Juristas criticam decisão do TSE sobre Lollapalooza: 'Precedente perigoso'
Juristas criticaram a decisão liminar do ministro Raul Araújo, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que determinou multa de R$ 50 mil para a organização do festival Lollapalooza caso artistas se manifestassem politicamente no evento. Em nota divulgada ontem, um grupo de professores e advogados militantes em Direito Público afirmou que a decisão de Araújo "pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia".
A decisão de Araújo ocorreu após o partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL, entrar com uma ação no tribunal por entender que as manifestações de Pabllo Vittar e Marina durante os shows no Lollapalooza, na sexta-feira (25), se enquadram como propaganda eleitoral.
Nesse passo, ciente de que a manutenção de uma decisão com este conteúdo pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia, pugnam os subscritores por sua revogação e pela garantia do direito de livre manifestação artística, a fim de restabelecer a normalidade eleitoral, que se espera garantida pelo TSE. Nota do grupo
Para os juristas, a decisão de Araújo foi "monocrática" e "ataca frontalmente a liberdade artística contemplada em nosso Texto Constitucional (artigo 5º, inciso IX), bem como desconsidera letra expressa e impassível de dúvidas de lei parlamentar escrita e aplicável, o que ameaça sobremaneira a segurança jurídica". Políticos e artistas também criticaram a decisão do ministro.
"Como é cediço, propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que esta seja tendente a determinado partido ou candidato", discorre o texto dos juristas.
Leia a nota completa do grupo:
"É com enormes consternação e preocupação que os juristas militantes no Direito Público abaixo assinado vêm a público manifestar-se acerca da decisão monocrática antecipatória de tutela concedida em 27 de março de 2022 pelo Ministro Raul Araújo do E. Tribunal Superior Eleitoral, que determinou a proibição de manifestações políticas de artistas e público do Festival Musical Lollapalooza, realizado em São Paulo nos dias 25, 26 e 27 de março.
Segundo consta da decisão mencionada, considerou-se que a manifestação de orientação política por parte de artistas e público no festival mencionado violaria o disposto no artigo 36 da Lei Federal 9.504/96, nos termos do qual propaganda eleitoral somente é permitida a partir de 15 de agosto dos anos eleitorais.
Como é cediço, propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que esta seja tendente a determinado partido ou candidato. É o que se infere expressamente do artigo 36-B da mesma lei, segundo o qual 'será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições'.
Pior ainda, a decisão em comento ainda ignora letra expressa de lei, constante do artigo 36-A da mesma lei, segundo o qual não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos.
No caso vertente, ao pretender corresponder a manifestação artística a uma propaganda eleitoral, a decisão ataca frontalmente a liberdade artística contemplada em nosso Texto Constitucional (artigo 5º, inciso IX), bem como desconsidera letra expressa e impassível de dúvidas de lei parlamentar escrita e aplicável, o que ameaça sobremaneira a segurança jurídica.
A decisão viola, ainda, frontalmente, o quanto decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal na ADI 5.970, na qual se assentou 'É também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral. A proibição dos showmícios e eventos assemelhados não vulnera a liberdade de expressão, já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas, visto que dela não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações. A norma em tela está a regular a forma com que a propaganda eleitoral pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um conteúdo ou com o embaraço da capacidade de manifestação de opiniões políticas por parte de qualquer cidadão'.
Nesse passo, ciente de que a manutenção de uma decisão com este conteúdo pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia, pugnam os subscritores por sua revogação e pela garantia do direito de livre manifestação artística, a fim de restabelecer a normalidade eleitoral, que se espera garantida pelo TSE.
São Paulo, 27 de março de 2022."
Ministro que proibiu atos políticos no Lolla manteve outdoors pró-Bolsonaro
O ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Raul Araújo, que proibiu manifestações políticas por artistas no festival Lollapalooza, decidiu manter, em duas decisões entre fevereiro e março, outdoors a favor da candidatura do presidente Jair Bolsonaro (PL) colocados por instituições do setor agrícola em diversos estados do país.
Em fevereiro, o PT apresentou no TSE uma representação contra Bolsonaro, a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), a Copper (Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas do Paraíso e Região), a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul) e o Sindicato Rural de Cuiabá.
Nas duas decisões, Araújo —que também é ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça)— entendeu que não havia propaganda eleitoral antecipada nos outdoors.
Segundo o relatório do ministro —ao qual o UOL teve acesso — o PT alegou que, em alguns casos, havia pedido de voto em Bolsonaro nas peças publicitárias.
"O representante apresenta duas fotografias de outdoors que teriam sido localizados no Estado do Rio de Janeiro, um em São João da Barra e outro em Campos dos Goytacazes, ambos com a imagem do representado Jair Messias Bolsonaro e as hashtags #EM2022VOTE22 e #2022BOLSONAROPRESIDENTE", escreveu Araújo.
Ele, porém, entendeu que não é possível afirmar que Bolsonaro tinha conhecimento do material publicitário em seu benefício.
No entanto, relativamente a esses artefatos publicitários, que poderiam em tese configurar propaganda de cunho eleitoral, o representante deixou de apresentar provas do prévio conhecimento do representado Jair Messias Bolsonaro, não requereu diligência para identificação dos responsáveis pela confecção, nem forneceu os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, conforme disciplina expressa no § 1º do art. 17 da Res.-TSE nº 23.608/2019[2], razão pela qual indefiro nesta parte a petição inicial.
Ministro Raul Araújo, em decisão que saiu em fevereiro
*Com Igor Mello, do UOL, no Rio
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