150 bilhões por ano: Alemanha aposta no Brasil para ganhar com 'combustível do futuro'
Na vanguarda da economia do hidrogênio verde, Alemanha vê no Brasil um supridor estratégico do combustível, grande aposta para substituir petróleo, gás e carvão e cumprir metas climáticas.
Enquanto o Brasil busca resgatar seu protagonismo ambiental, a Alemanha corre contra o tempo para superar a atual crise energética e cumprir suas ambições climáticas.
Diante disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, líderes das maiores economias do Mercosul e da União Europeia (UE), reuniram-se nesta semana para discutir a agenda de transformação de suas economias, com foco na proteção da Amazônia, energias renováveis e no acordo comercial UE-Mercosul.
Durante o encontro, Scholz destacou o potencial brasileiro para o hidrogênio verde (H2V), combustível produzido a partir de energias renováveis e que desponta como a principal aposta das economias desenvolvidas para descarbonizar setores intensivos em CO2, como agricultura, transportes, indústrias e geração de energia.
"Vocês [o Brasil] têm muita experiência com energias renováveis e enormes potenciais também através da produção e da exportação de hidrogênio verde e seus respectivos produtos", afirmou o chefe de governo alemão.
Alemanha na vanguarda
Diante das restrições de acesso à energia russa devido à guerra na Ucrânia e de críticas à ampliação da queima de carvão mineral, a Alemanha está prestes a dar o pontapé inicial na economia do hidrogênio verde.
Está marcado para 7 de fevereiro o primeiro leilão da política H2Global, que prevê incentivos a importações do combustível, identificado como substituto estratégico do petróleo, gás e carvão para obtenção de energia limpa. A primeira licitação será para contratos de amônia verde, produto derivado do H2V.
No dia 21, uma nova rodada deverá ser realizada para contratação de combustível sustentável de aviação e metanol, também oriundos do H2V. Com a iniciativa, o país europeu age para retomar a vanguarda do processo de transição energética e, sobretudo, driblar a sua dependência do petróleo e gás russos.
Na outra ponta, encontra-se o Brasil, que pode se posicionar como um dos grandes exportadores do H2V para a Europa e recuperar o seu prestígio como "potência verde" no cenário internacional.
"Por estar exposta à questão crucial da segurança energética e ter lançado o primeiro edital de compra de insumos verdes do H2V em contratos de dez anos, a Alemanha tem uma posição de liderança", afirma Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
Por que o Brasil?
Um estudo publicado em janeiro pela consultoria estratégica alemã Roland Berger projeta que o hidrogênio verde será a principal fonte de energia do planeta, se o mundo cumprir os compromissos estabelecidos no Acordo de Paris. Nesse cenário, o mercado mundial de H2V deverá movimentar mais de 1 trilhão de dólares em venda direta do combustível ou derivados.
De acordo com a consultoria alemã, o Brasil irá liderar essa corrida, transformando-se em um grande exportador global. A Roland Berger estima que o mercado brasileiro de H2V irá alcançar um valor anual de R$ 150 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões serão provenientes das exportações.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o custo de produção por quilo do H2V a partir da eletrólise da água no mercado internacional, com utilização de fontes renováveis, é de entre 3 e 8 dólares. Já no Brasil, se considerado o emprego da energia gerada em usinas eólicas ou solares no processo de eletrólise, o custo estaria entre 2,2 e 5,2 dólares.
O baixo custo de produção do H2V no Brasil se justifica, sobretudo, pela abundância de fontes renováveis. Nivalde de Castro lembra que o país tem capacidade de produzir 1,3 milhão de megawatts (MW) a partir de geração eólica e solar. Em expansão, as fontes renováveis geram menos de 200 mil MW atualmente.
"O Brasil tem tudo para ser a Arábia Saudita do hidrogênio a partir de 2030", afirma o economista, em alusão ao peso do país árabe na produção petrolífera. "O desafio é transformar o potencial em realidade", ressalva.
De olho no Nordeste
Como o Nordeste está entre as regiões do planeta com maior incidência de sol e vento, além de estar mais próximo da Europa do que o restante do país, diversas empresas já demostraram interesse em instalar fábricas de H2V nos portos de Suape (PE) e Pecém (CE) - este último, aliás, tem como sócio o porto de Roterdã, o maior da Europa, que pode ser a porta de entrada do H2V no continente. Já no porto do Açu (RJ), no Sudeste, a Shell planeja inaugurar uma unidade para produzir o combustível em 2025.
No final de 2022, o grupo português EDP produziu a primeira molécula de H2V no Brasil, no Porto de Pecém. O projeto-piloto Pecém H2V, originado de uma iniciativa de pesquisa tecnológica, recebeu investimentos de R$ 42 milhões. Já a Unigel, uma das maiores empresas químicas da América Latina e maior fabricante de fertilizantes nitrogenados do país, investiu US$ 120 milhões para construir uma fábrica no Polo Camaçari (BA), que deve entrar em operação até o final de 2023.
A planta industrial da Unigel, que terá capacidade inicial para produzir 10 mil toneladas/ano de H2V e 60 mil toneladas/ano de amônia verde, irá quadruplicar a produção até 2025. Para a primeira fase, a empresa alemã thyssenkrupp nucera instalou três eletrolisadores, com potência total de 60 MW, que serão abastecidos por fontes de geração eólica.
Brasil deve ter destaque em mercado diversificado
Ainda que o Brasil reúna condições muito favoráveis para se tornar um grande produtor global de hidrogênio verde, terá que partilhar esse mercado. No entanto, a diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2), Monica Saraiva Panik, explica que a concorrência com outros países, como Austrália e Marrocos, ajuda a reduzir os custos de produção do H2V globalmente, o que beneficiaria todos os países produtores - inclusive o Brasil.
"O mercado de óleo e gás sempre foi caracterizado por uma produção muito concentrada em poucos países, o que é negativo, como se observa agora na dependência alemã do gás russo. O cenário para o H2V é de uma diversificação muito maior. Os projetos em desenvolvimento no Brasil projetam o país em uma posição de grande destaque", analisa Panik.
Parceria Brasil-Alemanha e estratégia nacional
Em julho de 2021, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), cujas diretrizes têm como um dos eixos temáticos a cooperação internacional.
Ao longo daquele ano, o MME e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão responsável pela produção de estudos que visam dar suporte ao planejamento energético nacional, participaram de diversas iniciativas de cooperação técnica com a Alemanha para desenvolver o mercado de H2V.
As duas principais iniciativas consistiram no programa H2 Brasil (German / Brazilian Power-to-X Partnership Program) e a força-tarefa de produção, logística e aplicação do H2V.
Enquanto o primeiro destinou 34 milhões de euros para fomentar o desenvolvimento de uma economia verde de hidrogênio no Brasil, o segundo reuniu empresas e instituições com experiência em projetos relacionados a H2V para promover estudos e diálogo político entre Brasil e Alemanha.
A partir dos esforços de cooperação entre os dois países, o Ministério de Minas e Energia produziu o relatório Mapeamento do Setor de Hidrogênio Brasileiro - Panorama Atual e Potenciais para o Hidrogênio Verde.
A conclusão do estudo é que o Brasil deve consolidar uma estratégia nacional para o hidrogênio, contendo um plano de ação concreto para não perder a oportunidade de desenvolvimento econômico sustentável.
"O aprofundamento do arcabouço técnico, regulatório e tecnológico é imprescindível para a criação de um ambiente de negócios favorável", aponta o texto, que, após realizar um mapeamento da indústria junto aos principais atores acadêmicos e institucionais, identificou uma percepção de atraso do país em relação ao H2V.
A visão do governo Lula
Embora ainda não tenha apresentado um plano específico para o desenvolvimento do hidrogênio verde no país, o novo governo tem sinalizado que dará atenção especial ao combustível. Em reunião com diretores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o fornecimento de energia limpa pode ser o caminho para a reindustrialização do país.
"O Brasil é o país que está mais bem posicionado para produzir hidrogênio verde, energia eólica, solar e biomassa. Em tudo o que está disponível tecnologicamente, nós estamos com vantagem competitiva, e isso pode ser um forte componente de atração de investimentos estrangeiros para o Brasil e de reindustrialização do capital nacional, se tomarmos algumas medidas centrais para pensar o reposicionamento da indústria na nossa economia", disse Haddad.
Após se reunir nesta semana com a ministra alemã da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, Svenja Schulze, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou que a parceria com a Alemanha nessa área pode estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro.
"O Brasil está fazendo um esforço muito grande para ampliar a cooperação de base tecnológica também. Acordo de cooperação técnico e científico para que possamos acelerar ainda mais a possibilidade de o Brasil ser um grande fornecedor de energia para a Europa, em função do potencial que temos de produção de hidrogênio verde. Mas, também, a busca de parceria com empresas alemãs, empresas europeias, para que possamos ter investimentos no Brasil nessa agenda", declarou a ministra.
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