'Seca começou antes da hora': turismo sofre no 'Caribe amazônico'
Alter do Chão é conhecida como o "Caribe amazônico". O distrito de Santarém, no oeste do Pará, recebe turistas do Brasil inteiro, interessados em conhecer as praias formadas pelo Rio Tapajós.
Este ano, porém, o cenário mudou: a seca extrema, resultado das mudanças climáticas, tem deixado o "Caribe amazônico" à míngua —e o turismo já sofre as consequências na região.
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"A seca começou bem antes do normal e a tendência é que a gente fique sem trabalho até dezembro, quando o rio deve começar a encher", lamenta o catraieiro Antônio Augusto de Vasconcelos, 40.
Em Alter do Chão, as catraias são embarcações que normalmente realizam o translado dos turistas para a Ilha do Amor, a principal praia da região, além de restaurantes e estabelecimentos à beira do Rio Tapajós.
Com o nível baixo do rio, o trabalho parou. O Tapajós atingiu a marca impressionante de 34 centímetros nesta segunda-feira, segundo a Defesa Civil de Santarém.
O valor é o menor para a data se comparado com os anos anteriores. No ano passado, por exemplo, o nível chegou a 1,66 metro na mesma data. O cenário no Tapajós se soma ao de outros rios amazônicos, em meio à secura extrema.
'Sem trabalho'
"Perdemos o Sairé [festival cultural realizado em setembro], já que não tivemos demanda", explica Vasconcelos, que também é presidente da Associação de Catraieiros de Alter do Chão, com cerca de 100 pessoas associadas.
"A maioria de nós teve de trabalhar em outras áreas, como ajudante de pedreiro ou como garçom, já que dependemos única e exclusivamente da travessia", completa ele.
O problema é que, depois do Sairé, muitas pessoas que atuam no turismo, como garçons, são dispensados porque o movimento cai. O catraieiro é quem costuma movimentar os bares e restaurantes em torno da praça, então todo mundo sente o impacto. Até pescar fica mais difícil porque não tem água, não tem onde pescar. O prejuízo é grande.
Antônio Augusto de Vasconcelos
A alta temporada do turismo em Alter do Chão vai de agosto a janeiro, quando as praias se formam na região. Setembro, inclusive, é considerado um dos melhores meses para visitar o distrito —quando as praias estão no auge da beleza.
Em tempos normais, o rio começa a secar na segunda semana de julho e volta a encher na segunda semana de novembro —este ano, porém, a seca se antecipou: começou em junho. E agora não se sabe mais até quando vai, o que causa incerteza entre a população.
"A nossa esperança é que em dezembro comece a encher, mas não sabemos mais o que vai acontecer porque mudou tudo", diz Vasconcelos.
Pontos turísticos isolados
Dona Dulce, conhecida na região por fazer quitutes a partir da planta vitória-régia, diz que a seca teve impacto não apenas no turismo, como também no acesso à água potável.
Ela mora e recebe os visitantes no Canal do Jari, que liga o Tapajós ao Amazonas, e hoje está totalmente seco.
A seca deste ano chegou mais cedo e deixou a água em um nível bem abaixo do que na mesma época do ano passado. Com isso, nós moradores da região, vamos ficando isolados.
Dona Dulce
"O acesso até a nossa casa é feito por embarcações pelos braços dos rios. A partir do momento em que esse acesso se encerra, utilizamos cavalo, carroça, motos ou enfrentamos caminhadas que podem chegar a até 2 horas. E em uma caminhada longa, dificilmente conseguimos trazer mantimentos mais pesados."
Segundo ela, o Canal do Jari está fechado desde o dia 10 de setembro e há uma preocupação grande com o acesso à água potável.
Os moradores se abastecem com água colhida antes da seca, que é filtrada em casa, e pelo acesso a uma comunidade vizinha, a Moacá, que tem um sistema de água potável. Mas a distância percorrida para chegar até a comunidade é um obstáculo.
"A gente normalmente se prepara para a cheia, conseguimos levantar os objetos, mas não temos o hábito de nos prepararmos para a seca. E, nesses dois últimos anos, a nossa preocupação é justamente essa."
Mudança de rumos
Jamille Fernandes comanda a empresa Encantos da Amazônia, em Santarém. Um dos passeios oferecidos pela empresária é chamado de Turismo de Cura, que mescla massagens e atividades de bem-estar.
Normalmente, o passeio é realizado na comunidade de Arimum, no Baixo Arapiuns, um rio afluente do Tapajós. O local fica a uma hora e meia de Santarém e é acessado por barcos —mas o planejamento teve de mudar devido à seca.
"Como ficou muito difícil o acesso, a comunidade se reuniu e resolveu transferir para uma outra comunidade chamada Vila Brasil, onde também tem pessoas que nasceram em Arimum. Na Vila Brasil está raso, mas as lanchas conseguem chegar mais próximo", explica ela.
A empresária diz que já tem passeios fechados para o mês de novembro, mas não sabe se eles poderão ocorrer, caso a seca persista.
Vou ter de trocar os passeios [para lugares que sejam mais acessíveis] ou reembolsar os meus clientes porque a seca fez com que Alter do Chão fosse incluída em uma região de estado de emergência.
Jamille Fernandes
Situação de emergência
Pela primeira vez, a ANA (Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico) declarou escassez do Rio Tapajós entre as cidades de Itaituba e Santarém.
Segundo dados divulgados pelo governo, a precipitação acumulada na bacia do rio entre outubro de 2023 e agosto deste ano está abaixo da média anual do período seco.
O MIDR (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional) reconheceu no final de setembro situação de emergência em 13 municípios do Pará que enfrentam a estiagem: Bannach, Belém, Itupiranga, Juruti, Muaná, Novo Progresso, Óbidos, Oriximiná, Pau'Arco, Prainha, Santana do Araguaia, Trairão e Santarém, que engloba Alter do Chão.