Ataques 'fazem minha voz ecoar cada vez mais', diz ativista Txai Suruí
Filha de uma famosa ativista pelos direitos dos indígenas e um cacique, Txai Suruí acompanhou desde cedo a luta dos pais pela proteção da terra onde vivem.
A jovem de 24 anos, do povo indígena paiter suruí, cresceu na reserva 7 de Setembro, em Rondônia, uma área sob ameaça de garimpo ilegal. Na semana passada, coube a ela dar voz aos povos indígenas na abertura da COP26, a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU) que ocorre em Glasgow, na Escócia.
Diante de líderes mundiais como o premiê britânico, Boris Johnson, e o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, Txai cobrou participação de indígenas nas decisões da cúpula do clima e lembrou o assassinato do amigo Ai Uru-Eu-Wau-Wau, que lutava contra extração ilegal de madeira na Floresta Amazônica.
Pouco depois do discurso, Txai Suruí foi alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que não compareceu à COP26. Embora o presidente não tenha mencionado Txai expressamente, a ativista havia sido a única brasileira a falar no palco principal da abertura da conferência.
"Estão reclamando que eu não fui para Glasgow. Levaram uma índia (sic) para lá, para substituir o [cacique] Raoni, para atacar o Brasil. Alguém viu algum alemão atacando a energia fóssil da Alemanha? Alguém já viu atacando a França, porque lá a legislação ambiental não é nada perto da nossa? Ninguém critica o próprio país. Alguém viu o americano criticando as queimadas lá no estado da Califórnia. É só aqui", criticou Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada, na semana passada.
Em entrevista à BBC News Brasil, a ativista indígena disse que, depois dessa fala do presidente, ela passou a receber ataques e ameaças nas redes sociais. "Depois do meu discurso, o presidente Jair Bolsonaro me atacou, né? Dizendo que eu vim aqui atacar o Brasil. Mas, na verdade, eu só vim trazer a realidade dos povos indígenas", disse.
"E depois desse pronunciamento dele, eu venho recebendo muitas mensagens racistas, misóginas, mensagens de ódio nas minhas redes sociais, fake news, querendo descredibilizar o meu discurso, a minha pessoa, sendo que eu estou aqui para uma luta que não é só minha."
Mas Txai Suruí disse que não vai se intimidar e afirmou que pretende reagir "levando para mais longe" a realidade de luta dos povos indígenas. Para ela, as críticas do presidente e seus apoiadores fazem a defesa dos direitos indígenas "ecoar" mais alto.
"Na verdade, eles não entendem que isso é favorável para mim. Eles estão me dando engajamento, estão fazendo minha voz ecoar cada vez mais", disse. "A minha forma de responder é continuar a denunciar o que está acontecendo, é levar cada vez mais a minha voz, a voz dos povos indígenas para o mundo."
Perguntada se tem medo das ameaças que tem recebido, Txai diz que convive com o medo desde que nasceu, ao crescer em território indígena ameaçado por invasões de garimpeiros e madeireiros.
"Isso não está me abalando. Até porque a realidade na minha terra indígena é uma realidade já de ameaça. A gente realmente está lutando com nossas vidas. Então, mensagem na internet parece menos perigoso do que a realidade que a gente vive diariamente."
Clã guerreiro
Filha da ativista Neidinha Suruí e do cacique-maior do povo paiter, Almir Suruí, Txai viveu a infância e adolescência na floresta amazônica.
Neidinha é voz ativa na denúncia de invasões de terras indígenas, e Almir Suruí assinou junto com o cacique Raoni denúncia apresentada neste ano ao Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro "por crimes ambientais num contexto de crimes contra a humanidade".
"O que os meus pais me passaram sobre luta é exatamente essa força, essa coragem, esses ensinamentos de que a gente deve viver em harmonia com a natureza", diz a jovem. Txai conta que o povo paiter suruí é composto por quatro clãs. "Eu sou do clã Gameby, que significa o clã dos guerreiros, que era aquele ia que para a guerra mesmo."
Mas longe de pegar em armas, ela escolheu as palavras como instrumento de luta. Cursa direito em Porto Velho, em Rondônia, e pretende usar o que aprender para conquistar na Justiça novas vitórias para os povos indígenas.
"Os direitos indígenas estão na nossa Constituição ainda que não estejam sendo respeitados. Eu vou usar o direito para a luta mesmo."
Brasil avançou na COP26?
Durante a cúpula do clima, o Brasil anunciou o compromisso de zerar o desmatamento até 2028 e ampliou de 43% para 50% a meta de reduzir emissões de gases do efeito estufa até 2030. Também assinou um acordo sobre proteção de florestas que prevê financiamento a povos indígenas para a proteção de suas terras e um compromisso de reduzir em 30% suas emissões de metano.
Mas Txai Suruí recebeu com desconfiança essa aparente mudança de postura do governo brasileiro sobre questões ambientais.
"Para mim, o saldo da participação do governo brasileiro ainda é negativo. O governo brasileiro está muito mais preocupado com a imagem dele, a imagem que ele passa, porque isso interfere com a questão comercial, do que realmente preocupado em colocar em prática essas ações", disse.
A ativista indígena lembra que, por enquanto, o governo federal não retirou apoio a projetos de lei que regularizam terras desmatadas e impedem novas demarcações de território indígena.
"O acordo das florestas destina recursos para os povos indígenas. Mas como realmente isso vai chegar às bases? O Brasil não está comprometido. Se ele está tão comprometido assim, qual a política de governo que ele está implementando?", questionou.
Indígenas ainda estão fora da mesa de negociação
As palavras de Txai Suruí na COP26 repercutiram no mundo todo, com publicações nos principais veículos internacionais.
Mas ela critica o fato de os povos indígenas não serem chamados a sentar à mesa de negociação que vai definir compromissos para conter as mudanças climáticas.
Até o dia 13 de novembro, ministros do meio ambiente e diplomatas de quase 200 países vão se reunir diariamente para tentar chegar a diretrizes para implementar a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
"Foi uma grande honra, um grande privilégio abrir a COP e poder levar a voz dos povos indígenas para todo mundo. Mas a gente não tem que estar só na abertura. Aquilo ainda é o mínimo", disse.
"A gente está em 2021, e eu sou a primeira indígena e brasileira a falar na abertura da COP... Isso não está certo. A gente está muito atrasado. A gente precisa que cada vez mais os povos indígenas, os povos da floresta estejam nesses espaços. Não só falando, mas decidindo mesmo."
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