Invasão 'alienígena' de planta mata bichos e trava barcos, mas há uma saída


Colaboração para Ecoa
14/01/2025 05h30
O jacinto-de-água ou aguapé, uma planta considerada "alienígena" e de lindas flores, poderá ser transformada em plástico capaz de auxiliar no reflorestamento. A proposta é da startup queniana HyaPak Ecotech Limited.
Flor se tornou praga
O jacinto-de-água, de tom lilás impressionante, é considerado uma praga perigosa no Quênia. O IPBES (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, organização fundada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) classificou a planta em 2023 como a "espécie alienígena mais invasiva do mundo" —alienígena porque ela foi introduzida na área pela ação humana e invasiva por ter um dos impactos mais extensos e danosos aos ecossistemas de que se tem notícia.
O Lago Naivasha, a noroeste de Nairóbi, tem se tornado difícil de navegar por causa da presença da planta. Ela não só recobre quase toda a água como sufoca os peixes. Outras espécies animais e vegetais do lago também têm morrido sem luz ou oxigênio devido à reprodução desenfreada do jacinto-de-água, que tem capacidade de reprodução exponencial.
Pescadores locais já perderam suas redes e, em alguns casos, ficaram presos no lago por dias, sendo resgatados pelo governo de helicóptero. Já a indústria de flores nas terras úmidas da região corre o risco de ir à falência pela perda de área de cultivo para a praga. Sistemas hidrelétricos e de irrigação também acabam entupidos pelo jacinto, que espalha seu impacto negativo em uma área bem maior do que o entorno do lago.
O problema é tão grave atualmente que pode ser visto do espaço, segundo reportagem da rede americana CNN. O IPBES ainda estimou em 2019 que o custo econômico global da planta e de outras espécies invasoras tenha ultrapassado US$ 423 bilhões (R$ 2,58 trilhões) anuais.
Natural da América do Sul, a planta foi introduzida em outros continentes como a África como planta exótica ornamental. Mas ela se espalhou mais do que o previsto e tomou conta de corpos de água fresca, o que a torna uma espécie invasora em quase todo o mundo, exceto na Antártida.
Plástico pode salvar florestas
Bioplástico pode ser a solução não só para se livrar da planta, mas para reflorestar o Quênia. A empresa fundada pelo jovem engenheiro civil e ambiental Joseph Nguthiru, escolhido como um líder africano pela Obama Foundation, começou em 2022 ainda como um projeto de conclusão de seu curso superior na Universidade Egerton, a mais antiga do país. A ideia, contudo, nasceu após uma viagem de campo de sua turma ao lago Naivasha em 2021, quando o barco de Joseph ficou preso por cinco horas, relatou à CNN.
O engenheiro e seus colegas começaram a pesquisar soluções possíveis. Joseph então criou um protótipo de bioplástico que é feito do aguapé desidratado combinado com ligantes e aditivos químicos. A combinação então é moldada até se tornar uma alternativa para embalagens plásticas.
O Quênia aprovou lei proibindo o uso de sacolas plásticas não recicláveis em 2017 e, em 2020, todos os plásticos não recicláveis foram banidos de áreas ambientais protegidas. No entanto, a medida não foi totalmente efetiva, já que sacolinhas passaram a ser contrabandeadas de países vizinhos. "O problema por trás da proibição é que não havia alternativas adequadas ao que era produzido antes", argumentou Joseph à rede americana.
Seu plástico biodegradável ainda não foi empregado em grande escala, mas já se tornou premiado. Joseph já venceu o East Africa Climate Action Awards, um prêmio conferido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), além do Prototype for Humanity Award 2023, anunciado na COP28.
Pescadores locais agora coletam a planta do lago Naivasha, a ressecam e a vendem para a HyaPak. O negócio se tornou uma fonte de renda alternativa em dias em que a praga cobre as redes e os impede de pegarem peixes. Desde a fundação da empresa, mais de 300 kg de aguapés já foram eliminados do lago Naivasha, segundo a Obama Foundation.
Joseph propõe agora que as sacolinhas biodegradáveis criadas por sua empresa se tornem embalagem de sementes de árvores. A HyaPak firmou uma parceria com o governo queniano em seu programa de reflorestamento criado em 2022, em que as autoridades locais se comprometeram a plantar 15 bilhões de sementes até 2032 em áreas de florestas degradadas —um esforço de aumentar em 30% a cobertura verde de uma nação que perdeu 14% de suas árvores apenas entre 2001 e 2023, de acordo com dados da plataforma online da rede de ONGs Global Forest Watch.
Convencionalmente, sacolas que transportam sementes de reflorestamento são descartadas após o plantio, gerando lixo e pegada de carbono estimada em 1,6 kg a 1,7 kg por Joseph. Já a alternativa da HyaPak pode ser plantada junto com a semente e se decompõe liberando nutrientes no solo para alimentar a planta, incluindo nitrogênio. Além disso, o bioplástico reduz o ritmo de infiltração de água no solo durante os primeiros meses da planta, reduzindo a necessidade de irrigação.
Você compensa as emissões de carbono que vão ser produzidas, usa menos água e adiciona mais nutrientes -- é uma situação em que [todos os lados] ganham --as comunidades, o planeta e o agricultor.
Joseph Nguthiru, à rede americana CNN.[
O bioplástico inventado por Joseph já começou a ser exportado para os EUA e a Alemanha. Ele ainda planeja estabelecer franquias na Índia e em El Salvador, dois países em que há grandes infestações da planta "alien". Já no Quênia, suas sacolinhas já foram plantadas com mais de 500 sementes na Floresta Ngong.
Atualmente, ele procura os caminhos mais rápidos para levar esta inovação a outros países, mesmo que signifique revelar os segredos por trás da invenção a outras empresas. "Gerações anteriores falharam conosco e os que vêm aí estão olhando para nós. Somos aqueles que vão ter de viver com um planeta 1,5ºC mais quente. Cabe à minha geração criar soluções para a crise climática porque, se não fizermos, não vamos conseguir [sobreviver]."