Brasil lidera expedição inédita na Antártica sobre o aquecimento global

O Brasil lidera uma expedição internacional e interdisciplinar que parte hoje, dia 22 de novembro de 2024, para uma viagem de dois meses ao redor de toda a Antártica.

Um total de 61 pesquisadores de sete países — Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia — percorrerão aproximadamente 20 mil quilômetros para coletar dados atmosféricos, geofísicos, glaciológicos, biológicos e oceanográficos inéditos e avaliar como os ecossistemas antárticos estão respondendo às rápidas e preocupantes mudanças climáticas pelas quais o planeta vem passando.

Equipe da UFMG, UnB e UFV em frente ao navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov
Equipe da UFMG, UnB e UFV em frente ao navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov Imagem: Arquivo Pessoal/Luiz Rosa

Uma equipe formada por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade de Viçosa (UFV) irá desembarcar do navio por meio de helicópteros, em diferentes pontos ao redor da Antártica, para investigar a biodiversidade de microrganismos e plantas e associá-los aos tipos de solos onde habitam.

Este estudo visa identificar potenciais espécies novas, como organismos extremófilos adaptados não só a baixíssimas temperaturas (psicrofílicos), mas também à falta de luz sazonal e a ambientes mais secos (ultra-oligotróficos), já que, sobretudo no inverno, não há água disponível, porque ela está na forma de neve e gelo.

Queremos estudar como esses organismos se adaptaram a esses ambientes extremos e se podem ser utilizados em processos biotecnológicos para uso na medicina e agricultura para busca de antibióticos e substâncias para controle de pragas agrícolas, respectivamente, visto que estes organismos extremófilos podem possuir a capacidade e expressar vias metabólicas únicas para produção de substâncias bioativas ainda desconhecidas.

O mesmo grupo irá instalar sensores capazes de detectar a emissão de gases em solos em diferentes pontos da Antártica para avaliar como o aquecimento da região devido ao impacto das mudanças climáticas globais está "despertando" os organismos residentes no solo e liberando ainda mais CO2 na atmosfera da Antártica, fenômeno que pode contribuir para acelerar o aquecimento da região.

Dentre os solos avaliados o permafrost (tipo de solo que é permanentemente congelado) será um dos alvos, pois seu derretimento vem liberando muito CO2 e gás metano na atmosfera, o que intensifica ainda mais o aumento da temperatura na superfície do planeta.

Na ciência da neve , faremos medições em busca dos poluentes orgânicos persistentes (POPs). Vamos investigar até se sinais das imensas queimadas na América do Sul este ano chegaram à Antártica.

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O ar presente sob o oceano Atlântico até a Antártica também será monitorado a partir de experimentos de aerobiologia (estudos de micro-organismos e plantas presentes no ar).

Este experimento irá nos fornecer dados dos seres vivos que chegam e circulam na Antártica e que podem se estabelecer na região como espécies invasoras caso a temperatura da região continue aumentado. Ou aqueles que estão "aprisionados" na Antártica e podem sair da região e chegar até a América Latina e o resto no mundo vias correntes atmosféricas.

No final, vamos ter dados inéditos de toda a periferia da Antártica e, ao juntar tudo isso, podemos tentar interrelacionar as diferentes informações e obter uma imagem geral do meio ambiente antártico e como ele está respondendo a essas rápidas mudanças climáticas.

Se a Antártica deixar

Há um ano estamos planejando essa expedição, que é financiada pela fundação suíça Albédo Pour la Cryosphère, de estudo e preservação da massa de neve e do gelo planetário, e conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).

Mas uma expedição à Antártica é sempre uma incógnita. O que conseguiremos de fato realizar vai depender, é claro, das condições meteorológicas da região (fortes tempestades), do mar congelado (extensão do gelo marinho) e de uma série de fatores adversos e extremos presentes na região.

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Pode acontecer, por exemplo, do tempo mudar para condições desfavoráveis (ventos acima de 100 km/h) e impedir o trabalho. Temos um planejamento, mas precisamos também de planos alternativos para situações como essa.

Tentamos, por exemplo, sempre ter mais de um de todos os equipamentos que necessitamos, para o caso de defeito. Teremos também médicos no navio, e todos os participantes da expedição precisaram fazer um check-up físico e apresentar um atestado médico para embarcar.

Mas, para além das questões climáticas, técnicas ou mesmo médicas, talvez um dos maiores desafios de uma circum-navegação como essa seja a questão psicológica dos participantes, em razão do confinamento durantes dois meses de trabalhos intensos.

Todos os pesquisadores que embarcarão já têm alguma experiência em expedições polares, e são pessoas altamente capacitadas. Mas nem sempre é fácil permanecer em confinamento por tanto tempo, ainda mais em condições tão extremas.

Diplomacia da ciência

Apesar de todos os riscos e complicações, toda a equipe tem noção da relevância dessa missão internacional que é, antes de tudo, uma ação de diplomacia da ciência, onde grupos de diferentes nações tentam resolver problemas comuns usando a relação entre os pares científicos e não entre os Estados.

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Esta é a premissa do Tratado Antártico, do qual o Brasil é um dos 29 países signatários com direito a voz, voto e veto sobre o futuro da Antártica (cerca de 8% do planeta) com todos os seus recursos naturais (minerais e biológicos). Este é um dos poucos fóruns mundiais onde o Brasil tem o mesmo "poder" que grandes potências mundiais como EUA, China, Rússia, Inglaterra, França e outros possuem.

A liderança intelectual do Brasil nesta circum-navegação e a disposição dos pesquisadores em cooperar, em agir de maneira a dividir recursos e resultados, é um exemplo para todas as nações, que precisam começar a agir para salvar e preservar o planeta de uma ameaça que é comum a todos e se apresenta com muita clareza no continente antártico. É sempre bom reforçar que não temos um "plano B" para a Terra, temos que cuidar da nossa casa para as futuras gerações.

Luiz Henrique Rosa, Professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Jefferson Cardia Simões, Coordenador da expedição e professor titular de Glaciologia e Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.

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