Eleitor é figurante barato, mas caçado nas ruas por produção de programas de candidatos no Rio

Plínio Fraga

Colunista do UOL

Sorria, você está num programa de TV da situação. Ou, indigne-se, porque este é um programa de oposição. Andar pelas ruas do Rio de Janeiro por estes dias embute o risco de ser convidado a dar depoimento para o horário eleitoral, tornando-se figurante de luxo da campanha municipal.

Depoimentos invadem horário eleitoral no Rio de Janeiro

Nesta semana em Ipanema, o atendente do cabeleireiro da zona sul estava às voltas com o caixa do dia, quando a senhora de óculos escuros grandes, faixa no cabelo e calça legging, interrompeu-o, sem que tivesse nem a chance de dar bom dia: "Conseguiu alguém para gravar hoje? O programa já está no ar. Se a gente não se mobilizar, corre o risco de tudo voltar a ser como antes".

Ligada à produtora responsável pelo programa eleitoral do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), a senhora sabia que o dono do salão assinara uma lista de apoio à reeleição dele.

Microempresário, numa campanha que prevê arrecadar mais de R$ 25 milhões, a maior parte de grandes doadores, cabe a simpatizantes de pequeno porte como este arregimentar um bem valioso e difícil: o eleitor comum que se disponha a ir a televisão falar sobre quanto tudo melhorou, no caso da situação, ou quanto tudo degringolou, no caso oposicionista.

Já houve um tempo em que as produtoras de televisão simplesmente pagavam a atores ou pessoas desconhecidas para que lessem um texto preparado por algum redator publicitário. Na era da cultura do "show de realidade", isso ficou para trás. São necessárias histórias reais.

O programa de Eduardo Paes acompanhou, por exemplo, a série de exames de pré-natal de uma usuária do programa Cegonha Carioca, com direito a depoimentos sorridentes, caminhadas da casa ao Hospital da Mulher, com suave trilha sonora ao fundo.

As imagens do recém-nascido foram ao ar nesta semana, acompanhadas da saudação do prefeito: "Seja bem-vindo, Miguel".

O candidato passa seus programas dialogando com seus personagens, chamando-os pelo prenome, criando um clima de despojada intimidade, com a médica da Clínica da Família, com o morador do Bairro Carioca, com o usuário da Praça do Conhecimento (veja trechos dos programas ao lado). São todos projetos da prefeitura.

A qualidade do programa de Paes é bastante superior à dos adversários --e o custo também. Sendo que grande parte do segredo das imagens está em fazer campanha o tempo todo enquanto administra. Ou seja, ter sempre uma equipe filmando as atividades do prefeito, pensando no uso futuro em campanha eleitoral. Esse acompanhamento contínuo de marketing eleitoral exige dinheiro.

É uma conta que não fecha porque é um custo que existe e que, em rigor, não pode ser legalmente pago pelo candidato, porque quando filmado não era ainda candidato.

Oposição

O eleitor indignado com tudo brota nos programas de oposição. É aquele que reclama da demora no atendimento do hospital ou da lentidão do transporte de ônibus. Claro que eles têm sempre razão.

Há candidato que paga R$ 50, a título de direito de imagem, para que o eleitor  vá a TV dar seu depoimento. Outros patrocinam um lanche. O mais importante de tudo é assinar um papel autorizando o uso de suas declarações, dizendo que as fez por conta própria e responsabilizando-se por elas.

O temor de todo marqueteiro é que investiguem seus personagens. Alguns ainda usam atores, mas nesse caso o fazem abertamente. Restam poucas cartadas em zonas de sombra.

Na eleição de 2002, Duda Mendonça lançou mão de uma inserção publicitária com um texto brilhante, em que um jovem negro dizia que se chamava João e só o que pedia uma oportunidade, um excelente argumento para Lula à época. Parecia um jovem vítima de preconceito de fato, mas era ator de um grupo amador.

O publicitário argumentou que ele representava uma ideia real, não uma história real. 

O problema do horário eleitoral é este: tem menos realidade do que na novela que o segue.

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