OPINIÃO
Com solução brasileira, COP29 evita oposição trumpista para financiar clima
Ana Carolina Amaral
Colaboração para Ecoa, de Busan, na Coreia do Sul
23/11/2024 22h13
É melhor não ter acordo do que um acordo ruim? A máxima das negociações foi invertida na COP29 do Clima da ONU, encerrada no final da noite de sábado (23) em Baku, no Azerbaijão.
Diante de um cenário de ascensão das guerras e da extrema direita no mundo, os países - especialmente os mais vulneráveis ao clima - preferiram aceitar um acordo ruim para financiar o combate às mudanças climáticas a partir de 2025. A condição para um consenso foi amarrada pelo Brasil.
Prevista para terminar na sexta (22) após duas semanas de negociações, a COP29 seguiu travada e adentrou o final de semana em consultas aos países. De um lado, os blocos das pequenas ilhas e dos países menos desenvolvidos ameaçavam abandonar as negociações por não se sentirem ouvidos pela presidência sobre suas demandas.
Para eles, a nova meta de financiamento climático deveria estar na casa dos trilhões de dólares, com boa parte dos recursos vinda de doações ou empréstimos altamente concessionais, de modo a sustentar as políticas climáticas nos países em desenvolvimento sem criar dívidas.
De acordo com um estudo do Independent High-Level Expert Group on Climate Finance, o mundo deveria mobilizar US$ 1,3 trilhão anualmente para conseguir conter o aquecimento global em até 1,5 ºC.
A União Europeia, por outro lado, mostrou-se irredutível na posição de segurar um número bem inferior, entre US$ 200 e US$ 300 bilhões. O valor já representa um salto em relação ao compromisso anterior, que mirava a mobilização de US$ 100 bilhões anuais até 2025 - mas que não chegou a ser cumprido pelo bloco de países ricos.
O texto aprovado na noite deste sábado no Brasil - já nas primeiras horas de domingo no horário local - cita os dois números, firmando um piso de pelo menos US$ 300 bilhões e mantendo uma aspiração na direção do US$1,3 trilhão.
O problema é que a linguagem dos textos ficou fraca o suficiente para não sustentar a cobrança de compromissos dos governos envolvidos nas negociações, já que as duas metas citam a mobilização de recursos de fontes públicas e privadas.
Sem clareza sobre quem paga, em que ritmo e por quais métodos, os países em desenvolvimento ficaram encurralados ainda pela perspectiva de um futuro mais sombrio para as negociações: com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a obstrução americana ou sua saída do Acordo de Paris poderia inviabilizar qualquer meta financeira para o clima.
É aí que um acordo ruim se torna melhor do que um desacordo.
Desde a noite de quinta-feira (21), o Brasil passou a considerar que a saída de Baku se daria no caminho para Belém, já que a capital paraense deve sediar a COP30 do Clima em novembro do ano que vem.
Em costura com os diferentes blocos de negociação, os negociadores brasileiros passaram a propor que se acordasse um piso em Baku, a partir do qual o mundo pudesse seguir negociando. Com a definição dos US$ 300 bilhões, o processo multilateral garante uma cifra mínima, blindada de possíveis obstruções americanas.
Na tarde do sábado (23), os países concordaram em continuar a negociação no caminho entre Baku e Belém. Incluído na decisão final da COP29, o "roteiro Baku-Belém para US$ 1,3 tri" prevê discutir estratégias de mobilização de recursos - "como subsídios, empréstimos concessionais e não geradores de dívida, e medidas para criar espaço fiscal" - e deve produzir um relatório até a COP30.
O Brasil deve aproveitar a expansão da linguagem sobre finanças climáticas usada na declaração da G20 e também no texto da COP29, prevendo por exemplo o alinhamento com o clima em políticas de bancos multilaterais de desenvolvimento.
Embora negociadores considerem os US$ 300 bilhões como o 'compromisso para valer', o Brasil reforça que o US$ 1,3 trilhão deve se manter na mira dos países - ao menos como narrativa política. O país tem defendido que o US$ 1,3 tri é o número correspondente ao 1,5ºC.
A linguagem do texto aprovado na COP29, no entanto, dá forças distintas aos dois números e, também na diplomacia, o diabo mora nos detalhes.
A decisão sobre o número mais alto "conclama todos os atores a trabalharem juntos para viabilizar a ampliação do financiamento, provenientes de todas as fontes públicas e privadas, para, no mínimo, US$ 1,3 trilhão por ano até 2035".
Já o compromisso que poderá ser cobrado das nações ricas ganhou a seguinte redação: "decide estabelecer uma meta, com os países desenvolvidos assumindo a liderança, de pelo menos US$ 300 bilhões por ano até 2035 para os países em desenvolvimento, destinada a ações climáticas".
O trecho 'assumindo a liderança' implica na dissolução da responsabilidade histórica dos países desenvolvidos pela crise climática, que aos poucos passa a ser compartilhada com as economias emergentes, especialmente a China, tanto em termos de emissão de gases-estufa quanto de condição para financiar ações climáticas.
O parágrafo seguinte da decisão reforça o chamado às economias emergentes para também contribuir ao financiamento climático: "incentiva os países em desenvolvimento a fazerem contribuições, incluindo por meio da cooperação Sul-Sul, de forma voluntária". O trecho, conquistado pelo bloco rico no final das negociações, faz eco ao pleito de que a base de financiadores do clima deveria ser ampliada. A China aceitou o texto sob a condição de frisar que seus investimentos são voluntários, diferentemente da responsabilidade obrigatória dos ricos.
Na posição de presidente da COP30, o Brasil deve também continuar uma missão costurada pela sua condução no G20: a de dar transversalidade às finanças climáticas.
O país defendeu no G20 o alinhamento dos fluxos financeiros à agenda climática - o que vai muito além da simples transferência de recursos de nações ricas para o mundo em desenvolvimento.
A mensagem teve eco na decisão COP29, que pede alinhamento a instituições financeiras internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento, e agora precisa ganhar traduções práticas no caminho para Belém - onde a COP30 já contará com uma delegação americana sob comando trumpista.
Cada vez mais fragmentados e desconfiados, os blocos de países contam com a criatividade da liderança brasileira. Ela não será suficiente para conter a crise climática, mas mostrou, em Baku, ser capaz de manter o mundo conversando.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL