O que está em jogo na COP16 da Biodiversidade, que começa hoje na Colômbia

A COP16, Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, inicia hoje negociações de um acordo para fazer deslanchar em tempo recorde o compromisso assumido há dois anos: preservar 30% das áreas biodiversas do planeta até 2030. O acordo, firmado há dois anos, enfrenta desafios para avançar no ritmo necessário.

A meta, conhecida como 30x30, tornou-se uma marca popular para o Marco Global da Biodiversidade, assinado no final de 2022 na COP15, em Montreal, no Canadá.

Outro objetivo do acordo é zerar a perda de áreas relevantes para a biodiversidade até o fim da década. Segundo estudo da WWF, as populações de vida selvagem caíram em 73% nos últimos 50 anos. Na América Latina, a queda foi ainda mais drástica: de 95%, no mesmo período.

Agora, na COP16, os diplomatas têm a tarefa de viabilizar a implementação do acordo - que reúne 23 metas para a biodiversidade, ligadas à sua conservação, o uso sustentável e a repartição dos seus benefícios.

Para tirar o acordo do papel, o nó central da negociação em Cali é, mais uma vez, o dinheiro. A desconfiança entre países doadores, do bloco desenvolvido, e os países em desenvolvimento vem se arrastando nos últimos 15 anos e travando negociações do clima e da biodiversidade, à medida que a promessa de financiamento de US$ 100 bilhões anuais para o clima, anunciada em 2009 pelas nações ricas, não foi cumprida. Este também deve ser o tema central da COP29 do Clima, prevista para acontecer no próximo mês no Azerbaijão.

Nas negociações da biodiversidade, o bloco rico buscou contornar o trauma das promessas climáticas, com uma proposta de valor baseada em estudos e com clareza sobre qual parcela da mobilização de recursos seria feita como doação de um país para o outro - a chamada assistência oficial ao desenvolvimento.

Fazendo as contas

De acordo com um estudo conjunto da Cornell University, The Nature Conservancy e Paulson Institute, o mundo precisaria mobilizar US$ 700 bilhões (R$ 3,9 trilhões) por ano para promover a conservação e reverter a perda da biodiversidade. O estudo apontou que boa parte desse valor já circula na economia, mas precisa ser redirecionado.

De acordo com os autores, hoje os governos aplicam US$ 500 bilhões (R$ 2,8 trilhões) anuais em subsídios a atividades danosas à biodiversidade. Com base nesses números, o Marco Global da Biodiversidade determinou que os países vão promover o redirecionamento dos subsídios de atividades danosas para outras que contribuam com a biodiversidade.

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Para completar a conta, os países determinaram uma mobilização coletiva de US$ 200 bilhões. Desse total, os países ricos se comprometeram a doar de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões por ano. Um dos problemas, de acordo com o Itamaraty, é que neste ano a doação só atingiu 23% do prometido.

Outra crítica brasileira que deve marcar o tom da atuação do país na negociação é a dupla contagem, ou seja, doações dos países ricos que supostamente apareceriam na contabilidade do clima e da biodiversidade. O Brasil quer propor critérios para evitar que o mesmo dinheiro apareça em duas prestações de contas.

Os países ricos, por outro lado, contra argumentam que não querem pagar duas vezes pela mesma árvore - afinal, a conservação da natureza é uma bala de prata para cumprir os dois acordos, ao mitigar a crise climática e ainda promover a biodiversidade.

Em Cali, os países devem travar debates técnicos para esclarecer critérios do financiamento e também da reforma dos subsídios. Essa é considerada uma das metas mais espinhosas do acordo, por comprometer setores-chave das economias nacionais, como agricultura e mineração.

Subsidiar o agronegócio, mineração, exploração de petróleo, que destroem florestas, poluem rios e invadem territórios indígenas, minam qualquer esforço real de conservação. Os países precisam parar de alimentar esse ciclo de destruição e investir em quem realmente protege a terra: os povos indígenas. Só assim a proteção será verdadeira e sustentável. Líder indígena Toya Manchineri, representante da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).

Um dos principais pleitos indígenas na COP da biodiversidade é a criação de um mecanismo de financiamento direto às comunidades indígenas - que, a depender do governo no poder, não contam com a colaboração dos países para o repasse de recursos.

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Propostas mais criativas para mobilizar recursos também devem aparecer na mesa de negociação. A Colômbia, que preside a COP16, defende o fortalecimento do mecanismo de troca de dívida externa por compromissos de conservação da natureza.

O mecanismo coleciona exemplos bem sucedidos pelo mundo, em geral negociados bilateralmente. Em 2010, o Brasil conseguiu renegociar com os Estados Unidos uma dívida de cerca de US$ 20 bilhões, adquirida nos anos 60, pelo compromisso de investir em ações de conservação florestal Brasil adentro.

Outra proposta - que conta com a simpatia dos europeus e britânicos - é a criação de um mercado de créditos da biodiversidade. A proposta se apoia na experiência dos créditos de carbono - em que um país ou uma organização que conseguiu reduzir emissões de carbono pode vender uma espécie de 'licença para poluir' para quem está aquém da meta de redução de emissões.

O Brasil, que conseguiu em Montreal convencer os países a criarem um fundo dedicado à biodiversidade, deve chegar em Cali com outra proposta, lançada já nas negociações do clima: um mecanismo de investimentos apoiado em fundos soberanos para financiar a conservação das florestas tropicais, chamado de Florestas Tropicais para Sempre. O Itamaraty quer fortalecer a articulação com grandes detentores de florestas e com financiadores na COP da biodiversidade, mas só deve apresentar a forma final do mecanismo na COP29 do Clima, no próximo mês.

A convergência - e a possível concorrência - entre as negociações do clima e da biodiversidade é outro ponto que os diplomatas esperam ajustar nas próximas duas semanas.

As duas crises se retroalimentam: o aquecimento global já vem aumentando a extinção de espécies, que, por sua vez, torna o combate à crise climática ainda mais desafiador. De acordo com o último ciclo de avaliação do IPCC - sigla em inglês para o painel científico do clima da ONU, o mundo deve perder de 9 a 14% das espécies de todos os ecossistemas em um cenário muito próximo do atual, com aquecimento médio global de 1,5ºC. No último ano, o aquecimento já foi 1,36ºC superior à média histórica.

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Diferente do acordo climático, que tem metas de médio e longo prazo, o marco da biodiversidade impõe uma pressão urgente à negociação: após muitos atrasos para se chegar a um acordo, apenas seis anos nos separam do horizonte de contenção da perda irreversível da biodiversidade.

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