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"Quero fazer a diferença contra o racismo", diz aluno do Porto Seguro

Antônio Biebie, de 15 anos - Deutsche Welle
Antônio Biebie, de 15 anos Imagem: Deutsche Welle

Laianna Janu

Da Deutsche Welle

09/11/2022 17h26

No dia do segundo turno das eleições deste ano, Antônio Biebie, de 15 anos, aluno do Colégio Visconde de Porto Seguro em Valinhos, no interior de São Paulo, foi adicionado a um grupo no WhatsApp chamado "Fundação Anti Petismo".

No grupo com mais de 30 participantes, colegas da escola trocaram mensagens racistas, misóginas e de conteúdo nazista, além de compartilhar imagens e frases de Adolf Hitler e Benito Mussolini. Os alunos também defenderam a morte de nordestinos e a "reescravização do Nordeste" e organizaram uma manifestação contra a eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.

Ao ver uma publicação com a imagem de Hitler e os dizeres "Se ele fez com judeus, eu faço com petistas", Antônio, que é negro, alertou que aquilo era crime e foi bloqueado. Logo depois, ele viu um print do Instagram em que o mesmo rapaz dizia para um influenciador: "Espero que você morra, FDP negro".

Antônio mostrou as mensagens para a mãe, a advogada Thaís Cremasco, que denunciou o caso às autoridades. A Polícia Civil abriu um inquérito para apurar as denúncias. O caso também chegou ao governo da Alemanha, depois que um advogado e ex-aluno da instituição enviou uma carta denunciando o caso à agência federal responsável por escolas alemãs em outros países.

No final da semana, o colégio anunciou que expulsou alunos envolvidos na troca de mensagens e que repudia "toda e qualquer forma de discriminação e preconceito, os quais afetam diretamente nossos valores fundamentais".

Em entrevista à DW, Antônio fala sobre a indignação que sentiu ao ver o conteúdo compartilhado no grupo de WhatsApp e sobre o que motiva sua luta antirracista.

"Mesmo que algumas daquelas mensagens não tenham sido direcionadas diretamente a mim, me afetaram, porque afetam toda a raça, né? O racismo é um crime que é cometido contra a raça, não é só contra uma pessoa", afirma.

Filho de pai negro e mãe branca, o adolescente diz que os pais sempre lhe ensinaram sobre racismo e que também refletia sobre o assunto por ser "um dos únicos pretos numa escola repleta de brancos". "Sinto realmente vontade de lutar e fazer a diferença", afirma.

Por que você acha que foi adicionado ao grupo no qual recebeu ofensas e logo foi excluído?

Antônio Biebie: Fui adicionado por um garoto no grupo de mensagens. Aquele garoto que fez a postagem do Adolf Hittler falando "o que ele fez com os judeus, eu faço com os petistas", que é o mesmo garoto que enviou mensagens a um influenciador negro dizendo "espero que você morra, filho da p*** negro". Bom, foi esse mesmo garoto quem me adicionou. Eu não tinha intimidade com ele, não era amigo dele e mal conversei com ele, provavelmente só uma ou duas vezes na minha vida.

Não sei se ele me adicionou sabendo da minha posição política e me colocou lá para me afetar ou se ele me colocou porque achava que eu iria compactuar, mas acredito que foi mais a primeira opção, acho que faz mais sentido.

Quando recebi as ofensas, quando vi as mensagens de cunho nazista e racista, eu questionei qual era a razão daquele grupo. A resposta foi que se tratava de um grupo antipetista, mas retruquei dizendo que estava mais para nazista porque estavam postando coisa do Hitler. Houve risada, mais mensagens do mesmo tipo, e logo fui expulso por um outro integrante do grupo.

O que lhe impulsionou a responder às ofensas no grupo e sua mãe a registrar um boletim de ocorrência?

Quando vi tudo isso, me senti indignado. Minha mãe estava do meu lado e falou que aquele conteúdo era um crime e que eu precisava agir contra ele. Eu me senti realmente afetado enquanto lia as mensagens falando de escravização ou do próprio nazismo, que além matar judeus, também mataram pretos.

Mesmo que algumas daquelas mensagens não tenham sido direcionadas diretamente a mim, me afetaram, porque afetam toda a raça, né? O racismo é um crime que é cometido contra a raça, não é só contra uma pessoa.

Então quando um menino da minha escola fala "espero que você morra, filho da p*** negro", ele está ligando o desejo de morte dele a uma pessoa pelo fato de ela ser negra. Isso me afeta por eu ter essa mesma cor de pele. Saber que tem alunos da minha escola com esses pensamentos me faz temer pela minha saúde e integridade física.

Não quero que eles permaneçam no mesmo local que eu porque não sei do que são capazes. Então fui para a escola denunciar e também pedi que minha mãe fizesse o boletim de ocorrência, já que a Justiça também precisa agir em relação ao fato, porque racismo é um crime.

Como você se conscientizou sobre o racismo?

Por ser um homem preto, ter um pai preto e uma mãe que está muito por dentro das pautas sociais, mesmo sendo branca, agindo enquanto feminista e antirracista. Eles sempre me ensinaram, e meu letramento racial vem desde a infância. Desde que me entendo por gente, sempre consegui entender tudo o que diz respeito ao racismo e sempre busquei entender mais.

Hoje em dia sinto realmente vontade de lutar e fazer a diferença. Então, essa base vem da minha criação, do ensinamento dos pais e, também, por eu ser um dos únicos pretos numa escola repleta de brancos. Assim, tudo isso me trouxe muito interesse por sempre querer ficar informado sobre o racismo e letramento racial.

Você esperava a expulsão dos alunos que trocaram mensagens racistas e de cunho nazista?

Era o que eu esperava mesmo, porque não quero permanecer no mesmo local de pessoas que tiveram esses discursos ofensivos e de morte. Mas assim como teve pessoas com essas falas, teve também envolvidos lá que foram cúmplices. Para esses eu esperava apenas uma suspensão para que fiquem sabendo que ser cúmplice de um crime de racismo é algo sério.

Você tem receio de vir a sofrer mais preconceito ou algum tipo de agressão de alunos por ter denunciado o caso?

Depois de denunciar e ter tido todo apoio, acho que, pelo contrário, as pessoas vão ter medo de me agredir e agredir a minha família porque sabem da força que eu tenho e da força que minha família tem. Isso é um lado bom. Acho que as pessoas não vão mais me agredir por medo, e é isso que eles precisam ter mesmo. Eles têm que ter medo desse pensamento, não podem ter a coragem de falar. Tanto que algumas pessoas que fizeram isso comigo vieram depois se desculpar.

Então acho agora que vai ser muito difícil que aconteça mais um caso assim no Colégio Visconde de Porto Seguro. Mas caso ocorra, espero que a escola tome medidas severas rápidas, sem precisar de toda essa repercussão. Mesmo que a escola tenha agido, é triste saber que precisou de tanta repercussão para ela tomar uma atitude.

Tenho um pouco de medo pela minha integridade física. Mas acho que a luta vale a pena. Então vou sempre ficar alerta e não vou baixar a guarda.

* Com Deutsche Welle