Escopo 3: como 3 empresas se destacam na descarbonização da cadeia de valor
A descarbonização tornou-se um imperativo estratégico para empresas que buscam crescer de forma sustentável. O desafio, porém, vai além das operações diretas de cada negócio por abranger a cadeia de valor, o chamado escopo 3.
As emissões de GEE (gases causadores do efeito estufa) são divididas em três tipos:
Escopo 1: emissões geradas diretamente pelas operações
Escopo 2: emissões indiretas provenientes da energia elétrica adquirida para uso da companhia
Escopo 3: emissões indiretas associadas às atividades, incluindo cadeias de suprimentos, uso de produtos e descarte
O escopo 3 é, geralmente, o mais complexo de mensurar, pois exige o engajamento de toda a cadeia de suprimentos e maior volume de dados. De acordo com um relatório do CDP, as emissões da cadeia de suprimentos são 26 vezes maiores do que as emissões operacionais.
"A identificação dos tipos de emissão é guiada por normas, sendo a principal delas o GHG Protocol, compatível com a ISO 14.064. As normas definem os requisitos mínimos de um inventário de GEE, como o estabelecimento de um ano-base, a definição dos limites operacionais e organizacionais, entre outros", afirma Henrique Pereira, co-fundador e COO da consultoria WayCarbon.
Para Guilherme Ponce, do CDP, os maiores desafios para mitigar o escopo 3 incluem a falta de dados rastreáveis, a complexidade interna e a ausência de padronização nas métricas. Ele defende uma abordagem integrada, que combine engajamento da cadeia, metas claras, investimentos em tecnologia e uma governança climática dedicada.
"Para implementar uma estratégia de medição eficaz, é necessário alinhar várias áreas internas, como sustentabilidade, TI e finanças. Esse alinhamento pode ser desafiador, especialmente em empresas com estruturas complexas e processos descentralizados", diz.
"As empresas precisam tratar as emissões como parte estratégica do negócio. O reconhecimento das falhas é o primeiro passo para melhorar. Assim como no mercado financeiro, lidar com números desfavoráveis pode gerar avanços significativos", conclui Pereira.
Desafios específicos
Nesse cenário, a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), uma das empresas de referência no tema de acordo com o CDP, se destaca ao produzir alumínio com emissões de CO2 equivalente 3,5 vezes menor que a média mundial e ao assumir o compromisso de neutralizar suas emissões até 2050.
Na empresa, um piloto foi realizado após a avaliação dos insumos mais representativos para o escopo 3. Para a escolha dos fornecedores no piloto, considerou-se o nível de maturidade por meio de critérios ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança), além da representatividade no impacto de emissões.
"Temos o Programa Suprimento Sustentável, no qual 97% dos fornecedores foram avaliados considerando critérios ESG no processo de homologação. Desde o ano passado também temos workshops focados em descarbonização, que nos mostram como a partir do momento que o cliente cobra, os fornecedores trabalham para a mudança, inclusive os menores, com os quais há maior estigma do mercado no tema", diz Raquel Montagnoli, gerente de sustentabilidade da CBA.
Com essas iniciativas, a companhia, que tem como meta aprovada pela SBTi (Science Based Targets initiative) reduzir em 13,5% as emissões de escopo 3 em todas as unidades até 2030 em relação a 2019, já alcançou 20,6% de redução.
Boas perspectivas
Embora o Brasil ainda não exija legalmente a mitigação de GEE no escopo 3, a criação do mercado de carbono brasileiro deve acelerar esse processo. Empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de CO2 equivalente por ano terão adesão obrigatória ao sistema.
Na Europa, por exemplo, o preço do carbono ultrapassou 100 euros por tonelada em 2023, incentivando o uso de tecnologias verdes.
"Atualmente, as empresas não têm a obrigação de divulgar suas emissões por escopo, mas aquelas que estão mais maduras e aderem às metas públicas do SBTi precisam ter uma meta de escopo 3, caso ele represente 40% ou mais do total das emissões, como é o caso da CBA. Agora, a regulação do mercado aumenta a adesão do que outras já fazem de forma voluntária", diz Henrique Pereira.
Responsabilidade compartilhada
Para além de nortear a própria cadeia de valor, é preciso considerar o quanto as emissões de uma empresa são determinantes como escopo 3 dos clientes. A Votorantim Cimentos, por exemplo, entende que ser menos emissora é uma vantagem competitiva para os negócios, considerando que ela faz parte da cadeia de outras companhias.
"O escopo 3 na indústria do cimento é de 15% a 20% do total, não nos obrigando a ter uma meta SBTi nessa frente. Mas é preciso responsabilidade e entendimento de que nossa emissão impacta as metas dos clientes", diz Fábio Cirilo, gerente de Ecoeficiência e Energia da Votorantim Cimentos.
Desde 2018, a empresa tem certificações em produtos com melhor pegada ambiental, por meio do The International EPD® System e da avaliação de todas as fases do ciclo de vida, desde a extração da matéria-prima, fabricação, transporte e uso.
"Essa é uma forma de o nosso cliente escolher o produto com melhor pegada ambiental e medir seu escopo 3 com precisão, já que tudo é registrado e transparente".
Já em relação ao escopo 3 da própria Votorantim Cimentos, a empresa opta por compras mais sustentáveis. Em 2023, 54% dos insumos foram de compras locais, que consideravam as distâncias dos transportes - e consequentemente as emissões. A companhia também trabalha com a conscientização dos fornecedores e substituição de insumos.
Com apoio da tecnologia
Para a evolução nos próximos anos, a tecnologia é fundamental, como percebe a companhia de energia CPFL, uma das reconhecidas pelo CDP. Com o compromisso de atingir pelo menos 85% dos gastos com empresas que possuem práticas avançadas de sustentabilidade até 2030, a empresa usa a tecnologia para a coleta e automatização de dados, assim como no suporte com a cadeia.
"Em novembro tivemos a participação de 120 fornecedores em uma agenda de descarbonização, abordando conceitos de inventário de emissões, metodologia, entre outros. Neste cenário, a tecnologia usada para o mapeamento permite entender quais fornecedores são mais avançados e podem ter novas exigências", diz Natália Tadokoro Ricci, gerente de Sustentabilidade na CPFL Energia.
No ano passado, com boas práticas de engajamento dos fornecedores, a CPFL registrou uma redução de 2% das emissões brutas do escopo 3, que somaram 307,77 mil tCO2, e mostram o tamanho do desafio.
De acordo com Henrique Pereira, da WayCarbon, as empresas precisam tratar as emissões de GEE como uma área estratégica do negócio. Isso inclui reconhecer falhas e trabalhar na solução, mesmo quando os números não são favoráveis.
"Estamos em um momento de aumento da maturidade nas práticas, e isso passa por reconhecer o que é preciso melhorar. Emissões de GEE são um tema tão complexo quanto os do mercado de capitais, por exemplo. Do mesmo jeito que analistas lidam com dados financeiros que estão abaixo das expectativas, precisam lidar com aumento das emissões e identificar o problema para ter um avanço coerente".
Para alcançar resultados concretos, as empresas devem atuar em quatro frentes principais, segundo o CDP: engajar proativamente fornecedores, definir metas claras e ambiciosas, investir em tecnologia para rastreamento e monitoramento e criar uma governança climática dedicada. "Esses fatores combinados tornam o processo de medição e divulgação do escopo 3 uma jornada contínua de aprendizado e adaptação", conclui Guilherme Ponce, do CDP.
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