momento do próximo século. No entanto, estamos preocupados de que outros processos adicionais revelados pela pesquisa recente, mas que ainda não foram estudados o suficiente para ser incorporados a um modelo de larga escala, possam fazer com que o recuo se acelere mais cedo.

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Ou seja, os cientistas atualmente sabem que há mais fenômenos ocorrendo na área da geleira que possam antecipar a aceleração de seu derretimento, mas ainda não possuem dados suficientes para conseguir prever exatamente qual é a linha do tempo desses acontecimentos e nem como eles devem se desenrolar.

A embarcação de pesquisa "The Nathaniel B Palmer", que quebra o gelo de superfície do mar antártico para estudar as formações glaciais da região
A embarcação de pesquisa "The Nathaniel B Palmer", que quebra o gelo de superfície do mar antártico para estudar as formações glaciais da região Imagem: Rob Larter/ITGC

Diante do atual cenário, a Thwaites e boa parte do manto de gelo do oeste antártico poderão ser perdidos nos próximos 200 anos. A geleira, no entanto, é muito mais vulnerável porque boa parte de seu gelo está situado em terreno muito abaixo do nível do mar e, apesar de parte desta porção inferior ser isolada por água fria, há outras em que a geleira se destaca do fundo do oceano e as marés trazem água quente em alta pressão a 10 km de profundidade.

Robô-torpedo

O que o robô em forma de torpedo chamado Icefin revelou é justamente esta infiltração em fendas da água do mar que é relativamente mais quente do que a superfície do gelo — e só fica cada vez mais quente graças ao aquecimento global — o que favorece o derretimento acelerado.

Ele mostrou o ponto em que o gelo começa a flutuar, após se elevar do fundo do mar. As gravações descobriram que o gelo derrete de maneiras ainda desconhecidas e que a água quente se infiltra por fendas. Um estudo mostrou que a água penetra mais de 9 km abaixo da geleira. Ela empurra água quente para debaixo do gelo - e aumenta o derretimento.

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"Foi uma grande descoberta, vimos isso pela primeira vez", disse Kiya Riverman, glaciologista da Universidade de Portland.

"É preocupante que os últimos modelos computacionais prevejam que a perda de gelo será acelerada durante o século 22 e possa levar a um colapso amplo do manto de gelo antártico no 23. Uma intervenção climática imediata e consistente terá um efeito positivo, mas será uma ação atrasada, particularmente na contenção da entrega de água quente do oceano que é o principal causador do recuo", acredita Ted Scambos, coordenador do grupo americano do ITGC e glaciologista da Universidade do Colorado.

Entre as zonas que devem ser mais impactadas estão as costas de Bangladesh, das ilhas do Pacífico e de litorais de diversos países, de Nova York a Londres. Segundo a revista Time, que também conversou com cientistas da Universidade do Colorado, os membros do ITGC analisam o risco de que este derretimento possa provocar que penhascos enormes de gelo de 100 metros de altura ou mais se formem na Thwaites com o desprendimento de gigantescos icebergs no oceano — que aumentariam os níveis do mar em dezenas de centímetros ainda no século 21.

No entanto, o grupo ainda considera ser prematuro demais, a esta altura da pesquisa, determinar se estes cenários são prováveis.

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