Por vaga na Câmara de Belo Horizonte, discípulos de Raul Seixas apostam em 'efeito Tiririca'

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

Os candidatos a vereador em Belo Horizonte Isoé Jorge Mateus de Farias (DEM) e Cláudio Pinto Fontoura (PSDB), além do fato de tentarem ocupar pela segunda vez uma cadeira na Câmara de Vereadores e terem a mesma idade e origem, 57 anos (nasceram na capital mineira em 1955), possuem um traço comum, que os caracteriza e distingue: a tentativa de semelhança com o músico Raul Seixas (1945-1989).

Farias e Fontoura aceitam Deus como um ser supremo. Mas só no céu. Na Terra quem reina é Raul Seixas.

Eleições no embalo do "maluco beleza"

“Sou uma parte do Raul [Seixas]. O Raul encarnou em mim”, diz Farias. Pai de seis filhos e avó de oito crianças, o candidato do DEM vive só, numa casa na Serra, bairro da Zona Sul de Belo Horizonte. Suas paredes em sua maior parte rendem homenagens ao compositor: cartazes de shows, capas de discos de vinil, notícias de jornais impressos. “Abaixo de Deus é o Raul."

Na campanha eleitoral, Faria adotou o nome de Cantor Raul Maluco. Nos cinco segundos que tem de propaganda eleitoral no rádio e TV, repete o bordão utilizado nas eleições de 2010 em São Paulo pelo deputado federal Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca (PR-SP): “Eu também não sei o que o vereador faz. Vote em mim que eu descubro e te conto”. “Vou ter o voto de protesto”, diz.

Ele afirma que vai gastar R$ 500 na campanha deste ano, na confecção de 50 mil folhetos, que distribuirá pelas ruas de Belo Horizonte até outubro.

Até lá, continuará fazendo aquilo que faz rotineiramente há três décadas: homenagear Raul Seixas tocando e cantando “mais ou menos” as músicas do rockeiro, gritando seu nome e espalhando versos de composições do músico.

“Sou artista de rua. Saio de casa às 9h e só volto às 24h”. Diz que dá para faturar algo em torno de um salário mínimo (R$ 622) por mês, quando não chove.

O candidato do DEM teve 1.178 votos como candidato a vereador nas eleições de 2008. Neste ano, espera conseguir 10 mil votos, o que lhe daria uma vitória tranquila. “O pessoal diz que vai precisar de uns 7.000."

Seis meses com Raul

Ele afirma que “incorporou o estilo de vida” do músico, em 1976, quando experimentou o maior acontecimento de sua existência: seis meses na praia com Raul Seixas, “tomando cachaça no coco e tocando junto”.

 

Em Salvador, aqueles seis meses foram determinantes na vida de Farias. Aos 19 anos, mesmo antes da morte do ídolo, Farias “incorporou tudo” de Raul Seixas.

A reportagem do UOL pergunta ao candidato do DEM se durante os seis meses de convivência com o artista na Bahia, período em que o artista lançou um dos seus maiores sucessos, Há Dez Mil Anos Atrás, Farias teria adotado um estilo de vida comum aos jovens da época: sexo, droga e rock ´n roll.

Encostado na bicicleta que utiliza como veículo para percorrer as ruas da capital mineira, Farias olha para o lado, abre os braços e responde: “É preciso muita calma nessa hora”. A entrevista termina.

Hippies

O tucano Cláudio Pinto Fontoura teve 324 votos em 2008, nas eleições para vereador em Belo Horizonte. Neste ano, ele diz acreditar que vai conseguir o necessário para vencer o pleito: cerca de 7.000 votos na legenda que representa e estima que vá gastar R$ 5.000 na campanha eleitoral.

“O Raul (Seixas) fez na música o que eu faço na vida. Sou raulseixista”, diz Fontoura. Na campanha eleitoral, o candidato adotou o nome de Cláudio Raulseixista.

Ele afirma que gosta "muito do que os hippies representavam” e que pretende levar isso para a Câmara Municipal.

Fontoura abre a geladeira na cozinha de sua casa e enche o copo com uma bebida energética que toma, em intervalos regulares de poucos minutos. “É muito bom. Tomo isso o dia inteiro”, diz.

Sem se assentar, por um único instante, Fontoura explica que pretende atuar na Câmara Municipal de Belo Horizonte como Raul Seixas: “Com sua filosofia de vida”.

O período em que houve a adesão de jovens ao estilo sexo, drogas e rock ´n roll, ficou para trás, segundo Fontoura.
“Hoje é mais funcional. Drogas não, já é um pouquinho demais. Na vida, mediante certas coisas, a gente fica pianinho”, afirma Fontoura,

Aos 57 anos, três filhos e dez netos, Fontoura vai fazer sua campanha política somente nas proximidades de onde mora: o bairro Serranos e região, zona norte de Belo Horizonte.

Ele  circula durante o período numa camionete Chevrolet, 1954, que ainda está sendo preparada: “ainda tá na oficina”.

“Acho que tenho muita semelhança com o Raul. Depois de Deus, ele é a pessoa mais especial na Terra”, afirma.

Fontoura lembra do momento em que experimentou a maior decepção de sua vida, em 1989, poucos meses antes da morte do músico, quando tentou assistir a um espetáculo de rock em Belo Horizonte, com a presença do ídolo.

“Porra, eu tinha ingresso. Mas venderam mais do que a capacidade e não consegui entrar”, afirma.  Seu consolo foi um presente que tem um lugar especial na vida do candidato --os óculos de lentes escuras que pertenceram ao rockeiro.

“Consegui com um vizinho, que tinha um primo, que trabalhou na casa do Raul em São Paulo. Ou no Rio, sei lá”, afirma.

Morador da Zona Norte de Belo Horizonte, num casarão de três andares que abriga duas lojas, onde ele mantém comércio de vidro e espelhos e material de construção civil, Farias não comenta quanto fatura nos dois estabelecimentos.

Ele possui cerca de 10 mil discos de vinil --entre Led Zeppelin, Slayer, Pink Floyd, Black Sabbath, Rick Wakeman. “Mas nenhum supera o Raul”.

Ele não sabe quantos discos de Raul Seixas tem na coleção, “teria de contar”. As paredes das lojas são permeadas de imagens do músico e o último andar da casa de Fontoura.

“Quando era menino, ainda não tinha barba. Mas ficava tentando fazer, para ver se ela crescia e me deixasse com um cavanhaque igual ao do Raul. Sempre foi assim”, diz Fontoura.

Místico e contestador

Raul Santos Seixas nasceu em Salvador, em 28 de junho de 1945 e morreu, em São Paulo, em 21 de agosto de 1989.

Considerado um dos pioneiros do rock brasileiro, sua obra é composta de 21 discos lançados em 26 anos de carreira, um estilo musical que mistura rock e baião.

Suas músicas Ouro de Tolo, Mosca na Sopa, Metamorfose Ambulante e Há Dez Mil Anos marcaram os jovens de 1970 e 1980 e lhe renderam um estilo contestador e místico. Ideais que estão vivos na campanha de Belo Horizonte, nem que seja só na aparência.

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