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Kátia Abreu: 'Conservador ou não, não pode desmatar a Amazônia'

Entrevista com a senadora Kátia Abreu (PP-TO), eleita, por aclamação, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) para o biênio de 2021 a 2023 e possível ministra em novo governo Lula - Raul Spinassé/Folhapress
Entrevista com a senadora Kátia Abreu (PP-TO), eleita, por aclamação, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) para o biênio de 2021 a 2023 e possível ministra em novo governo Lula Imagem: Raul Spinassé/Folhapress

Das agências

18/11/2022 11h01

"Conservador ou não, não pode desmatar a Amazônia"

Ex-ministra da Agricultura e membro da equipe de transição de Lula, Kátia Abreu apoia discurso do presidente eleito na COP27 e defende que o agronegócio cumpra a lei. "Eles vão ter que se conformar com isso", diz à DW.

Primeira mulher a assumir o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, durante o governo de Dilma Rousseff, Kátia Abreu é um dos nomes cotados para voltar ao posto, agora no próximo governo Lula.

Apesar do trabalho delicado enfrentado pela equipe de transição de governo, da qual ela faz parte, e do isolamento de Jair Bolsonaro, Abreu diz que os técnicos estão lidando bem com a tarefa.

"[Bolsonaro] é uma pessoa isolada. Ele mesmo se isolou do Brasil e do mundo", disse à DW Brasil durante sua passagem por Sharm El-Sheikh, no Egito, onde ocorre a atual Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27).

Com uma longa atuação no agronegócio, a senadora por Tocantins acompanhou o discurso de Lula sobre o compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia feito ao público internacional. O setor ainda tem ligação com a destruição da floresta, como mostra levantamento divulgado recentemente pelo Mapbiomas: a agropecuária provocou 97% do desmatamento em 2021.

"Conservador ou não, não pode desmatar a Amazônia, e eles [produtores] vão ter que se conformar com isso e obedecer a lei que os próprios brasileiros aprovaram no Congresso Nacional", declarou Abreu durante a entrevista, fazendo referência ao Código Florestal aprovado em 2012.

Depois de 16 anos no Senado, ela perdeu o posto para a candidata Professora Dorinha (União Brasil) nas últimas eleições. No segundo turno, Abreu declarou apoio a Lula e fez um alerta ao agronegócio brasileiro. A ex-ministra chamou atenção para a perda de credibilidade do setor no cenário internacional e seus impactos negativos.

Em sua conta numa rede social, ela escreveu: "Somos considerados um país irresponsável no que diz respeito às mudanças climáticas. Peço a você que leia o que está escrito lá fora sobre o governo Bolsonaro e o Brasil. Votar no Lula não é uma ameaça às nossas fazendas e aos nossos negócios. Nesse momento, só ele pode conseguir reverter essa situação caótica junto à União Europeia."

A senadora fazia referência à lei aprovada recentemente pelo Parlamento Europeu que veta a importação de produtos agropecuários vindos de áreas de desmatamento. A norma passa a valer em 2024.

DW Brasil: O Brasil tem esse peso no cenário internacional quando se fala em clima por conta da Amazônia e como grande produtor de commodity agrícola. No país, por outro lado, o debate é feito como se esses dois temas fossem incompatíveis. Como é possível mudar esse pensamento, principalmente depois do discurso de Lula aqui na COP27?

Kátia Abreu: Na verdade, nós temos que colocar três pilares: a questão ambiental, social e a questão econômica que, principalmente no Brasil, se reflete no agro, como você disse. Eu vejo uma perspectiva enorme de nós novamente mostrarmos que esses três pilares podem caminhar juntos, que um não é incompatível com o outro. Não há vida sem a natureza, sem o meio ambiente preservado, mas não há vida sem comida. E não há vida sem gente. Uma das preocupações enormes durante essa eleição foi justamente esses três pilares que estavam desequilibrados, caindo, ruindo, e isso estava trazendo muita tristeza para o Brasil. Eu vi aqui um novo presidente da República que pode resgatar e colocar de pé esses três pilares sem nenhuma incompatibilidade. Vamos ter ruídos? Sempre teremos ruídos. Isso faz parte da vida. Nós vamos evoluindo, estudando.

A senhora acredita que os setores mais conservadores do agronegócio estão prontos para essa conversa?

Nós temos que separar uma coisa muito importante. Esse agro que vocês julgam tão conservador, a maioria não está na Amazônia. Quem está fazendo isso com a Amazônia [desmatamento] são grileiros de terra que cometem crime, porque isso é crime. Isso não faz parte, por exemplo, do agro que eu tenho prazer de representar, de certa forma, ao longo da minha carreira. Então, quando se fala em agro conservador, nós temos agro conservador no Brasil inteiro, não é uma coisa exclusiva da Amazônia. Agora, conservador ou não, não pode desmatar a Amazônia mais, e eles vão ter que se conformar com isso e obedecer a lei que os próprios brasileiros aprovaram no Congresso Nacional. Não foi a Europa que aprovou o Código Florestal, foram os parlamentares. Nós fizemos uma reforma em 2012 justamente e exclusivamente para descriminalizar, passar uma régua, uma borracha no passado e começar a vida nova. Que nós não vamos flexibilizar mais. De 2008 em diante, que foi o marco de tudo, não tem mais retorno*. Então quem reclamar que foi criminalizado? Não! Essa régua já foi passada. Eu estive à frente, comandando esse processo de votação, e ninguém pode comandar de nada. O que fez [desmatou] depois de 2008 é crime e quem comete crime precisa ser julgado.

*O Código Florestal aprovado em 2012 deu anistia a todos os produtores que desmataram ilegalmente até 2008.

O PL 510/2021, que foi chamado de PL da Grilagem, aguarda votação no Senado. Como a senhora avalia esse novo Congresso eleito mais conservador que pode apoiar mais essas políticas apontadas como retrocessos ambientais?

Não dá para avaliar se isso chama retrocesso. Eu não gosto desta palavra porque o Congresso Nacional é legítimo para aprovar aquilo que acredita. E todos os setores da sociedade elegem seus representantes para defender suas bandeiras no Congresso Nacional. Esse é o Congresso que nós temos, que a população brasileira elegeu. Faz parte da democracia. Nós não vamos lutar através de avanços ou retrocessos, melhor para mim, melhor para vocês, pior para o outro. Nós vamos fazer o que for bom para o Brasil, para a preservação ambiental, para a manutenção das chuvas, mas, acima de tudo, para que os produtores também possam produzir em paz. Não tenho medo do Congresso Nacional. Todos os projetos de lei que tramitam na Casa merecem o nosso respeito, e que vença a maioria.

A senhora está sendo cotada para assumir o Ministério da Agricultura?

Não estou cogitando isso. Inclusive cogito até ir para a iniciativa privada. Estou colaborando com o presidente Lula no que for preciso desinteressadamente.

Como está o trabalho de transição de governo, tendo em vista que o atual presidente parece estar tão isolado?

O presidente [Bolsonaro] é uma pessoa isolada. Ele mesmo se isolou do Brasil e do mundo hoje. Agora, na transição, os seus técnicos estão levando bem. Toda a dificuldade de mudança de governo e de situação para oposição é sempre um pouco mais delicada. Mas nós temos que ter a coragem, o equilíbrio, a tranquilidade dos vitoriosos que precisam ser sempre os mais humildes.