A eleição municipal de 2012 em Xapuri é uma reedição da rivalidade local entre seringueiros (representados pelo PT) e pecuaristas (pelo PSDB). Contudo, nenhum dos dois setores econômicos antagônicos consegue garantir prosperidade para uma cidade que foi rica no ciclo da borracha e agora vive da “cultura do contracheque público” como tantas outras localidades brasileiras.
O UOL visitou Xapuri (a 174 km de Rio Branco) dentro do projeto UOL pelo Brasil --série de reportagens multimídia que percorre municípios em todos os Estados da federação durante a campanha eleitoral.
Nesse contexto, é revelador que a sede dos servidores municipais tenha servido de palco para a convenção que lançou a candidatura à reeleição do atual prefeito, o petista Bira Vasconcelos, um agrônomo que trabalhou muito tempo nas reservas extrativistas locais. Seu principal rival é o tucano Marcinho Miranda, um proprietário de pastagens e 150 cabeças de gado.
Um pessimismo geral ronda o futuro político e econômico na cidade. “É muita zoada aqui com tanto carro de som passando na rua. Para que quatro candidatos para prefeito em uma cidade pequena como esta?”, se queixa a doceira aposentada Maria Cosson. “E ninguém cuida da saúde aqui. Se ficar doente, tem que entrar em uma ambulância e ir para Rio Branco.”
Isso acontece na cidade onde nasceu Adib Jatene, emérito cardiologista e duas vezes ministro da Saúde. Lá vieram ao mundo também o ex-ministro e senador Jarbas Passarinho e o ex-jornalista Armando Nogueira (1927-2010). Mas era uma época em a região vivia da riqueza da extração do látex e a fabricação da borracha.
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O próprio Acre se acoplou ao mapa nacional em 1904 graças aos seringueiros brasileiros que foram se internando nas florestas bolivianas. Até 1912, a região viveu o primeiro auge da borracha. A economia local voltou a ter novo auge na década de 1940, quando o país entra na Segunda Guerra Mundial (1939-45) e os “soldados da borracha” tiravam a seiva necessária em equipamentos bélicos.
“A vida na mata é a melhor que tem no mundo. A gente não sabia o que era rua e para se comunicar com o vizinho era só na base do tiro para o ar. Minha família tinha um roçado, e havia muita caça, mas o motor daquilo tudo era a borracha”, relembra Vicência da Costa, que hoje tem um restaurante em Xapuri. Ela recebe pensão por seu pai e seu marido terem sido “soldados da borracha” e foi a Brasília na cerimônia no início de setembro para a entrada dos seringueiros no panteão de heróis nacionais.
A história de Xapuri deu nova guinada durante o último regime militar (1964-1985) quando houve um esforço de povoamento das fronteiras brasileiras, com o deslocamento de colonos para derrubar a mata e cultivar a área. O problema é que a selva já era povoada por famílias seringalistas. Dali surgiu o conflito que até hoje é embate político-econômico por lá.
“Veio mais gente para matar do que para se apoderar da terra. Formamos mais matadores que trabalhadores”, resume Maria de Lourdes Santos, que foi assistente social do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) na época da colonização da região.
Foi nesse cenário que surgiu o filho mais ilustre da terra, Chico Mendes, líder seringalista que foi assassinado em 1988 por sua luta para que a floresta amazônica continuasse em pé e virou um símbolo pela preservação da natureza. Ele foi vereador pelo MDB até 1980, ano em que fundou junto com Lula o PT, partido em que tentou, sem sucesso, se eleger deputado estadual em 1982 e 1986.
“O pessoal no seringal é 80% do PT. Foi o Chico que ensinou isso. Ele já avisava que ninguém come capim e que a vinda da pecuária ia ser uma desgraça para aqui”, afirma Sebastião Mendes, primo dele, que mora no Seringal Cachoeira, reserva extrativista que custou a vida de Chico Mendes (o fazendeiro Darly Alves da Silva tinha a área em seu nome, ameaçou o sindicalista após a desapropriação e foi condenado como mandante de sua morte).
O PT é atualmente situação em Xapuri e venceu três das últimas quatro eleições municipais. Melhor para o partido só no governo estadual: os petistas detêm desde 1999 sua maior hegemonia regional no país. As supremacias estadual e municipal têm seus impactos. Uma delas é a implantação de indústrias estatais para alavancar a economia.
Um exemplo é a indústria de preservativos Nátex, que compra o látex dos produtores locais, emprega 160 funcionários e vende praticamente toda a produção para o ministério da Saúde. Outro caso é a fábrica de pisos de madeira, que utiliza troncos vindos do manejo florestal de reservas extrativistas. A unidade retomou sua produção recentemente graças a um parceiro privado.
“Essas fábricas só ajudam o bolso deles. Aqui na cidade continua tudo parado”, sentencia a doceira Carmem Veloso, que vende desde biscoitos de castanhas a cremes de cupuaçu na rua principal. A atividade econômica dos opositores também não ajuda muito a mudar isso, afinal, a pecuária não emprega muita gente. À beira da BR-317, que leva à fronteira com o Peru, o que mais se vê são pastagens pontilhadas de zebus deitados. Mas peão não se avista.
A juventude costuma sair da cidade para estudar e não mais voltar para viver por lá. Já os seringueiros que deixaram a mata e tentaram a sorte em Xapuri e outras cidades tentam voltar. “Conheço muita gente que quer voltar, porque estão vivendo embaixo de lona. Pobre vive melhor aqui na floresta”, diz Sebastião Mendes.
Um indício da estagnação econômica de cidade é que nenhum dos centos de haitianos que migraram para o Brasil via a fronteira acriana com a Bolívia e o Peru foi visto por lá. A porta de entrada ao país foi a vizinha Brasiléia (apenas 60 km de distância de Xapuri). Para os imigrantes haitianos, Xapuri foi apenas um dos tantos nomes nas placas rodoviárias no caminho para São Paulo e outras cidades mais ao sul.