Seca deixa territórios indígenas sem aula, água e comida
Adriana Amâncio
Colaboração para Ecoa, de Recife
25/09/2024 05h30
Jovens da etnia sateré mawé, da Terra Indígena Andirá Marau, a 352 km de Manaus, estão impedidos de frequentar as aulas do ensino médio devido à seca que atinge o rio Andirá e os igarapés, principais canais de transporte local.
Além da falta de acesso às escolas, a população enfrenta falta de água e comida em meio a mais uma seca histórica no estado.
Outra maneira de chegar às escolas seria caminhar pela floresta. Porém, como as aulas acontecem à noite, o trajeto é perigoso. À reportagem de Ecoa, jovens relatam estarem há cerca de 15 dias sem aulas.
A TI Andirá Marau tem 14.500 habitantes e abrange os municípios de Barreirinha e Parintins, no Amazonas, Aveiro e Itaituba, no Pará. Em Barreirinha, apenas três das 62 aldeias contam com escolas do ensino médio.
Boa Fé, uma das aldeias de Barreirinha, fica a 4km da escola de ensino médio mais próxima, na aldeia Ponta Alegre. O jovem Silas Sateré afirma que "o acesso mais seguro e rápido é o rio Andirá, mas, como ele está seco, não dá para a rabeta andar", explica. Rabeta é uma canoa com motor potente, um tipo de transporte muito comum nas aldeias indígenas.
Geter Cabral, representante regional da Juventude Indígena Sateré Mawé, conta que a situação está muito difícil. "Geralmente, o governo do estado manda a apostila para os jovens estudarem à distância", afirma.
Por meio de nota, a Seduc (Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar do Amazonas) informou que, em agosto, implementou o "regime especial de aulas não presenciais a ser ofertado, em caráter excepcional, aos discentes impactados pela estiagem."
Eles informam ainda que "em relação à Boa Fé, há três alunos impactados pela estiagem, desde o último dia 13 de setembro, que serão atendidos pelo Aula em Casa e Merenda em Casa". Esses programas realizam a entrega de materiais pedagógicos de estudo e kits de alimentos oriundos da merenda escolar a alunos da rede estadual impedidos de chegar às unidades de ensino.
Ainda de acordo com a nota, na Escola Indígena de Ponta Alegre "houve a suspensão de aulas por cinco dias devido a um problema no fornecimento de energia da comunidade, situação que foi normalizada e as aulas seguem regulares." Já na Escola de Vila Nova, outra que oferta aulas do ensino médio, "os alunos ficaram sem professor, mas a vaga foi ocupada desde o dia 2 de setembro", diz a nota.
A assessoria de imprensa do MEC (Ministério da Educação) respondeu, por email, que "a responsabilidade pela oferta da Educação Escolar Indígena do estado é diretamente ou por meio de regime de colaboração com seus municípios". O órgão informou também que "compete aos entes federados organizar os dias letivos, inclusive reorganizar o ano letivo em função da seca na região Amazônica".
Os membros da TI Andirá - Marau reclamam da falta de outro recurso básico: a água. De acordo com os indígenas, "há demora da empresa que fornece energia elétrica para realizar consertos e reparos no sistema de fios e postes que são atingidos por ventos fortes e quedas de árvores", explica a coordenadora da Juventude Indígena Sateré Mawé, Jessica Barbosa.
Com a falta de energia elétrica, não há como bombear a água dos poços artesianos, que abastecem a aldeia. "Os rios e igarapés próximos da aldeia não têm água boa para consumo humano e os que têm ficam distante, não é possível ir buscar água lá. A aldeia já chegou a ficar 15 dias sem água", detalha.
Procurado, o Ministério da Saúde disse por meio de nota que os problemas de energia são reportados à equipe do Sesani (Serviço de Edificações e Saneamento Ambiental Indígena) pelo Agente Indígena de Saneamento e geram protocolos de atendimento. Como passo seguinte, a Manaus Energia é acionada para verificar a situação. "Contudo, devido à alta demanda e à logística complexa, podem ocorrer atrasos no atendimento", diz a nota.
Outras regiões afetadas
Nas regiões do Médio e Alto Solimões e dos rios Madeira e Purus, a situação se repete. De acordo com a coordenadora da Apiam (Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas), Maria Baré, nestas localidades "as pessoas estão ilhadas pela seca. Estudantes não têm acesso à escola, pois os rios secaram. Não adianta o governo fazer algo pela educação em cima da hora, tem que repensar o ano letivo considerando a seca", afirmou.
A líder indígena alega que o único órgão a adotar medidas preventivas foi o Dsei (Distrito Sanitário Indígena), que "enviou medicamentos em quantidade suficiente antes que a seca chegasse ao ponto crítico que se encontra", explica.
Por outro lado, a coordenadora reclama da dificuldade para aquisição de alimentos, pois, com o rio seco, não é possível ir até os locais de venda. "Há demora na oferta de alimentos para as aldeias, além de apoio na educação e no transporte", queixa - se.
Seca recorrente
O cientista e climatologista Carlos Nobre considera que é preciso criar infraestrutura para as aldeias indígenas ficarem conectadas aos serviços básicos, mesmo na seca, pois esses fenômenos não são isolados, pelo contrário, "serão recorrentes".
Ele explica que, enquanto a temperatura global estiver aquecida em 1,5 Cº haverá seca na Amazônia. "Nós registrávamos uma seca severa na Amazônia há cada 20 anos. Agora, aconteceram quatro apenas nos últimos dez anos. E isso vai seguir acontecendo nestes tempos de aquecimento global", explica.