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Papo Preto #4: Setembro Amarelo e a importância da saúde mental

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

30/09/2020 04h00

Como a saúde mental da população negra é impactada de maneira racializada? Seja em adoecimento ou acesso a acolhimento, passando pelo próprio estigma de se permitir cuidado e vulnerabilidade, a vivência negra da saúde mental tem particularidades que precisam ser trazidas à luz, especialmente durante Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio.

É isso que discute o episódio #4 do Papo Preto. Os psicólogos negros Nelson Gentil e Samilly Valadares conversam com Yago Rodrigues e Gabriela Delgado, ambos do Alma Preta, sobre a taxa de suicídio entre jovens negros, depressão e como superar os estigmas do racismo, entre outras coisas. Papo Preto é um podcast produzido pelo Alma Preta, uma agência de jornalismo com temáticas sociais, em parceria com o UOL Plural, um projeto colaborativo entre o UOL e coletivos independentes.

Nelson retoma o reconhecimento do sentimento de banzo, notado e descrito como adoecedor de negros escravizados durante a época da diáspora. "Aquela sensação de não-pertencimento a essa terra, de perder o sentido de ser africano. Para muitos pretos e pretas, era melhor perder a sua vida do que estar naquela situação degradante", diz ele (a partir de 14:50 do arquivo acima). E embora a escravidão tenha oficialmente acabado em 1888, as consequências e violências ainda marcam as vivências da população preta. "Nossa sociedade é posta para matar o corpo negro, né? É posta para nos paralisar, é posta para nos adoecer".

A racialização da abordagem é premissa fundamental para a saúde mental da população, inclusive como compromisso de uma prática clínica antirracista, diz Samilly. "Nesse processo de cuidado, de prevenção, é preciso considerar todos os atravessamentos sociais que colaboram para o processo de adoecimento. O racismo existe, as violações de direito existem, são cruéis, adoecem, causam sofrimento psíquico e matam todos os dias. Matam simbolicamente, emocionalmente, psicologicamente e fisicamente", diz ela (a partir de 21:44 do arquivo acima).

Um agravante na identificação e acesso ao tratamento são os estereótipos atribuídos e vividos pelos corpos negros. "Existem estereótipos acerca dos corpos negros, acerca das nossas subjetividades. Estereótipos de que nós somos fortes, que nós sempre temos que ser fortes", diz Samilly (a partir de 23:35 do arquivo acima). "Sim, nós somos fortes. Mas essa força não me limita, e não me determina também. Nós vivenciamos um processo histórico de invisibilização e de negligência, e essas resistências fazem parte dos nossos processos. Mas nós somos humanos, nós temos sofrimentos".

Um dos passos necessários é enxergar e permitir os sofrimentos em si e nos próximos a nós. "Então que a gente se perceba, que a gente se olhe cada vez mais, e que nos ajudemos. Pois somos nós que estamos morrendo, né?", diz Nelson (a partir de 18:22 do arquivo acima). "Quando um irmão e uma irmã está morrendo, é um de nós também. É um espelho. Nós somos um povo, nós somos um grupo e nos constituímos a partir disso. E cada vida vale muito".