2024 é o ano mais quente já registrado e primeiro a superar limite de 1,5ºC
Patrícia Junqueira
De Ecoa, em São Paulo
10/01/2025 00h00
Está confirmado. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, com temperatura média global de 15,10°C, ou 1,6°C acima do período pré-industrial, de acordo com o observatório europeu Copernicus. Isso faz de 2024 o primeiro ano a romper a barreira de 1,5ºC estabelecida no Acordo de Paris.
O aumento da temperatura global está diretamente ligado à crescente concentração de GEE (gases de efeito estufa) na atmosfera, um resultado direto das atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis, com uma participação menor de fenômenos naturais, como o El Niño.
"Estamos enfrentando um novo desafio climático para o qual não estamos preparados", afirmou Carlo Buontempo, diretor do Copernicus, em entrevista coletiva para apresentar os resultados. "É um desafio monumental", completou, ao ressaltar a importância do uso dos dados para que a sociedade se prepare para enfrentar com segurança os eventos extremos resultantes da mudança climática.
"É o maior desafio que a humanidade já enfrentou", afirma o climatologista e colunista de Ecoa Carlos Nobre. Ele explica que, para impedir o aquecimento global acima de 2ºC, é necessário que o mundo atinja a neutralidade e carbono até "no máximo" 2040.
"Isso é extremamente preocupante. A aceleração das mudanças climáticas globais devido à falta de redução de emissões de combustíveis fósseis está levando o planeta para uma situação absolutamente emergencial. A indústria do petróleo e de energia em geral pode estar condenando 8 bilhões de pessoas a um clima extremo", disse o físico e pesquisador Paulo Artaxo ao comentar os dados para Ecoa.
O que aconteceu?
A temperatura média global registrada em 2024 foi de 15,10°C, 0,12°C acima de 2023, até então o ano mais quente. Isso significa 1,6°C acima da temperatura média estimada para o período entre 1850 e 1900, o chamado nível pré-industrial, que serve de parâmetro para o acompanhamento do aquecimento global.
2024 é o primeiro ano a romper o limite de 1,5°C acima do nível pré-industrial estabelecido pelo Acordo de Paris.
Com exceção de julho de 2024, todos os meses desde julho de 2023 ultrapassaram o nível de 1,5°C.
Cada um dos últimos 10 anos, de 2015 a 2024, é um dos 10 anos mais quentes já registrados.
Os dados não são uma surpresa. O observatório já havia previsto no relatório de outubro de 2023 que um novo recorde era esperado. Em novembro, já era estimado que o limite de 1,5ºC fosse rompido. Um mês depois, os cientistas disseram que era "virtualmente certo" que 2024 seria o mais quente já registrado.
"Essas altas temperaturas globais, juntamente com os níveis recordes globais de vapor de água na atmosfera em 2024, significaram ondas de calor sem precedentes e chuvas intensas, causando miséria a milhões de pessoas", afirma Samantha Burgess, líder estratégica para o clima no Copernicus.
O Acordo de Paris foi quebrado?
Não. Para que o Acordo de Paris seja considerado rompido, é necessário que a temperatura média global ultrapasse 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais de forma prolongada. Conforme estabelecido pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), o tratado leva em conta anomalias de temperatura de longo prazo, calculadas com base em médias ao longo de pelo menos 20 anos, explicou Burgess em entrevista coletiva sobre os resultados de 2024.
O Acordo de Paris é um tratado internacional adotado em 2015 durante a COP21 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), na capital francesa. Ele tem como principal objetivo combater as mudanças climáticas, limitando o aumento da temperatura média global a 2°C acima dos níveis pré-industriais, com esforços para restringi-lo a 1,5°C.
Emissões de GEE não param de crescer
"Os nossos dados apontam claramente para um aumento global constante das emissões de GEE e eles continuam a ser o principal agente das alterações climáticas", diz Laurence Rouil, diretora do CAMS (Serviço de Monitoramento Atmosférico do Copernicus).
As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono e metano, os mais potentes causadores do aquecimento, atingiram níveis anuais recordes em 2024, com 422 partes por milhão (ppm) e 1.897 partes por bilhão (ppb), respectivamente.
"Estamos jogando 62 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa a cada ano na atmosfera e ela não tem a menor condição de realmente absorvê-los", afirma Artaxo.
O caminho para o recorde
Sob efeito de um intenso fenômeno El Niño, um dos cinco mais fortes já registrados de acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial), a primeira metade do ano foi particularmente quente, o que tornou muito provável que 2024 superasse 2023 como o mais quente já registrado.
De acordo com os dados do Copernicus, cada mês superou as temperaturas globais de qualquer ano anterior, em uma série de 13 meses de temperaturas mensais recordes que terminou em junho.
Em julho, as anomalias de temperatura global continuaram significativamente acima da média, com destaque para 22 de julho, o dia mais quente já registrado, com média global de 17,16°C, diz o relatório do observatório europeu.
As altas temperaturas da superfície do mar foram um dos principais fatores por trás das elevadas temperaturas globais em 2023 e 2024. Mesmo com o fim do evento El Niño e a transição para condições mais neutras no Pacífico equatorial oriental, muitas regiões continuaram a registrar temperaturas da superfície do mar excepcionalmente altas, mantendo a média global acima do normal. Em 2024, a média anual nos oceanos extratropicais atingiu um recorde histórico.
"Os oceanos estão se comportando de forma diferente, demorando mais para resfriar do que em anos anteriores", disse Burgess ao falar sobre motivos que causaram recordes tão elevados nas temperaturas em 2023 e 2024. A cientista destacou, no entanto, que fatores naturais, como a redução das nuvens baixas e o El Niño, tiveram contribuições muito pequenas quando comparados às emissões de gases de efeito estufa.
A boa notícia é que os dados recentes indicam que os oceanos estão passando para um estado neutro: em dezembro foi registrada queda na temperatura da superfície dos oceanos. "É justo afirmar que 2025 será um dos três anos mais quentes já registrados, mas menos quente que 2023 e 2024", afirmou a cientista.
Com base em estudos paleoclimáticos, estima-se que a Terra só teve temperaturas dessa magnitude no último período interglacial, 125 mil anos atrás, que foi um dos mais quentes dos últimos 800 mil anos. "É importante ressaltar que as bases comparativas são diferentes e essa estimativa usa dados paleoclimáticos, como isótopos de oxigênio", explica Burgess.
As temperaturas elevadas desencadearam eventos extremos em todo o mundo. Tempestades severas, inundações, ondas de calor e incêndios florestais aumentaram em frequência e intensidade. A quantidade de vapor d'água na atmosfera alcançou um recorde, 5% acima da média de 1991-2020.
"Essa maior quantidade de vapor d'água na atmosfera favorece grandes cheias, como a que tivemos no Rio Grande do Sul, os eventos climáticos extremos de fortes chuvas. Uma das áreas mais sensíveis impactadas pelas mudanças climáticas globais são as regiões tropicais, como o Brasil. É importante que a população saiba que o Brasil é um dos países que mais têm a perder com o agravamento do aquecimento global", diz Artaxo.
O estresse térmico foi uma preocupação crescente em 2024, com grande parte do globo experimentando mais dias de "forte" ou "extremo" estresse térmico do que a média, exigindo medidas preventivas contra insolação. A condição ocorre quando o corpo é exposto a temperaturas extremas, baixas ou altas, mas principalmente calor intenso, e não consegue se resfriar adequadamente e se manter nos 36,5°C.
Em 10 de julho, cerca de 44% do globo foi impactado por "estresse térmico forte" a "extremo". Isso representa 5% a mais em comparação com o máximo anual médio.
Secas prolongadas alimentaram incêndios florestais em regiões como Brasil, Canadá, Bolívia e Venezuela, que registraram níveis históricos de emissões de carbono associadas.
O Brasil registrou 278.229 focos de incêndio durante todo o ano de 2024, pior número desde 2010, quando houve 319.383 ocorrências deste tipo. Os focos de incêndio aumentaram 46% em relação aos 189.891 registros de 2023, segundo dados do programa BD Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O gelo marinho no Ártico e na Antártida também mostrou sinais alarmantes de declínio. Enquanto a Antártida registrou mínimos históricos pelo segundo ano consecutivo, o Ártico apresentou uma extensão de gelo significativamente abaixo da média no segundo semestre, de acordo com o Copernicus. Esses indicadores reforçam os desafios impostos pelo aquecimento global e a urgência de ações climáticas.
Para o professor Paulo Artaxo, o relatório reforça a urgência de o mundo se concentrar em formas de adaptação ao novo clima. "Quanto mais cedo fizermos isso, menor será o efeito nas populações mais vulneráveis. A pesquisa de adaptação climática, além da pesquisa em como acelerar a mitigação das emissões, é muito importante", completa.
"Todos os conjuntos de dados de temperatura global produzidos internacionalmente mostram que 2024 foi o ano mais quente desde que os registros começaram em 1850. O futuro está nas nossas mãos - uma ação rápida e decisiva ainda pode alterar a trajetória do nosso clima futuro", disse Carlo Buontempo, diretor do Copernicus.