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Fazenda aumenta produção de carne com sistema que evita desmatamento

Sistema ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta) Imagem: Gabriel Faria / Rede ILPF

Rone Carvalho

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

06/12/2024 05h30

Há cem anos, preservar e produzir era visto como algo impossível de caminhar junto na agropecuária brasileira. Com o avanço da ciência, essa ideia caiu por terra. Hoje, agricultores sabem que preservar e produzir não é só possível como também vantajoso.

Conhecido como ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), a técnica que permite que propriedades rurais produzam mais protegendo o meio ambiente, ao usar menos terra e sequestrando carbono da atmosfera, consiste em uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área.

O sistema que pode ser realizado em cultivo consorciado, sucessão ou rotação, possibilita que a propriedade produza durante todo ano. Por isso, tem sido cada vez mais adotado por produtores rurais no Brasil.

Para se ter uma ideia, em 2005, o país tinha 2 milhões de hectares que adotavam o sistema de integração. Já, em 2024, esse número chegou a 17,43 milhões de hectares, dos quais 83% são ILP (integração lavoura-pecuária), 9% são ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), 7% são IPF (integração pecuária-floresta) e 1% é ILF (integração lavoura-floresta).

Na lista de estados com mais hectares com integração estão: Mato Grosso do Sul (3,16 milhões de hectares), Mato Grosso (2,28 milhões de hectares) e Rio Grande do Sul (2,21 milhões de hectares).

Marize Porto, proprietária da Fazenda Santa Brígida, em Ipameri (GO) é uma das produtoras brasileiras que investem na técnica. Desde 2005, sua propriedade aposta na integração como forma de produção.

"Com a morte do meu marido tive que decidir entre vender ou assumir a fazenda, que era de pecuária e estava em estado crítico, com solos degradados, improdutivos, gerando grandes prejuízos. Precisava de uma intervenção imediata. Então procurei ajuda na Embrapa, onde encontrei a tecnologia dos sistemas integrados, que parecia ser a solução dos problemas da fazenda", conta.

Inicialmente, Marize apostou na integração lavoura-pecuária (ILP) para renovar os pastos com os custos amortizados pela agricultura. Depois, em 2009, inseriu o componente florestal e a propriedade se tornou ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta).
"Enfrentamos todas as dificuldades dos iniciantes em um sistema novo, ainda desconhecido, como dificuldades para obtenção do crédito bancário, formação de equipe, máquinas e equipamentos agrícolas, clima, compra e uso dos insumos, comercialização. Mas no final deu tudo certo".

A Fazenda Santa Brígida, no interior de Goiás, é considerada pela Rede ILPF - associação criada, em 2012, com o objetivo de intensificar a sustentabilidade da agropecuária brasileira -, um caso de sucesso dos sistemas de integração na recuperação de pastagens do Brasil.

Em quase duas décadas, a produção de carne na fazenda passou de 75 quilos por hectare, em 2006, para 942 quilos por hectare no ano de 2023. No mesmo período, as produtividades médias de soja e de milho também ficaram mais altas e passaram, respectivamente, de 2,7 toneladas por hectare para cerca de 4,4 toneladas por hectare (aumento de 63% na produtividade) e de 5,4 toneladas por hectare para 11 toneladas por hectare.

"Hoje, além do valor econômico, a floresta plantada na propriedade promove o sombreamento e conforto animal e tem um importante papel na preservação ambiental com o sequestro e a fixação no solo dos gases de efeito estufa emitido pelos animais, proporcionando a 'carne carbono neutro', um produto rastreável, certificável e sustentável", diz Marize.

Como funciona

No sistema ILPF, o produtor planta árvores entre as áreas de cultivo e pecuária, e os animais aproveitam da sombra. Imagem: Gabriel Faria / Rede ILPF

O sistema ILPF funciona com atividades alternadas. Nela, o produtor planta árvores entre as áreas de cultivo e pecuária. Consequentemente, os animais aproveitam da sombra. Isso diminui o estresse térmico dos bois e vacas que tendem a engordar e produzir mais leite, respectivamente.

"Quando as árvores estão no sistema, a sombra melhora o conforto térmico para os animais, resultando em menor gasto de energia e em um melhor balanço hormonal, o que interfere sobremaneira na precocidade, desempenho sexual e ganho de peso", diz Luciano Lopes, médico veterinário, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril.

Uma pesquisa realizada pela Embrapa Cerrados comprova que, enquanto na sombra as vacas são capazes de produzir, em média, 11 litros de leite por dia, no sol, a quantidade é de 9 litros.

Segundo Lopes, uma condição térmica mais confortável também interfere positivamente na resposta do sistema imunológico dos animais. "Consequentemente, ocorrerão infecções ou infestações mais brandas, reduzindo o impacto financeiro", diz Lopes.
Estudos feitos pela Embrapa em parceria com algumas universidades também demonstram que a floresta propicia que o solo dos sistemas ILPF sejam mais férteis.

O médico veterinário Luciano Lopes, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril. Imagem: Arquivo Pessoal

"A disponibilidade de alimento em abundância e com maior teor de proteína estão entre os fatores que aumentam o ganho de peso, reduzindo o tempo necessário para chegarem ao peso de abate, no caso de machos, ou à puberdade, no caso das fêmeas", falou Lopes.

Entre as espécies de árvores que podem ser plantadas na floresta do sistema de integração estão eucalipto, teca, baru e pequi. Outras espécies são o mogno africano, pinus e grevílea, para fins madeireiros; baru e gliricídia, para alimentação dos animais; e coqueiro, babaçu, macaúba, para colheita dos frutos.

Nas áreas destinadas à lavoura, a maioria dos produtores rurais no Brasil cultiva soja na primeira safra; e milho, na segunda safra. A soja é cultivada entre outubro e janeiro. E o milho, plantado em consórcio com capim, de modo a manter a planta forrageira após a colheita do grão, geralmente é cultivado entre fevereiro e junho.

Contudo, também já existem experiências de sistemas ILPF com cultivos de cevada e trigo no Sul; palma forrageira no Nordeste; e arroz de sequeiro, feijão, feijão-caupi, sorgo e mandioca em outras regiões do país.

Benefícios

A engenheira agrícola e especialista técnica da Rede ILPF Fernanda Granja afirma que propriedades rurais que adotam o sistema de integração tendem a fazer menos uso de fertilizantes na lavoura.

Segundo ela, a diversificação de cultivos e a interação entre os componentes promovem a ciclagem de nutrientes no solo. Assim, o aumento da cobertura vegetal, principalmente em sistemas com floresta e pastagem, contribui para a formação de matéria orgânica no solo e retenção de água.

A engenheira agrícola Fernanda Granja Imagem: Arquivo Pessoal

"A matéria orgânica melhora a capacidade de retenção de nutrientes, diminuindo a necessidade de aplicação de fertilizantes químicos. Em muitos sistemas integrados, a introdução de leguminosas melhora a fertilidade do solo por meio da fixação biológica de nitrogênio atmosférico (com a soja), um dos principais nutrientes para o crescimento das plantas", explica a engenheira agrícola.

Granja também diz que os sistemas integrados ajudam a proteger o solo contra erosão, melhorando sua estrutura e contribuindo para a retenção da camada superficial que é a mais rica em nutrientes. "Desta forma, tem-se um ambiente mais equilibrado, com menos necessidade de insumos externos para corrigir os problemas de fertilidade".

Outro benefício propiciado pela implantação da integração na propriedade é que o sistema contribui para a agropecuária de baixo carbono ou até de emissões neutras ou negativas (quando há maior sequestro do que emissões).

O setor agropecuário colabora para emissão de gases do efeito estufa seja pela chamada fermentação entérica - o ruminar do gado - ou pelo manejo de dejetos de animais.

"A disponibilidade de forragem de melhor qualidade faz com que o gado ganhe peso mais rapidamente, reduzindo o ciclo de engorda ou de reprodução. Consequentemente, há menor emissão de metano por quilograma de carne produzida. Além disso, nos sistemas com uso do componente florestal, as árvores sequestram carbono transformando-o em madeira e raízes", diz Flávio Wruck, agrônomo, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril.

Assim, somado ao fato de ser uma tecnologia de baixo carbono, os sistemas ILP e ILPF são adotados como estratégia para recuperação de pastagens degradadas, transformando áreas de baixa produtividade e altas emissões em áreas de baixo carbono.

O agrônomo Flávio Wruck, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril. Imagem: Arquivo Pessoal

"A ILP, por exemplo, tem papel importante na conversão de pastagens com algum nível de degradação em áreas de alta produtividade. A receita da agricultura custeia a recuperação da pastagem, e os sistemas com árvores mitigam as emissões de gases de efeito estufa, proporcionando maior conforto térmico aos animais e suprindo boa parte da demanda por madeira", diz Wruck.

Francisco Matturro, presidente Rede ILPF, ressalta que o sistema integrado de produção Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) é chave no processo de descarbonização da agropecuária brasileira. "Enquanto as pastagens degradadas emitem carbono, as pastagens bem manejadas, recuperadas, convertidas e de boa qualidade sequestram carbono".

Principais desafios

Apesar de uma série de benefícios, o sistema ainda encontra resistência por parte de alguns produtores rurais. Em muitos casos, eles não querem abandonar os meios tradicionais de produção, a mão-de-obra de baixa qualificação e a necessidade de um maior investimento financeiro inicial.

"Apesar desses desafios, esses sistemas de produção têm apresentado bons resultados e com isso, aos poucos, vêm conquistando os produtores e as empresas rurais", diz Fernanda Granja.

No Brasil, normalmente, primeiro os produtores rurais adotam o sistema ILP (integração lavoura-pecuária) e, em seguida, inserem a floresta na propriedade.

Maurel Behling, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril Imagem: Arquivo Pessoal

"Logo, a ampliação da adoção das modalidades com o F deve estar atrelada a existência de mercado para os produtos madeireiros ou não madeireiros, dentro de uma logística favorável, e com a disponibilidade de profissionais capacitados para dar o suporte técnico adequado aos produtores", ressalta Maurel Behling, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril.

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