Com figurões no palanque, PT quer 'Novas Diretas' em torno de Lula
O PT quer tentar reeditar o clima de Diretas Já em torno da candidatura do ex-presidente Lula nas eleições de 2022. Com discurso pautado nos "valores democráticos", o partido pretende reunir figurões de diferentes legendas e estados (aliadas ou não ao PT) e, quem sabe, refazer a foto de todos - da esquerda à centro-direita - de braços dados e levantados, como nos comícios dos anos 1980.
As conversas em busca desta frente ampla para enfrentar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), em andamento desde 2020, foram se consolidando à medida que o discurso de "terceira via" não decolou e ficaram mais explícitas na última semana, com a desistência de Guilherme Boulos (PSOL) ao governo paulista e a filiação do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, adversário histórico do PT, ao PSB para se juntar à chapa lulista.
Se o carro-chefe da campanha será a economia, com comparação constante entre os oito anos do governo Lula (2003-2010) com a situação atual, no campo político, o discurso será de união entre diferentes forças. Mais do que formar base nos estados, a proposta petista é clara: reunir diferentes figurões de diversos estados e focar na "união democrática".
Na última segunda (21), Boulos retirou oficialmente seu nome na disputa ao Palácio dos Bandeirantes em prol de Fernando Haddad (PT), como o PSOL já havia feito nacionalmente. Já Alckmin, depois de um semestre debatendo o futuro partido, consagrou a ida ao PSB com diversos elogios a Lula e a presença da ex-senadora Gleisi Hoffman, presidente do PT —no mesmo evento, o partido também filiou o senador Dário Berger, nome ligado à direita.
"É uma luta democrática. Quem sofre com esse presidente são as instituições e a democracia brasileira. A frente contra a ditadura foi uma frente democrática, e quem pode liderar essa frente hoje é o Lula", defendeu o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).
O plano, além de garantir palanques enormes para Lula em todos os estados, é criar fotos históricas de frente única e diversa, ou "formar as Novas Diretas", brincam alguns petistas, em referência ao movimento que pediu a volta das eleições diretas à presidência em 1983 e 1984. Além de artistas e intelectuais, os comícios reuniam políticos mais conservadores, como Ulisses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves, novos expoentes da política, como Fernando Henrique Cardoso, e líderes trabalhistas à esquerda, como Lula, Eduardo Suplicy e Leonel Brizola.
Em 2022, o comício dos sonhos do PT juntaria esquerda, centro e até nomes tradicionalmente ligados à direita: de Alckmin ao governador Flávio Dino (PSB-MA), de Boulos a Renan Calheiros (MDB-AL), de Berger ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Essa reunião, até há poucos anos improvável, tem sido montada de duas formas: filiando quadros históricos de outros partidos ou se unindo a figuras por meio de apoios locais.
- No Espírito Santo, o partido filiou o senador Fábio Contarato (PT-ES), então na Rede, em dezembro, e o lançou como pré-candidato ao governo capixaba no final de fevereiro, enfrentando diretamente o governador Renato Casagrande (PSB), que busca a reeleição;
- No Paraná, filiou o ex-governador paranaense Roberto Requião, quadro histórico do MDB, na semana passada, com a presença de Lula. Ele deverá enfrentar o governador Ratinho Jr. (PSD), que também busca reeleição.
- Em Alagoas, Lula mantém diálogo com a família Calheiros, de quem havia distanciado. O pai, senador Renan Calheiros, voltou a ter projeção nacional com a relatoria da CPI da Covid e se tornou um dos principais desafetos do governo Bolsonaro. O filho, governador Renan Filho (MDB), tentará uma vaga no Senado e quer Lula em seu palanque.
- Em Santa Catarina, o partido também se unirá a um nome mais ligado à direita: o senador Dário Berger, ex-PFL, ex-tucano e membro do MDB até esta semana, quando se juntou ao PSB no mesmo dia de Alckmin.
- Em Minas, onde o partido deverá disputar o senado, com o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), a campanha conversa com o prefeito belo-horizontino Alexandre Kalil (PSD) para enfrentar o atual governador Romeu Zema (Novo), possivelmente apoiado por Bolsonaro.
- No Rio, deverá estar ao lado do deputado federal Marcelo Freixo (PSB), antigo apoiador, contra Claudio Castro (PL), candidato bolsonarista.
- Em Pernambuco, deverá estar do lado do prefeito recifense João Campos (PSB), filho do ex-aliado Eduardo Campos, morto em 2014, pelo deputado Danilo Cabral (PSB-PE) - embora a deputada federal Marília Arraes (SD), neta de Miguel Arraes, tenha deixado o PT, mas siga jurando apoio a Lula.
A pretensão cria também problema em alguns estados. Na Bahia, com a desistência de Jacques Wagner (PT), o partido pretendia apoiar a candidatura do senador Otto Alencar (PSD-BA) para a sucessão de Rui Costa (PT), que deverá concorrer ao Senado. Após divergência interna, o PT-Bahia lançou Jerômino Rodrigues, secretário estadual de educação, como pré-candidato.
A questão Alckmin
Dentro do partido, há cada vez mais adesão a ideia de que a principal sacada da proposta de frente ampla tenha sido, de fato, trazer Geraldo Alckmin à candidatura. Na avaliação das lideranças petistas —mesmo os não muito simpáticos ao ex-governador— a união com Alckmin não só atrapalhou possíveis alianças entre outras legendas como dá a roupagem final ao discurso de frente ampla, sem restrição à esquerda.
Diferente da maioria dos outros quadros, como PSB e MDB, o governador sempre esteve do lado oposto do petismo. A última vez em que estiveram juntos na mesma frente foi exatamente durante a redemocratização —Alckmin então deputado estadual e depois federal pelo MDB e Lula como principal liderança petista e da classe trabalhadora.
No ano passado, quando Alckmin ainda avaliava se deixaria ou não o PSDB, que ajudou a fundar, seu nome era disputado por diferentes siglas. Líder absoluto nas pesquisas ao Palácio dos Bandeirantes, onde governou por 17 anos, sua escolha poderia impactar diretamente nas alianças nacionais.
Caso fosse para o PSD, como imaginavam aliados e queria o ex-prefeito Gilberto Kassab, uma aliança com PSB, de França, Solidariedade, PV e Avante estava se configurando, com aproximação do PDT de Ciro Gomes. Nacionalmente, também chegou a flertar com o União Brasil, porém a possível aliança com o PSDB, do governador João Doria, desafeto de Alckmin, acabou atrapalhando.
"É um fato que tem de ser saudado [dentro do PT]. Alckmin e outras lideranças ampliam nossa capacidade de governabilidade. Às vezes nem tanto na densidade eleitoral, mas pela relação institucional", defende o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que foi derrotado pelo então tucano na disputa pelo estado em 2014.
"O fato de ele [Alckmin] ser vice-presidente já recupera essa posição das forças que lutaram unidas na Constituinte. Nós tivemos divergências, elas não podem ser esquecidas, porém hoje trabalhamos na defesa da democracia", concorda Teixeira.
O tom foi assumido pelo próprio Alckmin em sua filiação ao PSB, com elogios a Lula, cutucadas em Bolsonaro e o uso constante da pauta democrática.
Alguns podem estranhar. Eu disputei com o presidente Lula a eleição em 2006 e fomos para o segundo turno, mas nunca colocamos em risco a questão democrática, nunca. O debate era de outro nível, nunca se questionou a democracia.
Geraldo Alckmin, em filiação no PSB
Oficialmente, os petistas falam que querem todo o apoio de centro-esquerda que puderem conseguir, mas não falam em acordos fechados, embora as conversas estejam encaminhadas. Nas próximas semanas, a aliança deverá anunciar em São Paulo o nome do ex-governador Márcio França (PSB) na disputa ao Senado, pela chapa encabeçada por Haddad.
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