"Craque" do time de Petrolina muda o nome, número da camisa e Promotoria apura se trocas são para favorecer prefeito da cidade
Carlos Madeiro
Do UOL, em Maceió
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Reprodução
Site mostra que jogador é conhecido como Julinho
O MP (Ministério Público) de Pernambuco iniciou nesta semana investigação sobre uma suposta ação de marketing para tentar beneficiar o prefeito de Petrolina, a 711 km de Recife. A ideia seria unir o sucesso do time da cidade à pré-candidatura à reeleição de Julio Lossio (PMDB). Para isso, o Petrolina Social Futebol Clube teria utilizado um jogador de nome similar ao do prefeito e mudado o apelido e número dele durante a competição.
Para entender a história é preciso voltar ao fim do ano de 2011. Contratado para ser referência no no meio campo do time do Petrolina, o meia-atacante cearense Julinho ganhou destaque na equipe, que fez uma boa campanha no Campeonato Pernambucano de 2012, terminou em 5º lugar e garantiu inédita vaga no Campeonato Brasileiro da Série D.
Mas o Julinho contratado deixou de existir durante o campeonato. Na partida contra o Santa Cruz, no estádio municipal de Petrolina, em 23 de fevereiro, uma surpresa: Julinho havia se tornado Júlio e deixado as para trás as camisas 9 e 10 para se tornar o número 15.
Coincidência ou não, o apelido saiu para ser usado o mesmo nome do prefeito. O número 15 usado também é o mesmo do PMDB, partido do gestor municipal e pré-candidato à reeleição. Julio e Julinho foram responsáveis por cinco gols no torneio.
Em entrevistas a rádios locais --que perceberam e questionaram de imediato as mudanças--, o jogador disse que se tratava de “opção própria” e que já haveria usado o número em outros clubes e por isso passou a adotá-lo no sertão pernambucano.
“Ele disse que não tinha nada a ver com o prefeito. O treinador também disse que era opção do próprio atleta. Mas todo mundo suspeitou do que se tratava, e depois disso o clube passou a adotar números altos com outros jogadores”, contou um radialista de Petrolina.
O UOL pesquisou no site da FPF (Federação Pernambucana de Futebol) e comprovou que o jogador estreou realmente como Julinho, com a camisa 9.
Depois, passou a usar o número 10. Na 11ª rodada, passou a usar a 15, o qual jogou as partidas do segundo turno.
A reportagem também fez uma busca em sites especializados em currículos de atletas, como O Gol, PE Futebol e Soccer Way. Todos apontam que o jogador é identificado como Julinho, nunca como Júlio.
Investigação
As supostas coincidências não convenceram o MP, que abriu procedimento preliminar para investigar o caso. A denúncia se torna mais complicada para o prefeito porque o Município é o maior patrocinador do clube e, em 2012, reservou R$ 300 mil orçamento para ajudar o clube.
“Abrimos esse procedimento preliminar para coletar dados. Se tiver realmente dinheiro público repassado ao clube, em tese, devemos entrar com ação de improbidade, pois se houve mudança de nome e número, há uma promoção pessoal efetiva. Mas isso ainda será analisado, estou aguardando as respostas oficiais”, disse o promotor da Defesa do Patrimônio Público de Petrolina, Lauriney Reis Lopes.
O promotor explicou que já enviou ofícios à prefeitura e à direção do time, solicitando informações sobre destino de recursos públicos.
Segundo o promotor, além dos possíveis problemas por uma acusação formal por improbidade, o prefeito pode também ter implicações eleitorais. “Se houver recurso público envolvido, o procedimento valerá para improbidade e área eleitoral. Caso não tenha verba do erário, repassarei à promotoria que cuida da parte eleitoral, que poderá entrar com uma ação”, explicou.
Resposta
Procurado pelo UOL, o presidente do clube, Ronaldo Silva, mostrou-se chateado com a denúncia publicada em um jornal do Estado e disse que a acusação têm exclusivo interesse político.
“Os adversários do prefeito querem fazer politicagem porque estamos às vésperas da eleição. Não havia qualquer interesse em beneficiar prefeito. Isso não levaria à nada, não daria um voto a Julio. O nome e o número são coincidências. Tive atacante que jogou com a 9, e depois usou 18. Zagueiro que jogou com a 4 e terminou com a 14. Por que ninguém falou nada? Esperaram acabar o campeonato para falar? Dizer que esse jogador foi clonado do prefeito é uma maldade muito grande com o atleta”, disse, citando que não há qualquer impedimento em inscrever um atleta com “numeração de 1 a 100.”
Questionado sobre a mudança de nome de Julinho para Júlio, o presidente negou que ela tenha existido. “Ele foi registrado na federação como Julio. Julinho era um apelido dos amigos, não o nome como ele era chamado. Nós estamos prontos para responder a qualquer questionamento do MP”, afirmou.
O prefeito de Petrolina, Julio Lossio, tratou o assunto com bom humor e assegurou ao UOL que não teve qualquer interferência na decisão de mudança de nome e número do “craque” da equipe. Mas não escondeu satisfação sem ser homônimo do destaque da equipe.
“Não houve qualquer pedido da prefeitura ou do prefeito. Nós patrocinamos o time com uma lei aprovada na Câmara. Não somos os únicos patrocinadores do clube, existem outros privados. Agora, se eu disser que não achei o máximo ter um artilheiro no clube da cidade com o meu nome e o número 15, estaria mentindo. Mas eu não tenho culpa se um cara há mais de 20 anos foi batizado como Julio, que usou três camisas num campeonato --sendo uma delas a 15. Ele que fez a opção do número, não pedi nada,e não posso ser responsabilizado”, disse.
Questionado se não temia que a suposta homenagem poderia ter implicações eleitorais, Lossio afirmou que aceitará naturalmente se a Justiça decidir que não poderá concorrer em outubro.
“Não tenho medi. Se eu não puder ser candidato porque um jogador tem o meu nome e usou uma camisa com o número do partido, paciência. Aceitarei esse 'pecado gravíssimo'. Voltarei a ser médico, sem nenhum problema. Agora se o MP enxerga problema, tem que investigar também Lula, porque Zagalo sempre disse e usou o número 13 e seria propaganda ao PT. Tem que fazer a investigação retroativa.”
O prefeito confirmou ainda que investiu recursos públicos no clube e se disse vítima de perseguição política.
“Nós assumimos em 2009, quando fizemos uma pesquisa que apontou que um dos interesses da população era que a cidade tivesse um time forte. O Petrolina era o único que tinha as certidões, por isso ele teve o patrocínio. Ele foi campeão em 2010 da segunda divisão pernambucana e, este ano, conseguiu algo inédito, que foi a classificação para o Brasileiro. A oposição não aceita esse sucesso e fica fazendo isso. Nesses três anos e quatro meses eu não tive uma denúncia de corrupção ou de malfeito de secretário. Isso que os incomoda”, afirmou.