Como a Dengo equilibra cacau em alta e meta de renda digna para produtores
Num ano em que o preço do cacau disparou e chega a custar mais de US$ 11 mil (cerca de R$ 60 mil) a tonelada (que era de US$ 4.000 em 2023), a marca de chocolates Dengo anuncia um plano de expansão que visa sair das atuais 42 lojas - sendo 40 no Brasil e 2 na França - para 240 unidades até 2030. Também faz parte do plano o investimento de R$ 100 milhões em uma nova fábrica, localizada em Itaquaciara, em Itapecerica da Serra (a cerca de 50 km de São Paulo), com inauguração prevista para 2025.
O desafio, mais do que aumentar a produção para 24 toneladas de chocolate por dia - o que significa aumento de 500% em relação aos níveis anteriores -, é continuar com premissas de sustentabilidade nas fazendas de cacau. "Todo o cacau da Dengo vem de sistemas agroflorestais, de fornecedores que passam por desenvolvimento e acompanhamento contínuo", explica Andresa Silva Adami de Sá, gerente executiva de Redes da Dengo.
A empresa começou a trabalhar com produtores do sul da Bahia em 2017 e, a partir de 2022, expandiu seus fornecedores para em outros estados, como Pará e Espírito Santo. Hoje, 40% do cacau que dá origem aos produtos da marca vem do Pará. Para a executiva, o crescimento tem sido possível porque os produtores atendem à demanda. "Dois anos atrás, freávamos as compras. Mas, com a capacidade ampliada, temos a oportunidade inclusive de comprar daqueles que têm trabalhos em áreas maiores e, ainda assim, sustentáveis", diz ela. A companhia trabalha com cerca de 300 produtores registrados, e a expectativa com a nova fábrica é aumentar esse número para 3.000, dez vezes o número atual de fornecedores.
Diante do plano de expansão, a Dengo diz que trabalha não deixar de lado os pequenos e médios produtores da matéria-prima, assim como era quando a empresa nasceu. Para Andresa, trabalhar com grandes produtores pode até facilitar alguns caminhos, uma vez que eles já estão acostumados a seguir padrões e certificações, mas mudar o ecossistema no Brasil e estimular a adoção de boas práticas pelo país são pilares para a empresa. "Ao longo do nosso trabalho, percebemos, por exemplo, a diminuição do número de meeiros nas fazendas. Isto acontece porque, na medida que o cacau vira um bom negócio e o produtor é conscientizado, ele contrata as pessoas como CLT e resguarda seus direitos trabalhistas", diz Andresa.
Por que o sul da Bahia?
Quando a marca de chocolates abriu sua primeira loja, há sete anos, a intenção era gerar impactos social e ambiental visando as melhores condições para o produtor de cacau de Ilhéus, cidade no sul da Bahia que se tornou grande produtora do fruto. Contudo, era preciso superar a crise da vassoura de bruxa, como popularmente ficou conhecida a alta presença de fungos do cacaueiro, que assolou as produções na década de 1990 e ainda assustava os produtores. "Conversamos com eles e os convencemos de que era possível reviver o trabalho. Por incrível que pareça, as pessoas eram basicamente as mesmas que trabalharam com o fruto há 30 anos", diz Andresa.
A proposta, desta vez, era partir para uma produção que agregasse sustentabilidade e, consequentemente, mais valor ao que era produzido. "O engajamento dos produtores que toparam a proposta foi fundamental para a ampliação da rede. Alguns deles andavam com a nota fiscal da Dengo no bolso para mostrar aos outros como o retorno fazia sentido."
A aposta, obviamente, não foi às cegas. Estudos indicavam a viabilidade do negócio e iam ao encontro do interesse de Guilherme Leal, um dos fundadores da fabricante de cosméticos Natura, em criar a Dengo. Assim, identificou-se o espaço para um produto de alta qualidade, com sustentabilidade como propósito. O crescimento do negócio levou a Dengo a buscar fornecedores em outras regiões do Brasil.
Matéria-prima de qualidade e renda digna
A estratégia da empresa para alavancar o negócio foi investir na capacitação dos produtores, assim como na atração dos mais jovens diante dos compromissos de retorno financeiro. A Dengo estabeleceu prêmios para o cacau de qualidade, em uma faixa variável de 70% a 160% sobre do preço do mercado. Aqueles que recebem acima de 100%, por exemplo, são orgânicos ou contam com outros atributos genéticos. "Nos três primeiros anos, pagamos cerca de 85% a mais do que o mercado pagava", conta Andresa.
A partir de 2023, foram inseridos atributos ligado à sustentabilidade da fazenda, checados uma vez ao ano por meio de auditoria. Com isto, em 2023, o incremento na renda dos produtores é de 107%, em média.
Além de pagar melhor do que os concorrentes, o objetivo da Dengo é que os produtores tenham renda digna. Ou seja, que recebam ao menos o mínimo do que precisam para viver bem, considerando custos de moradia, educação, lazer, entre outros pontos. Neste cenário, hoje 38% dos produtores tem renda digna, e o objetivo é de que todos alcancem essa condição até 2030.
Para isso, há estratégias como aumentar a produção e as vendas do cacau e o prêmio dados a quem produz. Mas, muitas vezes, o preço do cacau se impõe. Quando ele sobe, o produtor quer vender rápido para outro fabricante, mesmo que não tenha tanta qualidade no fruto e bonificações no pagamento.
Para a Dengo, o momento é de fortalecer a importância da sustentabilidade e das boas práticas no longo prazo. De acordo com Andressa, outras companhias não entendem como a Dengo faz a ginástica de pagar mais para o produtor ao mesmo tempo em que o preço do cacau sobe. A verdade é que é algo desafiador, com práticas que foram revisadas para que o produto continue com mais cacau do que a concorrência.
"Neste momento, o prêmio do produtor está menor do que ele recebeu no ano passado, mas ainda assim há um ganho real próximo e sem injustiça financeira ou algo que impacte a meta da renda digna. O nosso objetivo é oferecer algo justo e estarmos preparados para todo tipo de reordenação do mercado. Já para o consumidor, incentivamos também a aquisição de produtos que não levam o cacau, como o café e outras bebidas", explica.