Cientista usa matemática para convencer agronegócio de crise climática

Como a demanda global por soja e carne bovina afeta o desmatamento no Brasil em números? Foi a partir dessa pergunta que a pesquisadora brasileira Aline Soterroni criou um modelo matemático para prever cenários futuros relacionados ao desmatamento e às mudanças climáticas no Brasil.

"A modelagem matemática indica o atalho para acabar com desmatamento e evitar que o Brasil seja excluído dos mercados internacionais", disse Aline, pesquisadora da Universidade de Oxford, no TEDx Amazônia, no último sábado (30), em Manaus.

A pesquisadora fez simulações a partir de dois cenários, tendo como base a lei antidesmatamento da União Europeia, que prevê a proibição da importação de soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e madeira (seja a commodity ou o produto derivado) originários de áreas desmatadas.

No primeiro modelo, Aline estimou quanto desmatamento seria evitado se todos os exportadores brasileiros de soja e produtos bovinos se adequassem à lei para vender para a Europa. No segundo, levantou o que aconteceria se apenas os seis maiores exportadores de soja e os três maiores de carne seguissem a mesma lei, porém, para todas as suas exportações, inclusive para a China.

O resultado é surpreendente. O primeiro cenário indica uma redução importante, mas que é apenas uma fração do que as 9 maiores podem conseguir, que é mais da metade do que se preservaria se o código florestal fosse implementado integralmente no país, explica a cientista.

Sem poder detalhar os dados e citar as empresas estudadas porque a pesquisa ainda está em fase de publicação, Aline sabe que o tema é espinhoso. Afinal, o agronegócio responde por cerca de 20% do PIB do país. Mas ela acredita no poder de falar a língua do mercado. "O povo da mercadoria entende números", diz a pesquisadora, adotando a expressão do líder yanomami Davi Kopenawa.

Sem floresta, sem água. Sem água, sem comida. Sem comida, sem vida. Aline Soterroni

Aline reforça a importância de zerar o desmatamento, uma vez que a agricultura brasileira depende de ecossistemas saudáveis. Ela chama atenção para o Cerrado, uma "zona de sacrifício". Com mais de 50% do bioma já desmatado, suas funções de armazenamento de água e controle climático estão em risco. "Sem o Cerrado, nossa caixa d'água, a segurança hídrica do país fica ameaçada", afirmou Aline em entrevista após sua apresentação. A legislação atual, que exige a proteção de 80% da vegetação nativa em propriedades na Amazônia, prevê que apenas de 20% a 35% do Cerrado seja preservado.

Outro ponto crítico na avaliação da cientista é a desconexão entre modelos globais e regionais. "Os modelos globais sugerem soluções que nem sempre fazem sentido para o Brasil. Precisamos de abordagens que considerem a biodiversidade local", defende Aline.

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Apesar de avanços em legislações internacionais e locais, Aline alerta que essas medidas precisam ser acompanhadas de transparência e rastreamento nas cadeias produtivas para evitar "vazamentos", situações em que o impacto ambiental é apenas transferido para outros mercados.

Zerar o desmatamento é o primeiro passo. Mas também é necessário restaurar ecossistemas e adotar práticas agrícolas sustentáveis, explica, destacando a importância da biodiversidade. "Ela vai garantir adaptação e aumento de resiliência aos eventos climáticos cada vez mais frequentes. Então não é só reduzir carbono, mas é investir na natureza", conclui.

Nas próximas fases da pesquisa, Aline pretende expandir seus modelos e investigar mais a fundo os cenários para engajar as empresas na luta contra o desmatamento.

*A jornalista viajou a convite do TEDx Amazônia

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