Ganhos com saneamento no Brasil podem superar R$ 816 bi, diz especialista

O acesso aos serviços de saneamento básico é amplamente desigual no Brasil. Atualmente, 32 milhões de pessoas vivem sem acesso à água potável, e mais de 93 milhões - isto é, cerca de 43% da população - carecem de coleta e tratamento de esgoto. Contudo, o cenário vem mudando desde a atualização do Marco Legal do Saneamento, que, em 2020, estabeleceu metas ambiciosas para a universalização dos serviços até 2033, como analisa Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil.

"Embora a legislação tenha incentivado o aumento nos investimentos e criado um senso de urgência para melhorar a cobertura, a expansão dos serviços é complexa. Em um cenário no qual os investimentos necessários para atender a toda a população são muito superiores aos valores alocados, é crucial compreender os impactos reais da desigualdade e explorar as soluções possíveis", afirma, em entrevista exclusiva a Ecoa.

Pretto aborda ainda de que maneira a universalização do saneamento básico no país impacta a evolução escolar de crianças e adolescentes e as disparidades de gênero e renda; além de questões como custos na saúde e em outras pastas econômicas das cidades.

"Em um ano marcado por eleições municipais, desastres climáticos e de preparação para a COP30, prevista para ocorrer em Belém em novembro de 2025 para discutir temas ambientais e sociais com os representantes de mais de 190 países, discutir as evoluções do saneamento é crucial na pauta ESG", diz Pretto. Leia a entrevista completa.

Ecoa: Qual o cenário atual do saneamento básico no país?

Luana Pretto: No Brasil, temos 32 milhões de pessoas sem acesso à água potável e mais de 93 milhões sem acesso à coleta e tratamento de esgoto. Essa falta de acesso está mal distribuída do ponto de vista geográfico, pois enquanto a região Norte apenas 64% da população têm acesso à água potável e 14% têm acesso à coleta e tratamento de esgoto, na região Sudeste os índices são de 91,3% e 80,5%, respectivamente.

Quando olhamos para os investimentos, os indicadores também são distintos. Enquanto na região Norte são investidos R$ 57 reais por habitante ao ano, no Sudeste o valor é R$ 130 reais. Desde 2020, com o Marco Legal do Saneamento, que visa garantir acesso à água potável para 99% da população e tratamento de esgoto para 90% até 2033, dezenas de bilhões de reais foram investidos, mas ainda é preciso agilidade e avanço nos serviços, especialmente ao considerarmos as áreas mais críticas.

Ecoa: Como a falta de saneamento básico impacta a vida das pessoas e a desigualdade socioeconômica?

Luana Pretto: No ano passado, o Brasil teve 191 mil internações hospitalares ligadas à falta de saneamento básico e mais de 2 mil mortes relacionadas ao problema. Quando alguém tem contato ou toma água não tratada, está exposto a doenças como leptospirose e diarreia.

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No caso das crianças, elas têm o desenvolvimento físico, intelectual e neurológico comprometido. Na primeira infância, por exemplo, a água pode ser uma fonte de constante adoecimento, o que afeta, por exemplo, a plena capacidade no aprendizado escolar. Hoje, quem tem acesso ao saneamento atinge uma escolaridade média de 12 anos, versus 10 anos apara quem não tem. O impacto chega à nota de exames como o ENEM, com até 60 pontos de diferença, dificultando a entrada na faculdade e a ascensão na vida adulta.

E, do ponto de vista do adulto que está sempre doente, ele perde a jornada de trabalho, sendo grande parte desses trabalhadores informais, que deixam de trazer a renda do dia para casa. No Brasil temos uma diferença de R$ 1.250 no salário entre quem tem acesso ao saneamento e quem não tem. Então, costumo falar que o acesso à água e à coleta e tratamento de esgoto é a base para o desenvolvimento econômico da sociedade de uma maneira geral.

Ecoa: Há maiores desafios quando fazemos um recorte de gênero?

Luana Pretto: Sim, as mulheres são as mais prejudicadas. No geral, são elas que deixam de trabalhar para cuidar do filho ou de outro familiar doente. Também são elas que acordam de madrugada para lavar roupa e louça quando esse é o único momento do dia com água na casa, ou ainda levam muito mais tempo para buscar água e fazer atividades que seriam simples se a água chegasse toda hora na torneira.

Ecoa: É possível que o Marco Legal do Saneamento alcance a universalização dos serviços até 2033?

Luana Pretto: O Marco trouxe a necessidade de se estabelecer uma comprovação de capacidade financeira do Estado para com os municípios e o avanço das licitações, nas quais empresas públicas e privadas podem concorrer. Assim, estabeleceu-se um senso de urgência para a universalização dos serviços.

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As estimativas apontam R$ 111 bilhões em investimentos até 2033, mas precisamos de ao menos R$ 230 bilhões para que todas as pessoas sejam atendidas pelo saneamento básico. E, é preciso entender que as estruturas e as obras são lentas, o que leva a uma demora na mudança dos indicadores. Ao mesmo tempo, uma evolução vem acontecendo porque quando a concessionária assume a licitação, ela já tem obras emergenciais que podem, por exemplo, parar de destinar o esgoto bruto a uma determinada localidade e começar a ter a água chegando aonde antes não chegava.

No atual cenário, podemos ter diferentes respostas sobre o cumprimento do Marco a depender das regiões. Isto porque aquele estado que sequer se movimentou terá muita dificuldade de cumprir as metas contando todo o tempo de estruturação das licitações, projetos e obras. Mas a região Sudeste e Sul estão encaminhadas, por exemplo.

Ecoa: Quais são os atores envolvidos com a melhora do saneamento no país?

Luana Pretto: A responsabilidade pela universalização do saneamento é do município. Ou seja, é do prefeito que será eleito neste ano, num momento crucial visto que temos menos de dez anos - pouco mais de dois mandatos - para universalizar o saneamento básico no país até 2033.

Nós, como cidadãos, temos um papel muito importante de entender se o candidato tem objetivos e metas de melhoria do saneamento básico. Nosso papel também é entender se a casa que eu moro tem acesso à coleta e tratamento de esgoto ou não. Digo isto porque, muitas pessoas, nunca olharam a tarifa para checar a informação. Há também a importância dos órgãos de controle, como as agências reguladoras que acompanham as operações e a expansão do saneamento básico.

Ecoa: Empresas privadas também devem se relacionar com o tema?

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Luana Pretto: Todos devem se envolver com o tema. Há exemplos diversos de empresas que não têm uma ligação direta com o setor de saneamento e movimentam as prefeituras das comunidades onde atuam porque entendem o impacto na região e no seu negócio. A Softys, fabricante de itens como papel higiênico e lenços de papel, por exemplo, tem construído banheiros e feito um trabalho de levar água à população. A empresa entende que as meninas no seu período menstrual, quando sem acesso ao saneamento adequado, ficam muito mais suscetíveis às doenças ginecológicas.

Para além da iniciativa privada, a despoluição do Rio Pinheiros, em São Paulo, é um case de sucesso pela integração do governo, Ministério Público e concessionária. O trabalho levou água para as comunidades mais vulneráveis, onde algumas pessoas nem mesmo sentiam mais o gosto da comida por conta do cheiro podre do rio. Ainda há outras coisas para fazer, mas já se vê uma evolução nesse caso.

Outro exemplo acontece no Rio de Janeiro, onde as pessoas das favelas estão trabalhando nas obras da concessionária de saneamento. Isto é importante pela geração de trabalho e renda e pelo envolvimento da comunidade no processo. Em Manaus a tarifa social tem um valor fixo de R$ 10 para o acesso à água e esgoto tratado. Além disso, essa pessoa passa a ter uma conta no nome dela e mais dignidade.

Ecoa: Ambos os casos, do Rio de Janeiro e de Manaus, são operados pela Aegea, certo? É uma forma de trabalho particular da concessionária?

Luana Pretto: Sim, eles trabalham a frente social de forma integrada ao negócio e usam o termo "licença social". Isto é, a ideia de que não se opera apenas entrando no lugar e querendo mandar. Operar na favela no Rio de Janeiro não é como operar no bairro nobre em São Paulo. É preciso envolver as comunidades.

Ecoa: O quanto as mudanças climáticas e eventos como as enchentes no Rio Grande do Sul afetam o cumprimento das metas?

Luana Pretto: As mudanças climáticas impactam muito os cenários. Do ponto de vista de captação de água, os rios estão com uma vazão menos constante. Então, o volume de água que existia numa determinada época hoje pode chegar à metade, fazendo com que as pessoas busquem outras fontes de captação. Os investimentos precisam de manobras no sistema de distribuição para aproveitar diferentes fontes de água tratada.

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Já no caso das inundações há o desafio do tratamento da água e a coleta de esgoto porque quando a água sobe há composto bruto para todo lado, ocasionando doenças como leptospirose, que tem impacto na vida das pessoas e no custo da saúde no país. É preciso um plano de segurança da água, considerando cada vez mais eventos extremos por conta das mudanças climáticas.

Ecoa: Como a COP30, prevista para ocorrer em Belém em novembro de 2025, impacta o cenário brasileiro atual?

Luana Pretto: Há a previsão de que Belém receba 70 mil pessoas para a COP30. Uma cidade na qual cerca de 3% do esgoto é tratado. Então, é uma imagem ruim do país, ainda mais num evento que se discute meio ambiente e clima. Ao mesmo tempo, se olharmos o copo meio cheio, é uma oportunidade de chamarmos atenção para o problema e mostrarmos resultados possíveis.

No Trata Brasil temos um estudo que traz as estimativas dos benefícios e dos custos da operação do saneamento para o período de 2021 a 2040. Ao longo desse tempo, espera-se que os benefícios com a universalização do saneamento alcancem R$ 1,455 trilhão em todo o país, sendo R$ 864 bilhões de benefícios diretos (renda gerada pelo investimento e pelas atividades e impostos recolhidos) e R$ 591 bilhões devido à redução de perdas associadas às externalidades. Os custos incorridos no período devem somar R$ 639 bilhões. Assim, os benefícios devem exceder os custos em R$ 816 bilhões, ou R$ 40,8 bilhões por ano, indicando um balanço social bastante promissor para o país.

O investimento melhora diretamente a vida das pessoas, mas também tem impactos como menor custo na saúde, melhoria na educação, valorização imobiliária, ganho com produtividade, turismo e muito mais. É essa conscientização que precisamos ter para a COP30 e para além dela, de forma que a universalização do saneamento básico ocorra.

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