Dezenove países prometem parar de investir em energias fósseis fora de seus territórios
Glasgow, 4 Nov 2021 (AFP) - Ao menos 19 países, incluindo Estados Unidos e Canadá, concordaram nesta quinta-feira (4) na COP26 em parar de financiar com dinheiro público projetos de extração de energias fósseis fora de seus territórios até o fim de 2022, um anúncio recebido com cautela por organizações de defesa do meio ambiente.
O anúncio envolve países como Mali ou Ilhas Marshall, a princípio com poucas possibilidades de fazer este tipo de investimento bilionário no exterior, mas sim de receber tais recursos.
A iniciativa, estimulada pela Grã-Bretanha, país anfitrião da conferência sobre a mudança climática, foi anunciada em plenas negociações e na véspera de dois dias de mobilização nas ruas da cidade escocesa.
Investir em projetos relacionados com a extração contínua de energia fóssil implica crescentes riscos, sociais e econômicos", afirma um comunicado conjunto.
- Os grandes ausentes - Estados Unidos, que sob a presidência de Donald Trump se vangloriava de ser independente do ponto de vista energético, dá um passo agora para virar a página do petróleo, carvão e gás.
O Canadá também assinou o texto. Mas estão ausentes grandes consumidores e investidores de combustíveis fósseis, como China, Japão ou Coreia do Sul.
Os denominados projetos de energia de origem fóssil contínuos (petróleo, gás e carvão) são os que não incluem medidas para absorver as emissões de carbono que produzem.
Um estudo recente da organização Oil Change International mostrou que entre 2018 e 2020, os países desenvolvidos do G20 investiram 188 bilhões de dólares em projetos de extração no exterior, principalmente através de bancos de desenvolvimento multilaterais.
Estas instituições não estão envolvidas no compromisso. Mas o anúncio, caso concretizado, significará que até 15 bilhões de dólares poderão ser desviados anualmente para outros projetos de energias não fósseis.
Temos que colocar o financiamento público do lado correto da história", declarou o vice-ministro britânico de Negócios e Energia, Greg Hands.
"É um progresso bem-vindo, mas os países (signatários), em especial Estados Unidos, devem permanecer firmes com os compromissos e fechar a torneira para as empresas de combustíveis fósseis", declarou Kate DeAngelis, diretora do programa de finanças internacionais da ONG Amigos da Terra.
- Emissões de CO2 se aproximam de recorde -O novo anúncio aconteceu após notícias preocupantes sobre as emissões de gases do efeito estufa.
A pandemia de covid-19 freou brutalmente a economia mundial e, com isso, a poluição do planeta pelo consumo de energia fóssil. As emissões totais caíram 5,4% em 2020, mas devem voltar a subir em 2021, nada menos do que 4,9%, a menos de 1% do recorde de 2019, segundo um estudo do consórcio internacional de cientistas Global Carbon Project.
As emissões de gás e carvão são particularmente preocupantes, uma vez que crescerão este ano mais do que caíram em 2020.
As emissões devido ao petróleo devem aumentar 4,4% em 2021. Não voltarão aos níveis de 2019, mas os autores assinalam que o setor de transportes ainda não recuperou os níveis pré-crise.
"Esse relatório é um balde de água fria", comentou em entrevista à AFP a coautora Corinne Le Quéré, professora de mudanças climáticas na Universidade de East Anglia.
"Mostra o que acontece no mundo real, enquanto aqui em Glasgow falamos sobre como lidar com as mudanças climáticas", acrescentou.
A consequência desse reaquecimento da economia e do planeta é que se torna cada vez mais distante o objetivo ideal de limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC.
No ritmo atual, o mundo tem apenas oito anos para ter 50% de chances de limitar o aumento da temperatura em 1,5°C.
O pior aluno é a China, país onde teve início a pandemia, responsável po 31% das emissões de CO2.
A queda da atividade mundial devido à pandemia "nunca foi uma mudança estrutural. Deixar o carro temporariamente na garagem ou trocá-lo por um veículo elétrico não é a mesma coisa", disse Corinne.
A demanda por energia ultrapassa em muito os investimentos milionários para mudar o modelo, de combustíveis fósseis a renováveis.
Mas a esperança permanece: na década de 2010, 23 países cresceram, mas suas emissões diminuíram. A maioria deles eram desenvolvidos, o que significa que os regulamentos e as mudanças funcionaram.
Diante do panorama, alguns ecologistas e países particularmente vulneráveis insistem que é necessário pensar em medidas de adaptação, ao invés de tentar mitigar mudanças climáticas profundas.
Mas o financiamento desta adaptação é inferior entre cinco e 10 vezes ao custo das medidas de luta, segundo a ONU.
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